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João Távora

Crónica à maneira de balanço

Não sou particularmente devoto das festividades do Ano Novo, acontecimento que leva aos píncaros da euforia muitos dos meus ilustres concidadãos. O tempo a mim parece-me mais uma linha recta (ou, admito, ligeiramente curva segundo a representação de Einstein) do que circular, por mais conveniente que esse formato seja para nossa orientação temporal. Mas pronto, vamos completar o círculo de 2006 e eu não resisto a fazer o meu pequeno balanço.
Este ano foi indubitavelmente marcado pela minha feliz incursão e descoberta da blogosfera. Um novo e fascinante mundo marcado pelo conhecimento de novas gentes, escritas, ideias e até de novos amigos.
Musicalmente, em 2006, entretive-me muito com o álbum “Aerial” da Kate Bush, e apaixonei-me pela georgiana Katie Melua. Dos poucos concertos a que tive o privilégio de assistir, guardo a boa recordação de Dee Dee Bridgewater no grande auditório do CCB. Uma mulher e uma voz que encheram por duas horas a sala e a minha alma. Na música clássica (e sob o protesto da minha sensível mulher), o meu ano de 2006 foi um ano de Tchaikovsky. Fabuloso este compositor russo do Séc. XIX que magnificamente promoveu o fulgor dos metais na música sinfónica.
Para um empenhado pai e padrasto, ir ao cinema com regularidade, foi “chão que já deu uvas”, e este ano a maior parte das vezes que fui, foi com as crianças às matinées infantis. Assim não admira que o meu destaque vá para a “Idade do Gelo – O Degelo” de Carlos Saldanha. Mas foi em 2006 que descobri o filme “Anjos no Inferno”, do realizador Ryan Little. E mesmo que politicamente incorrecto, atrevo-me a adjectivar de belíssimo o filme “O Nascimento de Cristo” de Catherine Hardwicke, a adicionar à minha prateleira de DVDs assim que seja posto à venda.
Nas leituras, os meus destaques do ano vão para “D. Pedro V” de Maria Filomena Mónica, e para “D. Carlos” de Rui Ramos ambos da colecção “Reis de Portugal” do Circulo de Leitores. Nos romances, David Lodge voltou a fazer-me boa companhia, em detrimento do retomar de Proust “Em Busca do Tempo Perdido”… encalhado algures “À Sombra das Raparigas Em Flor”. Uma vergonha.
Em termos profissionais, tratou-se de um ano de decisivas mudanças nas estruturas da empresa em que trabalho. Esse facto tem requerido grandes esforços de adaptação por parte de todos nós. A mudança não é fácil, para ninguém, tanto mais quando os resultados são diferidos e destes dependem alguma da estabilidade.
Finalmente, o ano termina com a “família pipocas” preparada para acolher um novo membro, já daqui a pouco mais de um mês. Ontem com a miudagem convidada a presenciar a penúltima consulta de gravidez da minha mulher, a nossa filha mais pequena garantiu ter visto no monitor as “pistanas” do José Maria a “muxer”. “Ano novo, vida nova” - no nosso caso, tudo indica será literal.
Feliz e próspero ano novo 2007 para todos, são os meus sinceros os votos.

Feliz Natal


A todos os meus colegas e visitantes do Corta-Fitas, aqui deixo os meus votos de Boas Festas e de um Feliz Natal com esta deliciosa e comovente animação: O Rapaz do Tambor realizado por Jules Bass e Arthur Rankin Jr. e argumento de Romeo Muller. Um clássico, a não perder.

