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João Távora

Sem fumo nos olhos

São muitas as vozes “esclarecidas” a vociferar contra a lei do tabaco que entra amanhã em vigor. Por vezes pressinto alguma caprichosa arrogância por parte dos resistentes fumadores, ameaçados na sua liberdade individual (?!) e cada vez mais entrincheirados no seu gueto.
Não pretendo discutir com os fumadores os malefícios ou virtudes do seu vício. Pela minha parte, como comprovarão os meus amigos viciados, sempre contaram com toda a minha "tolerância". Tenho cinzeiros em casa, e nunca troquei uma boa companhia à mesa por mais alguma sanidade atmosférica. É que, depois dos quase trinta anos que eu próprio dediquei à adição a fumos diversos, a minha consciência não me permite uma atitude discriminatória. Mas permitam-me aqui uma singela partilha de experiência.
Durante muito tempo a trabalhar na hotelaria habituei-me a gerir a (in) conveniência social do meu convicto vício de fumador. No entanto, chegado a meados de 2004 devido a uma reestruturação na empresa onde trabalhava, mudei de escritório e passei a partilhar um moderno e racional espaço comum. Ainda arranjei um cinzeiro "de pé" que eu próprio coloquei no patamar das escadas entre os elevadores. Estavam claramente comprometidos os meus rituais de prazer. Por exemplo, cada fugida para fumar, obrigava-me a interromper o que estava a fazer. Como se o “fumar clandestino” não fosse suficiente humilhação para um respeitável quarentão como eu, ali eu expunha-me democraticamente aos mais insolentes e bem intencionados reparos, por parte de toda a sorte de virtuosos colegas.
Sem argumentos válidos que justificassem o destrutivo prazer em visível decadência, cedi à “pressão social” e marquei uma data solene para a heróica mudança. Nas derradeiras semanas de contagem decrescente, fumei que me fartei! E foram tais as (más) expectativas criadas, que me surpreendi ao sobreviver aos primeiros dias de abstinência.
Durante quase um ano, fiquei com um feitio danado, quase me incompatibilizei com o mundo, com explosivas e injustificadas fúrias.
Agora tudo passou, e posso garantir que me sinto bem e que fiz o que havia a fazer. E confesso que há muito que o lado estético do consumo da nicotina me parecia no mínimo repugnante.
As consequências deste vício entraram-me pela vida a dentro, pois perdi os avós maternos ambos com enfisema pulmonar. Lembro-me dos obscenos e assustadores ataques de tosse que tornavam roxo o meu avô, ainda recém sexagenário. Morreu cedo e asfixiado.
Hoje em dia, quando acompanho a minha mãe nos seus pequenos passeios, deslocando-se lívida, em minúsculos e lentos passos, ligada por tubos a uma garrafa de oxigénio, sou capaz de me lembrar de alguns sagazes opinion makers da nossa praça. Quando vejo na cidade as inúmeras carrinhas de distribuição domiciliar de oxigénio, das empresas Linde ou Gazin, lembro-me desses que, levianos, reclamam o direito a infestarem-se de alcatrão e nicotina, da mesma forma como reclamariam outras fracturantes causas que a agenda da moda imponha. E com comprovada imaginação conseguem argumentar e justificar a sua funesta veleidade, como se de um direito se tratasse. O direito a morrerem lentamente, em profundo sofrimento e na total dependência dos outros.
Conheço alguns – pouquíssimos - sortudos que fumam descontraídos dois ou três cigarros por dia. Por compleição genética ou psicológica, são pouco vulneráveis a dependências. Mas esses felizardos não são regra e são os únicos que se podem alegremente rir de mim ou das minhas desventuras. Mas mesmo eles que o façam sem me atirar o fumo para os olhos.

Um bom ano!

