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João Távora

Ainda a (des)compostura de Sarkozy

Na república, o lugar da mulher do Chefe de Estado, a chamada "1ª Dama", é um tão ilegítimo como inevitável devaneio patrocinado pelos media para gáudio da turba. Definitivamente o personagem colhe e garante um bom retorno no negócio do circo mediático. Não me parece viável que um candidato a chefe de estado oculte a sua realidade familiar e afectiva. O ideal será de facto que ela promova boa imprensa e simpatia popular à instituição e ao protagonista. Quer se queira quer não, a mulher dum candidato terá sempre o involuntário poder de promover ou estorvar a sua imagem pública. Um verdadeiro berbicacho.
Sendo por natureza o divórcio um penoso acontecimento do foro privado, sendo a figura do casamento alheia à instituição do cargo, indica o bom senso a um mediano jornalista que o assunto é impertinente e que extravasa claramente o interesse público.
Parece-me saudável a atitude de Nicolas Sarkozy perante a indiscreta jornalista americana. Parece-me inquietante o aparente descontrolo emocional que sobressai na tomada de posição do Presidente da República Francesa.

Crónica alternativa do Corta-Fitas

O Pedro Correia, ao comparar o sucesso dos inquéritos ao Tratado de Lisboa com o das miúdas da TV, afirma a vocação tablóide do Corta-fitas. Não desfazendo, confesso que também tive dificuldades em dar uma opinião convicta ao questionário sobre o dito documento. Para mim é-me muito mais fácil despejar num clique o meu wishful thinking no inquérito para futuro campeão da bola. Mais aprazíveis que os questionários “da bola” só mesmo os passatempos que versam mulheres bonitas.
Não tenho a certeza dessa vocação tablóide para o Corta-Fitas. Mas parece-me evidente que os blogues, no seu formato enrolado de diário, posicionam-se como uma espécie escrita de irresistível reality show. Mesmo ao acompanharmos as mais inócuas preocupações políticas das mais ou menos consagradas figuras blogosféricas, envolvemo-nos sempre num atmosfera folhetinesca, com o seu quê de sedutora bisbilhotice. Como num romance, onde até às vezes se admite a intromissão do leitor, numa tentadora caixa de comentários.
Depois há o Corta-Fitas, que, com os seus decorosos escrevedores, mais ou menos empenhados em dizer (e mostrar) coisas interessantes. Figuras pouco públicas, imaginam-se com dificuldade os seus privados perfis. Será a cfa, uma tronchuda matriarca, portuguesa de Ranholas, com ambições secretas na concelhia do MRPP da Amadora? Ou o Duarte Calvão, figura esguia e calva, fumador de cachimbos d’ água, com as suas longas barbas tisnadas de trotskista? E o Luís Naves será na realidade o verdadeiro fidalgo contemporâneo, culturista de corpo e de espírito, um desprendido místico, amante de numismática e de tragédia antiga?
São estes enigmáticos escribas que debitam diariamente pérolas quase literárias para consumo imediato, e que alimentam a voracidade dum milhar de leitores diários. Pois no Corta-Fitas também há Sportinguistas e poetas. O João Villalobos, antigo jogador de rugby, é as duas coisas e consta que percebe de vinhos, ciência que não partilha com ninguém. Dizem as más línguas que após o ultimo congresso do PSD da Póvoa, desiludido com a política nacional, fez uma sesta sabática, que o inspirou a mudar de gravata.
Por seu lado, a Maria Inês de Almeida e a Isabel Teixeira da Mota têm assumido progressivamente estéticas antagónicas: Maria Inês burila os seus agradáveis textos de tonalidades sólidas e transparentes. E de facto, não dá ponto sem nó. A Isabel ao que se vê, nem uma coisa nem outra, nem dá ponto nem dá nó. Que saudades.
E depois há a Miss Pearls, elegante trintona oxigenada que por aqui abriu uma sucursal da sua joalharia de estilo – o negócio corre-lhe tão bem que há algumas semanas que não põe aqui os delicados pés.
Depois existem o Pedro Correia e o FAL, editores de política nacional por profissão, coisa que lhes confere uma natureza mais anacrónica que a um monárquico católico como eu. Alvíssaras aos dois rapazes que garantem publicidade ao blogue, principalmente quando a generosa agenda política se agita. É à boleia dessas oportunidades que todos ganhamos um ar de “gente séria” e de causas elevadas, mesmo sabendo todos nós que o país está perdido. Serviço público, enfim. Finalmente há quem prefira as crónicas da Teresa Ribeiro, a nossa garçonne de boina guerrilheira, extremosa frequentadora da cinemateca em Lisboa e estandarte das mais fracturantes causas.
Uns almoços e jantares bastante ficcionados vão alimentando o mito desta gente catita e galharda, que no Corta-Fitas esgrimem em diferentes direcções, diferentes sermões para freguesias distintas. Todos diferentes e em nada iguais. Como aquele grupo que se encontra demoradamente e por mero acaso numa paragem de autocarro, durante uma tempestade. E aprendem a tolerar-se, às tantas com desconcertante simpatia.
Ou se calhar afinal nem existimos: somos todos personagens de fantasia, mera ficção. Em todo o caso, caros leitores, voltem aqui amanhã, à cata de mais um pequeno texto, um imodesto vitupério ou apenas uma rocambolesca crónica. Para anuir, contraditar ou mesmo agredir com um anónimo e incisivo comentário. Voltem só na tentativa de completar um pouco mais este humano e desconforme puzzle, para que o show pareça cada vez mais real.

Domingo

Evangelho segundo São Lucas Lc 18, 9-14

Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».