Ler os outros

É muito reconfortante quando a séria e discreta erudição é partilhada na praça pública, ou neste caso na Alameda Digital. Foi com muito gosto que aí fui encontrar (mais vale tarde...) Carlos Bobone e a sua coluna “Obras Esquecidas de Autores Famosos” que explora os “Lados B” das bibliografias consagradas. Interessante este artigo que vem relembrar as pouco referenciadas teses racistas da superioridade da raça indo-europeia, por parte de um histórico Oliveira Martins, um dos grandes mitos do socialismo português:

Nos anos 70 do século XX, um dos mais populares almanaques publicados nos Estados Unidos, “The Book of Lists”, apresentava uma lista dos piores seres humanos de todos os tempos. Aí aparecia o nome do Conde de Gobineau em décimo lugar, depois de Hitler, Staline, Átila, Calígula, Ivan o Terrível e outros flagelos humanos do mesmo calibre. Sendo o autor do “Ensaio Sobre a Desigualdade entre as Raças Humanas” menos conhecido que os seus companheiros de lista, e não se lhe podendo assacar a responsabilidade directa por massacres, torturas ou desgraças colectivas, o almanaque justificava a sua presença explicando que se tratava de um autor francês do século XIX, conhecido pela sua teoria de que a raça ariana era superior a todas as outras. A autoria desta tese racista foi reputada suficientemente grave para o tornar merecedor de inclusão na lista das piores criaturas que a humanidade gerou.
Se os autores do almanaque tivessem tido ocasião de viajar pelo sul da Europa, correriam o risco de passar por um pequeno país onde ainda hoje é objecto de grande veneração a obra de um dos mais eruditos congéneres do Conde de Gobineau. E onde o autor de teses sobre a superioridade da raça ariana é tido por um dos mais apreciáveis seres humanos que a sua pátria se orgulha de ter dado à luz, chegando-se ao ponto de o partido do governo se ufanar de o ter entre os seus precursores.


A ler na integra aqui mesmo na Alameda Digital.

As causas dos homens "perfeitos"

Pela sua pertinência e lucidez atrevo-me a transcrever em baixo um excerto da coluna de Vasco Pulido Valente no Público de hoje.

«Na Inglaterra e na América é politicamente incorrecto, e hoje quase criminoso, festejar o Natal. Porquê? Porque, celebrado com tanta exuberância, o Natal se arrisca a ofender (ou a convencer) os crentes de religiões minoritárias, sobretudo, claro está, os muçulmanos. Mas como não se pode proibir o Natal, coisa que decerto os puristas gostariam de fazer em nome dos direitos do homem, a ortodoxia política tem por enquanto de o camuflar. Isto obriga naturalmente a algumas contorções verbais, a muita hipocrisia e a uma boa dose de intimidação. A "árvore de Natal" passou a "árvore da amizade" e o "jantar de Natal" a "jantar do solstício de Inverno". Os "cartões de Natal" são agora também "cartões da estação" e o "Bom Natal", suponho, "Boa Estação". Nos países católicos, como Portugal, esta espécie de purga ainda não começou. Mas cá chegará, com o atraso e o zelo do costume. Entretanto, mesmo aqui, o totalitarismo (e uso a palavra deliberadamente) alastra sem sombra de protesto.
(...)
Não existe a menor diferença entre a actual ortodoxia "bem-pensante" e o jacobinismo ou o comunismo clássico. É a velha ambição de criar um homem racional e perfeito pela força política. Não por acaso os "marxistas" de ontem prosperam neste novo mundo. A tolerância sempre foi ou já se transformou em intolerância e há lugar para milhões de polícias. »

Vasco Pulido Valente - Público 22 de Dezembro 2006

História de algibeira (10)

Sobre a infância do Rei D. Carlos:

Um dos companheiros de D. Carlos e D. Afonso lembrava-se sobretudo, quase sessenta anos depois, de “um barco com rodas, patins e uma caixa cheia de ferramentas com as quais escangalhávamos tudo quanto apanhávamos a jeito”. D. Carlos e o irmão usavam quase todo o Palácio (da Ajuda). Os corredores e as grandes salas do “andar nobre” serviam para deslizar em patins com rodas. No jardim botânico, entretinham-se a arreliar os macacos da enorme colecção de animais do rei.