Com mais um calendário em fim de vida útil, cheio de apontamentos, reuniões e lembretes, aniversários e recados, marcamos a passagem por mais uma etapa da nossa existência. Sem que eu seja grande devoto destas celebrações, também sou levado na onda dos balanços e balancetes. E constato que o ano que termina me foi particularmente pródigo. Assunto que assim deixa de o ser, já que como nos rezava David Mourão Ferreira n’ um “Amor Feliz” a felicidade não tem história. Mas tem, todos nós sabemos que tem. Mesmo que uma história dessas possa soar a pirraça.
E a inveja é uma coisa muito feia. E chega a ser perigosa quando vem daqueles que “não padecem” desse mal. Porque quem não sente não é filho de boa gente. Ou é esquizofrénico.
Pois então fica escrito que eu sou “em geral” muito sensível a toda a sorte de sentimentos, humanas inseguranças e desejos, dos mais luminosos aos mais obscuros.
Duvido sempre de quem se proclama democrata, justo, ou sincero. Eu, por mim sei o que custam tais atributos. Depois, com tantas emoções, aprendi à minha custa que o inferno não são os outros, ele quando arde é dentro de nós. Corrosivo e demolidor se não for bem tratado pela razão.
Mas acreditem que sobrevivo relativamente em paz, apesar de tudo. Aprendi a viver com a efervescência de tantas e contraditórias energias. Que esse é o preço de viver uma vida inteira. Até conviver com o terrível medo, ameaça constante ao livre arbítrio, mas que finalmente nos pode salvar, à beira de um precipício ou a atravessar a avenida da Liberdade.
A vida ensinou-me a temer quem se embandeira ao mundo todo puro de coração. Pior do que ser imperfeito é desconhecermos o quanto o somos. Sem nunca perscrutar as nossas motivações. E depois, só não tem ciúmes quem não ama. Quem nunca dá o peito à conquista. E afinal, para essas inegáveis maleitas da vida, basta aplicar um pouco de juízo.
O meu 2007 fervilhou de histórias e emoções. Com gente a palpitar lá dentro e com tudo o que isso implica. E foi um bom ano, graças a Deus.

Domingo

Evangelho segundo São Mateus 2, 13-15.19-23

Depois de os Magos partirem, o Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egipto e fica lá até que eu te diga, pois Herodes vai procurar o Menino para O matar». José levantou-se de noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egipto e ficou lá até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pelo Profeta: «Do Egipto chamei o meu filho». Quando Herodes morreu, o Anjo apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e vai para a terra de Israel, pois aqueles que atentavam contra a vida do Menino já morreram». José levantou-se, tomou o Menino e sua Mãe e voltou para a terra de Israel. Mas, quando ouviu dizer que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai, Herodes, teve receio de ir para lá. E, avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Assim se cumpriu o que fora anunciado pelos Profetas: «Há-de chamar-Se Nazareno».
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Da Bíblia Sagrada

Mais Sexta-feira

Gosto do aspecto salutar e sociável das moçoilas que o Pedro Correia nos oferece aqui em baixo. Gosto do "boneco" desta Sexta-feira pois vai contra uma corrente (com enorme expressão numa certa facção masculina) para a qual mulheres atraentes têm que ter uma pose contorcida e expressão de heroinómanas - ou olhos de “carneiro mal-morto”.
À laia de bónus aqui vai uma miúda gira que além do “mais” canta bem que se farta: Emmy Rossum. E digam lá mal agora...

A importância da História

Miguel Castelo Branco no seu Combustões, um verdadeiro serviço público de que não prescindo visita regular, propõe o voto em Rui Ramos no inquérito aqui ao lado. E eu concordo. Por mim escolheria sempre um cronista que estabelecesse a relação dos acontecimentos presentes com a História. Com a História ciência, independente de mesquinhos preconceitos ou da propaganda oficial do regime.

Natal


Evangelho segundo São Lucas 2,1-14

Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efectuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade.
José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe.
Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados».
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Imagem: A Sagrada Família de Simone Cantarini (via Afinidades Efectivas)

O que é que vão celebrar em 2010 ?!?

