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João Távora

As melhores férias da minha vida I


As primitivas memórias que guardo dos Verões em Milfontes fazem sentir-me velho. Nos anos sessenta, exceptuando o café da Barbacã, que tinha televisão e gelados, e talvez nalguma casa que eu ignoro, a iluminação utilizada era gerada por lamparinas de petróleo. Nessa época recordo-me de comprar rebuçados a meio tostão, e de na feira de Agosto cobiçar um reluzente bimotor Douglas em folha de flandres. É desses tempos que me lembro das infindáveis horas de sesta a que nós, crianças, éramos cruelmente condenadas todas as tardes. Eu invariavelmente suportava o castigo impaciente, de olhos esbugalhados no escuro, mas com os ouvidos nos sons da tarde mole, que se arrastava lá fora na rua a estalar de calor.


Foi nos anos sessenta que tomei consciência do mundo; quando os americanos chegavam à lua e se atravessava o rio Mira numa chata que o Sr. Joaquim Viola remava com um só remo alçado sobre a ré.

Conhecida como Princesa do Alentejo, a terra das três mentiras (não é vila, não é nova nem tem mil fontes) era principalmente uma aldeia de pescadores e tinha umas dezenas de casas à volta do forte seiscentista, e poucos eram os privilegiados forasteiros que usufruíam daquela encantadora praia, encimada por um areal imenso de altas dunas.

Todos os anos naquela pequena aldeia, durante umas semanas valentes, sentia-me incomensuravelmente feliz: com o nariz e as bochechas empastadas de Caladril, uma pomada cor-de-rosa para as queimaduras, passava todo o tempo possível dentro d’água. Diariamente, pela manhã (aqui presto devida homenagem à minha mãe, que tão perseverantemente pastoreava um rebanho de cinco rebeldes criancinhas), lá íamos todos para a praia junto do rio, que então era suficientemente espaçosa para as poucas dezenas de famílias de veraneantes que aí se encontravam todos os anos. Hoje essa praia encontra-se rasgada por uma estrada de alcatrão e o areal recuou pela erosão das marés tornando-a impraticável, pelo menos no Verão.

 

(Continua em baixo)

As melhores férias da minha vida II


Uma certa manhã de Agosto, no dia dos meus anos, acordei estremunhado e espremido pelas eufóricas meiguices do meu pai. Chegara de Lisboa e trazia embrulhado de presente um minúsculo insuflável encarnado que (mal ele sonharia) me proporcionou uma das melhores férias de sempre. Eu encaixava que nem uma luva no barquito, que com as palmas das mãos remava com destreza. Na minha imaginação, possuía um autêntico veleiro com o qual alcancei a Índia, cheguei a África e ao topo do mundo. Tirarem-me da água é que era uma carga de trabalhos.


Ano após ano fui aprendendo a conhecer as águas e as marés daquele rio, que cheguei a atravessar a nado muitas vezes. E recordo com saudade as vezes que passeava orgulhoso ao lado do meu pai no seu Volkswagen aos abanões pelo meio das dunas dos Aivados. E havia o nosso guia Jacinto, um pescador autóctone que auxiliava o meu pai em façanhas piscatórias, e que nos acompanhava no Canal à lota do peixe. No último ano que passámos juntos nessa aldeia alentejana, meu pai comprou uma velha barca que deixou à guarda do Jacinto, para um imprescindível restauro. Depois do 25 de Abril, ele não voltou a Vila Nova, e eu nunca mais soube o que se passara com o nosso barco, com o qual tenho a certeza ambos sonhámos divertidas aventuras e passeios numas férias que jamais aconteceram. Talvez por mero pudor, nunca falámos do assunto.

Hoje, por lealdade e caturrice ainda reservo todos os anos uma parte das férias com a família em Milfontes, um destino que afinal se tornou numa pequena selva de betão, paredes-meias com dois enormes parques de campismo. Contra isso vale-nos uma casa que alugamos de costas para a vila e sobranceira ao rio, onde nos podemos abstrair da feira que fervilha lá atrás, e de noite ouvir o chapar dos barcos na água ou uma cigarra a trinar. E depois há as dunas e ondas do Malhão, os miúdos tomaram-lhes o gosto. E há os amores e os amigos de Verão que se querem sempre reencontrar, nem que seja só duas semanas para o ano que vem.