In “D. Carlos”, por Rui Ramos, da colecção Reis de Portugal (Círculo de Leitores, 2006)

Memórias do Natal

Um misto de ingénuo espanto e ansiedade define a comoção com que eu na minha infância vivia a festa de Natal. Tudo começava na véspera, noite dentro, quando nós os cinco manos, lá íamos com os nossos pais, todos ao monte no velho carocha bege, bem agasalhados e aperaltados, para a missa do Galo. Ainda pequeno, era um sentimento muito especial o de entrar acordado no mistério da noite profunda e estrelada. Lisboa lá estava deserta e fria, mas calorosamente engalanada para a festa. Excepcionalmente para as solenidades natalícias íamos à Igreja de S. Pedro de Alcântara ou Santos o Velho. A ocasião era toda ela especial: a Igreja, quente e iluminada a preceito, tinha um cheiro especial, os cânticos também eram especiais, e o grande presépio ao fundo dominava o panorama. Num autêntico estado de graça eu sentia-me também especial, como Jesus que nascia...
Intimamente eu ansiava pelo fim da missa, pelos presentes e a ceia, na Avenida da Liberdade em casa dos avós, noite adentro com os tios e a primalhada toda. Era essa a primeira etapa do glorioso dia que então começava.
Além das coloridas iluminações de rua, o Natal era então também mundanamente anunciado por alguns sinais “televisivos”, que avisavam a chegada das festas. Eram os anúncios de brinquedos, chocolates e perfumes, o inevitável Natal dos Hospitais, e os magalas que logo a seguir ao telejornal mandavam saudades à família, em diferido das colónias.
Mas no Natal são os presentes que tocam profundamente as sedentas criancinhas. Lembro-me daquele Mercedes Dinky Toys, que especialmente para mim, o meu pai pintou de preto e verde para satisfazer o meu capricho de ter um Táxi “como os verdadeiros”. Houve um pequeno “transístor” (rádio a pilhas) revestido de cabedal castanho, oferecido pelo meu padrinho, o avô João, onde eu ouvi as minhas primeiras canções, o “Quando o telefone toca” e os “Parodiantes de Lisboa”. E num qualquer Natal mais próspero lembro-me de ter recebido uma enorme caixa de Mecano, um jogo de construção que fez as minhas delicias durante meses…
E depois havia o chocolate quente na Avenida, cheia de primos, sonhos e outros fritos. E havia o acordar tarde e estremunhado já em Campo d' Ourique, para com os meus irmãos acorrermos estonteados ao nosso sapatinho junto ao presépio... onde milagrosamente já constava o Menino Jesus devidamente deitado na sua manjedoura.
E ao final do dia, com uma réstia de preciosa energia, íamos ainda jantar aos meus avós paternos na Travessa do Patrocínio... para um derradeiro banho de festa, de tios e de outros tantos primos...
O dia seguinte era uma ressaca feliz. Depois, restavam ainda uns dias de férias para empenhadamente brincar com os meus irmãos e com tantos e brinquedos novos. E para numa ida à matinée, a ver um filme de Walt Disney, estrear umas meias de lã, ou uma camisola nova tricotada pela minha mãe. E por esses dias, com a minha curiosidade endiabrada, ia desventrando meticulosamente alguns dos mais fascinantes e plásticos presentes, de corda ou a pilhas, até serem depositados ao monte no grande caixote. Inúteis e abandonados.
Finalmente, depois da passagem de ano, o suspiro moribundo das festas, a vida retomava a normalidade, a rotina. Até a escola implacável, ensonada e fria recomeçar.

Ilustração 3 - Travessa do Patrocínio nº 15 em 1898 (!) daqui.