Ferreira Fernandes coloca hoje na sua coluna do Diário de Notícias o dedo na funesta ferida do regime, ao indignar-se com a assumpção por parte de Luis Filipe Meneses do direito ao usufruto para as suas hostes dum dos muitos lugares de topo duma empresa estatal, no caso a administração do maior banco nacional. É público que, em detrimento da meritocracia e do bom senso na gestão dos recursos nacionais, o regime acalenta um sistema paternalista que promove os apaniguados dos principais partidos de poder aos mais suculentos lugares da administração mais ou menos pública. A "moral republicana" e a democracia representativa não se libertaram duma centenária tradição proteccionista, macrocéfala e despótica. O regime sustenta-se aliás duma clientela incompetente ou simplesmente oportunista, uma medíocre neo-fidalguia, que se alimenta e sobrevive gananciosa nas máquinas dos partidos situacionistas.
Pessoalmente estranho o cúmplice silêncio da nossa imprensa da especialidade - pretensamente independente e livre - perante a podridão do sistema que a todos nos consome os preciosos recursos. Tarda a denunciar o sistema que promove a injustiça, o compadrio e o clientelismo. Se calhar porque também se alimenta dele.
Como Miguel Sousa Tavares sagazmente escreve na sua crónica do Expresso desta semana, há duas espécies de portugueses: os que vivem a pagar ao estado e os que vivem a tirar aos estado. Assim sobrevive o regime, com as trágicas consequências encobertas pelo beneplácito placebo dos fundos comunitários.
Ao longo dos últimos séculos foram necessárias as mais radicais barbaridades revolucionárias para que tudo permanecesse na mesma, ou seja - obviamente em termos relativos - na cauda do mundo civilizado.
Perante a constatação do crónico atraso nacional de que eram vítimas as classes mais desprotegidas e cuja condição social se encontrava perto da miséria, D. Manuel II, numa desesperada tentativa de alterar o decadente curso da história, uns meses antes da inútil revolução do cinco de Outubro, contratou por sua conta e risco o famoso sociólogo francês Léon Poinsard para que desenvolvesse as necessários observações e elaborasse um dossier que apontasse as pistas para uma política regenerativa e promotora do "fomento nacional". O sociólogo percorreu o país de lés a lés analisando a organização social e as condições de vida da população que lhe mereceram um sinistro diagnóstico: a principal causa da “desordem crónica” do país residia na sua organização política dominada por uma “tribo” pouco escrupulosa, ávida de poder e proventos que dominava a seu bel-prazer devido à fraca tradição de liberdades locais que fazia centralizar todo o poder e autoridade no governo. O rotativismo protagonizado pelos dois grandes partidos do poder, o regenerador e o progressista, contribuía apenas para criar uma série de clientelismos e servir interesses particulares em detrimento interesse nacional.”(...) "Uma das consequências mais singulares e mais injustas deste sistema é o predomínio quase continuo de um poder anónimo e irresponsável que frequentemente dirige, de uma maneira indirecta, mas efectiva, toda a alta politica da governação.”
É por estas e por tantas outras que eu me assumo à margem do sistema. Estou-me nas tintas para este circo, esta "guerra" não é minha. Repartam os lugares nos bancos, nos institutos públicos, saqueiem tudo o que possam à conta da ignorância e do acriticismo nacional. Por mim, tenho um projecto de vida para chutar para a frente, com muito trabalho e sem favores de ninguém. Mas quando a ganância dos apaniguados esquece o pudor e descrição que é devida ao ladrão, eu revolto-me. Profundamente. Mas para alívio interior concentremo-nos no essencial, que é o Natal que se celebra já daqui a nada.
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Fontes: Maria Cândida Proença, Léon Poinsard e Rui Ramos