Da Bíblia Sagrada

Tempos modernos

As modernas carripanas de castanhas assadas até são “cools”, muito higiénicas e tal. Agora aqueles cartuchos vêm ditar o final de uma época: acabar de vez com a utilidade das jurássicas listas telefónicas. Cá em casa, há muito que iam direitas para o papelão.

Foto: DN, não assinada

Um epíteto equivocado

Nas caixas de comentários do Corta-fitas são recorrentes provocações maliciosas que me atribuem um carácter puritano ou moralista. Por achar o epíteto francamente estranho e até um tanto engraçado, tomo-o aqui como desafio a algumas considerações que julgo pertinentes.
O puritanismo como putativo reflexo de uma vivência religiosa é um cliché vazio, posso garanti-lo. Tomo, na verdade, o puritanismo como um modo de autocastração com origem numa deficiente auto-estima, e muito aquém, aliás, de uma inspiração religiosa, qualquer que seja. Nessa perspectiva, o epíteto é ingénuo ou imanado de má-fé, pois o cristianismo não significa uma conduta moral. Ao contrário, essa ética resulta do contínuo aprofundamento da vivência espiritual apontando, por natural consequência, para uma maior exigência estética e, logo, ... moral.
Esse longo e intrincado percurso de aprendizagem e aperfeiçoamento é construído com as contingências subjectivas de cada indivíduo e sua história pessoal, não sujeitável a tribunais mundanos ou a juízos superficiais.
Assumem-se porventura os cristãos como os mais imperfeitos dos homens, tendo sido a estes que Jesus desejou acolher, “incluir”, como agora se diz. (Não deveríamos antes recear os integralíssimos virtuosos que por aí pululam, alienados de si próprios e da realidade, utopicamente empenhados em mudar o impassível “mundo” à sua volta?)
Voltando aos meus presumidos pudores e puritanismos, tenho a sorte de ter crescido numa família tradicional e sem “complexos” de maior. Se me foram transmitidos com veemência valores morais básicos, também me foi transmitida uma tranquila vivência dos assuntos do sexo e da sexualidade. Por outro lado, o meu desenvolvimento nesse campo não me trouxe qualquer trauma digno desse nome, o que me confere uma vida afectiva gratificante.
Considero-me uma pessoa inteiramente normal: vivo, cresci e actuo neste agitado contraditório e apaixonante mundo, sem fugas, em estrita relação com a realidade, como a maioria dos católicos que conheço. E foi de pequeno que aprendi a apreciar a vida, a beleza, em toda a sua acepção, até como reflexo da divina criação. Sem desnecessárias complicações moralistas. Não, não foi na rua que apreciei as primeiras imagens eróticas. Nunca a mais inquietante beleza feminina me foi apresentada como transgressiva. É que, por detrás da mais espampanante ou provocadora modelo fotográfica, por detrás da mais curvilínea actriz de cinema, há sempre uma pessoa inteira.
Finalmente, apetece-me dizer que antes do advento dos neo-moralistas de inspiração freudiana e da da prosélita “inteligentzia” regimental, havia já uma tradição de boa-educação e de bom-senso.
Mesmo para além (ou aquém) da religião. Não misturemos, pois, as coisas.

A pedido de várias famílias...

...foi adicionada a opção “Ana Lourenço” ao questionário aí na barra lateral sobre "mulher mais atraente da TV nacional". Como (salutar) consequência, a contagem voltou à estaca zero. Relembro que os nossos estimados leitores têm a possibilidade de votar de novo a cada 24.00hs, e assim tentarem levar a “água ao seu moinho”.

Um postal do Ruhr

Em Essen, venho encontrar uma gente com aspecto duro e de sorriso avaro. A vida nesta terra até é muito "em conta", com os preços quase como os de Lisboa. Chuvisca e já faz muito frio.
Ontem tive tempo para visitar o centro da cinzenta cidade, que emerge dos densos bosques do Ruhr. Nestas paisagens podemos imaginar os mais misteriosos contos de fadas e de princesas abandonadas por maléficas bruxas de chapéu em bico. Em Essen, com a sua arquitectura bem planificada nos anos 50 e 60, o que mais me despertou curiosidade foi a monumental Sinagoga (na imagem) construída no principio do século XX pela então próspera comunidade judaica. Hoje totalmente restaurado do grande incêndio e das pilhagens de 1938, este majestoso templo com os seus imponentes portões ferrados a cobre, sobreviveu miraculosamente aos intensos bombardeamentos dos aliados. Lá dentro encontrava-se uma impressionante exposição sobre as perseguições aos judeus no regime nazi. Durante a minha visita, uma turma de animadas criancinhas da primária circulava pelo edifício em pequenos e saltitantes grupos, naquilo que me pareceu um jogo, tipo “pedi-paper”, num aparente descomplexado convívio com os buracos negros da sua história.
Durante os três dias da Feira que me aqui trouxe, foram revigorantes as caminhadas ao frio da noite, do centro de congressos para o hotel, numa estrada por entre o sombrio parque florestal. Durante estas longas tiradas, logo despontava um saudável apetite para um merecido e reconfortante jantar. Hoje, por exemplo, foi a vez de manjar um belo naco de ossobuco com cogumelos selvagens, regado por uma saborosa cerveja gelada. Não há dieta que resista a uma contrita missão no meio dos bárbaros!
É já amanhã, segunda-feira, pela fresca, que regresso no rapidíssimo ICE directo a Frankfurt, onde, se Deus quiser, tomarei o avião de volta à “terra”. Já com saudades do nosso “pequeno mundo”.

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