 

Não é obrigatório casar III

Independentemente da lei que o reja, tendo em conta a vulgarização do divórcio e a generalizada ineficácia dos tribunais, em especial os de família, pergunto-me quais as consequências disto tudo, principalmente nas crianças. Por mim, fico apreensivo com o estabelecimento progressivo duma pretensa moral darwinista e com a divinização de uma irreprimível liberdade individual. Quanta dor, quanta solidão e desespero pairarão, envergonhados e oprimidos, nesta selva de instintos, ilusões e quimeras.  Não estamos nós cegamente a destruir, numa geração, uma fórmula de estruturação social que levou séculos a desenvolver-se? O homem evoluiu assim tanto?

I Passatempo Sorumbático – Resultados


Como a fotografia acima indica, Morte no Estádio de Francisco José Viegas da Difusão Cultural pesa apenas 289 gramas. Tendo em conta que não é possível entregar o prémio a um anónimo, Carlos Loureiro com o seu vaticínio de 300gr é o feliz contemplado. Para receber o livro em casa terá apenas que nos enviar uma mensagem com nome e morada para o endereço indicado na barra lateral direita.


 

Nota: Em nome do Corta-Fitas agradeço uma vez mais ao Sorumbático e ao Carlos Medina Ribeiro a ideia e o patrocínio deste passatempo.

I Passatempo Sorumbático


Foi imediata a adesão do Corta-Fitas ao desafio do Medina Ribeiro do Sorumbático, para a disseminação de boas leituras num passatempo conjunto. Assim, Morte no Estádio de Francisco José Viegas, editado pela Difusão Cultural, é o livro que temos para oferecer a quem sugerir o seu peso em gramas mais próximo do real. Faça o leitor a sua jogada aqui em baixo na caixa de comentários nas próximas 24 horas que de seguida nós prestaremos contas da aposta vencedora. Boa sorte!

Da caligrafia


Francisco José Viegas fala-nos aqui da sua reconversão à caligrafia, ao prazer da caneta e das folhas de papel. Eu confesso que sofro alguma inveja, pois não sei se por comodismo ou  displicência, cada vez dou menos uso à minha inseparável caneta Parker. Acontece que nas raras vezes que não utilizo o fatal “portátil” e me alongo n’algumas notas no papel, horrorizo-me com a degradação da minha caligrafia: com a falta de prática, está visivelmente hesitante e desconexa, lembrando-me a dos velhos, que se deteriora por provável lassidão ou mero desprendimento.


Se quanto ao talento estamos conversados, no caso da caligrafia até já pensei fazer exercícios num caderno de linhas, assim uma espécie de programa de reabilitação. Para ver se o teclado não me surripiou de vez algum precioso traço da minha personalidade... ou só para preservar um bocado do meu amor próprio.

Ouro para Évora

Agora, já somos "os maiores". Depois de uma semana de tanta maledicência e lamuria por causa dos maus resultados dos nossos olímpicos em Pequim, não deveria a turba ir hoje para o marquês aclamar eufórica a vitória do atleta luso-cabo-verdiano?

As coisas são o que são


 


O país, a banhos entre churrascos e carreirinhas na praia, está indignado com falta de resultados da comitiva olímpica nacional nos jogos de Pequim. Os nossos frustrados atletas, a maior parte deles devotos carolas que investiram as suas poupanças para a jornada das suas vidas, desdobram-se em patéticos lamentos, justificações e amuos. O espectáculo é deprimente, amplificado pela canícula estival, pela falta de futebol e de contratações do Benfica nos últimos três dias.


De resto não percebo como é que se pode exigir a um país onde a educação para o desporto é paupérrima e que não possui uma estratégia de longo prazo para nada, glórias desportivas semelhantes às dos povos mais desenvolvidos. Neste estado de coisas, tal sucesso quando acontece, deveria ser sempre interpretado apenas como uma feliz coincidência.

Do suposto progresso, contentemo-nos com os assaltos televisionados em directo, reféns, roubos de carrinhas celulares e extorsões de automóveis pronunciadas em inglês, coisa que dá um irresistível toque de modernidade.

João Moutinho


 


A uma semana do início do campeonato de futebol e a duas do fecho do mercado de jogadores, alguém próximo de João Moutinho devia aconselhá-lo vivamente a pedir desculpas  aos adeptos e ao clube que o formou. Não que isso sirva para recuperar a sua imagem maculada pelas suas extemporâneas declarações, fruto de vulgar deslealdade ou quem sabe por mera irreflexão.


Considero perfeitamente legitimas as ambições de Moutinho de duplicar ou triplicar o valor do seu salário, mas a sua afirmação publica de despeito pelo clube que o formou e pelos adeptos que sempre o acarinharam não passa impunemente. A questão que se joga aqui é a do carácter e dos valores dum homem... que bem podem determinar a diferença entre a vulgaridade e a glória do atleta.

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