Presentes de Natal


Há por aí um discurso simplista no qual facilmente se confunde consumismo e opulência com a benigna tradição do presente de Natal. Nesta quadra também me parece importante evidenciar a nobreza que possui a materialização do nosso amor ou caridade num objecto, um “presente” (que nos tornará presentes) desejável pelo próximo. Oferecer um presente a alguém – de quem nos desejamos (re) aproximar ou simplesmente homenagear, será com toda a certeza uma atitude de uma enorme dignidade. Essencial é não confundir a dádiva de um presente com marketing pessoal ou com alienação da realidade; fazê-lo bem é aliás uma arte muito própria que requer imaginação, e (o que é mais importante) uma grande capacidade de nos colocarmos na pele do outro, o mesmo é dizer de “amá-lo”.
Durante uma boa parte da minha vida o Natal foi festejado sob o pressuposto da celebração religiosa do nascimento do menino Jesus. E lembro-me com comoção de alguns presentes que, estou certo, eram muito mais do que simples objectos, e que terão sido verdadeiros actos de amor. Do meu saudoso pai - desajeitado sonhador e insigne investigador de minudências históricas, quase sempre exasperado com o seu crónico desconforto material - recebi alguns deles, como o incontornável Táxi Dinky Toy pintado a verde-e-preto pela sua mão, ou aquele álbum dos Marretas, uma sua diligenciada tentativa de convergência com o rebelde adolescente, com direito a dedicatória escrita e tudo.
Na avenida da Liberdade, na casa dos meus avós maternos, de costumes mais liberais e na época com alguma prosperidade, só depois da solenidade da Missa do Galo nos juntávamos todos a preceito aos meus tios e respectivos primos, para a ceia e distribuição dos presentes. A minha avó, personalidade única de vigor e simpatia, preparava o momento com enorme empenho: por exemplo, as diferentes cores das colecções de embrulhos e embrulhinhos distinguiam a família destinatária dos mesmos. A casa grande e de tectos altos estava quente e iluminada como nunca, cheirava a cera de velas e chocolate quente. Um presépio sóbrio onde se destacava um menino Jesus de braços abertos encimava a elegante cómoda grande da sala. A um canto a grande televisão a válvulas transmitia ainda o final das celebrações em directo da Sé de Lisboa, à qual assistira a minha bisavó Valentina, mãe do meu avô e padrinho, e que da varanda daquela sala quase ao cimo da avenida, testemunhara as mais equívocas revoluções e intentonas do conturbado início do século. Àquela hora a pequena senhora de cabelos ralos e prateados ainda resistia aos anos e ao sono. E da sua poltrona de veludo verde escuro testemunhava mais um renovado Natal. Muitos presentes recebidos nesses Natais marcaram a minha relação com aquela casa. Tornaram os seus protagonistas presentes no meu coração para sempre.
Ontem, quando estava a fazer as últimas compras de Natal, ao escolher “aquela” carteira especial para a minha mãe ou aquele blusão “radical” para a minha enteada irreverente, senti uma infantil ansiedade, pela hora da festa e ocasião para distribuirmos aqueles presentes tão “especiais” para a nossa gente tão querida.
É por estas razões que defendo o ritual do presente de Natal, que deveria conter um sentido profundo e cristão, o do reencontro dos homens de boa vontade: um autêntico tributo ao Nosso Senhor e Salvador, que nesse dia se nos apresenta como um frágil e radiante menino, que para nossa realização e felicidade deveríamos saber manter sempre vivo dentro de nós.

A todos os leitores e amigos do Corta-fitas aproveito para aqui deixar os meus sinceros votos de um muito feliz Natal.

Domingo - 4º do Advento

Evangelho segundo São Mateus 1, 18-24

O nascimento de Jesus deu-se do seguinte modo: Maria, sua Mãe, noiva de José, antes de terem vivido em comum, encontrara-se grávida por virtude do Espírito Santo. Mas José, seu esposo, que era justo e não queria difamá-la, resolveu repudiá-la em segredo. Tinha ele assim pensado, quando lhe apareceu num sonho o Anjo do Senhor, que lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa.

Da Bíblia Sagrada

(Continua na 3ª Feira)

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