Fraude


Há mais de uma semana que os utentes da linha de Cascais são diariamente defraudados com a supressão (pelo menos e que eu saiba) do comboio das 8.10 S. Pedro - Cais do Sodré. Isto significa uma viagem infernal de 25 minutos no sistema “lata de sardinhas”. Para alguns passageiros, por questões de saúde e de idade, a viagem chega a ser dramática.
Para me esclarecer, consultei o sítio da CP na Internet, onde nada encontrei sobre a anomalia (para que serve um Site meus senhores?!). Depois através do Call Center (!) fui informado que a situação se devia a problemas com o material! Vá lá… ainda bem que o problema é do “material”, pois eu pensei ingenuamente que tal se devia à gestão de recursos humanos ou gastos de energia.
Vai para mais de uma semana que a CP me está a vender gato por lebre, sem qualquer aviso ou desculpa. A ver se escapa? O que é que falta para merecermos um país (e um mercado) civilizado?

3º Domingo do Advento

Ainda uma nota mais sobre o dia de Natal que se aproxima: lamento profundamente que a mensagem subjacente ao nascimento do nosso Senhor, do Rei dos reis, Deus feito homem, tão equivocamente tenha vingado em dois mil anos de catequização. Que o Salvador afinal nasce gloriosamente pobre e indefeso numa manjedoura, numa nação ocupada e reprimida... Que a mais fantástica e bela história do mundo indica-nos inequivocamente um caminho de libertação e de felicidade, justamente na entrega, e não na conquista. No dar e não no receber. E que a redenção se conquista em tudo ao contrário do que ensurdecedoramente nos “vendem” por todo os recantos desta civilização decadente. E que é ao libertarmo-nos do nosso sôfrego e deprimente umbigo que podemos alguma vez realizarmo-nos como homens livres. E que o nosso coração frio e egoísta é a imagem das albergarias de Belém quando se fecharam a Maria e José em vésperas do Grande Acontecimento. E que se vivermos o Natal de Jesus, nem que seja por um dia, seremos indubitavelmente melhores pessoas e mais felizes.
Assim Deus me ajude a viver este Natal.

Orgulho… e preconceito!

Ontem aguentei estoicamente em pé quase duas horas de mais uma inevitável (e interminável) festa de Natal do colégio da minha filha pequena. Durante o garboso evento os meus sentimentos balançaram entre o desespero provocado pelo calor e pelo cansaço, e a comoção de pai babado. Várias vezes durante a festa fui diabolicamente tentado a pedir à minha mulher, grávida de sete meses, que me cedesse o lugar por uns minutos. Mas aguentei-me como um Senhor. No final, enquanto as mães trocavam intermináveis palavras de circunstância, e eu, já ansioso, vestia o casaco à miúda, uma insolente amiguinha sua perguntou-lhe… se eu era o seu avô! O coração caiu-me ali aos meus sacrificados pés.
Foi então que, por vergonha, desisti da intenção de repousar um pouco, discretamente, numa cadeira ao canto. E resisti ali, bem vertical, enquanto duravam as intermináveis despedidas das amorosas senhoras mães. Velhote sim, mas enxuto e orgulhoso!

Todos diferentes mas todos parados

Hoje, excepcionalmente, levei a viatura para Lisboa, o que significou um autêntico martírio para mim e para o meu carro, que já tem uns aninhos. E como se eu estivesse de fora de toda esta história macabra, apercebi-me do patético que é este ritual diário. Esta soberba quantidade de trânsito, com toda a espécie de carros e de gente, incluindo as mais sofisticadas “bombas”, automóveis caríssimos, marcas de luxo em procissão quase parados durante horas.
Irónico mesmo foi na última etapa do calvário, descendo a rua Castilho (toda ela com estacionamento em segunda fila), constatar um companheiro de infortúnio atrás de mim. O homem, irado, buzinava vociferando contra o seu cruel destino, fechado dentro do seu carro milionário, daqueles americanos e enormes que parecem ter dentes e expressão de zangados. Apesar de exausto, ainda sorri, mas o fulcro da questão não tem mesmo graça nenhuma. É que o caos urbanístico da Grande Lisboa e os milhares de carro-dependentes proporcionam um autêntico bloqueio nas estradas e acessos à capital que todos pagamos em poluição e em baixos índices de produtividade.

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