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João Távora

Magalhães, a cabala e o delírio


Há muitos anos a lidar com computadores, essencialmente para uso do Office e da Net, montei em casa uma pequena rede de três PCs e os imprescindíveis periféricos. Acontece que minha mulher gere uma pequena empresa de traduções Web-based e os miúdos mais velhos, por mérito, já têm o seu aperelho. Quer isto dizer que conheço na pele o exigente esforço de trabalho e aprendizagem para manter tudo em bom funcionamento sem gastar muito dinheiro. Para mais, é um facto que os jovens normalmente tendem a uma utilização perigosa das máquinas, pois trocam entre si muita tralha, instalam jogos e aplicações nem sempre "saudáveis", mesmo com o "controlo parental" activado. Acontece também que as dezenas de programas e aplicações que progressivamente se instalam num PC, a prazo trazem instabilidade e conflitos ao sistema operativo, nem sempre de simples resolução. Por experiência própria discordo do mito cultivado por muitos adultos (certamente ineptos tecnológicos) de que “os miúdos hoje em dia nascem a saber mexer naquela cangalhada, e que neles é inata a habilidade para com as tecnologias” (penso que se referem a comandos de TV, telemóveis e a jogos electrónicos...). É para mim claro que qualquer miúdo aprende depressa a brincar, mas poucos serão os que se dispõem a aprender ou investigar a resolução dos problemas informáticos por eles próprios causados – esses trabalhos muitas vezes de simples resolução sobram para os pais ou para dispendiosos técnicos. Também sei bem como as crianças estão pouco motivadas para utilizar as ferramentas de trabalho que um computador oferece, cingindo-se a sua utilização ao entretenimento e para, pela  Internet, copiarem integralmente os conteúdos dos trabalhos “de grupo” da escola.


Estas são as razões pelas quais torço o nariz a este folclore da distribuição massiva de computadores pelas escolas. Pergunto aos meus botões por onde andarão os Magalhães e quejandos daqui a um ano, após as primeiras dificuldades ou avarias. E depois, quantos pais não serão tentados a vender na feira da ladra os inúteis aparelhos para pagamento da factura da luz ou da dolorosa conta da mercearia. As criancinhas, essas continuarão a crescer sem exercitarem a vontade, sem ler um livro ou conhecer o Mundo.

 

Título roubado de um livro do meu pai "Colombo a Cabala e o Delírio".

O melhor dos remédios


Embrenhado numa vaga de trabalho que (como sempre) coincide com outro inadiável apelo, no caso o projecto Plataforma do Centenário da República que será apresentada aos “media” de hoje a oito dias, ainda tive tempo para folhear o Diário de Notícias e sorrir com o anúncio da recuperação para a TV dos velhos Marretas de Jim Henson agora nas mãos dos estúdios Disney. Para além das longas-metragens (que nunca me convenceram por aí além), espero bem que a produtora invista mais nas pequenas comédias e na sua faceta music-hall, genialmente interpretada por toda aquela excêntrica trupe.


Como bom conservador que sou, agrada-me de sobremaneira que as minhas criancinhas se encantem com as mesmas tralhas que em tempos tanto me fascinaram. Uma boa notícia também porque em breve poucas alternativas restarão para nos aliviar o espírito da crise que por aí alastra do que o refinado bom humor.

 

Evangelho segundo São Mateus 20, 1-16a

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se a um pro­prie­tário, que saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a sua vinha. Saiu a meia-manhã, viu outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha e dar-vos-ei o que for justo’. E eles foram. Voltou a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde, e fez o mesmo. Saindo ao cair da tarde, encontrou ainda outros que estavam parados e disse-lhes: ‘Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?’. Eles responderam-lhe: ‘Ninguém nos contratou’. Ele disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha’. Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz: «Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, a começar pelos últimos e a acabar nos primeiros’. Vieram os do entardecer e receberam um denário cada um. Quando vieram os primeiros, julgaram que iam receber mais, mas receberam também um denário cada um. Depois de o terem recebido, começaram a murmurar contra o proprietário, dizen­do: ‘Estes últimos trabalharam só uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o peso do dia e o calor’. Mas o proprietário respondeu a um deles: ‘Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’. Assim, os últimos serão os primei­ros e os primeiros serão os últimos».

Fica-lhes mesmo bem!

Enquanto se procede a obras de melhoramento no hemiciclo em S. Bento, os trabalhos desta legislatura prosseguem provisoriamente na belíssima Sala do Senado que para o efeito foi remodelada. Além da ausência do barrete frígio, compraz-me saber que os nossos depreciados deputados da república actuem, mesmo que temporariamente, sob a vigilante figura do rei D. Luís  (o popular) imponentemente representado na cabeceira da sala.


 


Nota: texto reeditado


Publicado também aqui


 

 

Um merecido tributo

 



Sinto um travo amargo com a perda de Richard Wright, que sucumbiu anteontem a um cancro fulminante. Os Pink Floyd foram um dos meus devaneios de adolescência, e para o bem e para o mal aquele rock “depressivo” acompanhou-me por muitas lânguidas horas da minha juventude.


Richard Wright  tocava instrumentos de teclas e era responsável por aquele inconfundível som “espacial” característico da banda “psicadélica” que fundou junto com Roger Waters e Nick Mason. Richard Wright  compôs ou interveio na composição de grande parte dos temas dos Pink Floyd e alguns deles, como Summer 68, Echoes, Time ou Shine on you crazy diamond marcaram uma geração. Como acontece com a generalidade das bandas pop de sucesso, a soma das partes vale bem mais do que as suas individualidades, e com a morte deste músico acaba a esperança de uma reunião final dos genuínos Pink Floyd.

Restam-me os discos que ainda guardo gastos pelo uso, que num hipotético momento de preciosa privacidade ainda poderão rodar bem alto no meu gira-discos. Para meu deleite.

Outra vez as gravatas...


A Fernanda Câncio descortina aí nas ruas uma revolução a despontar, com garridas t-shirt, punhos no ar e "havaianas" (!) nos pés.  Depois, insurge-se contra a gravata, “resquício persistente da massificação e do totalitarismo vestimentar, do medo de sair da norma, da obediência cega à convenção”. Uma grande maçada. A jornalista, como é seu timbre, enfrenta com firmeza o diabo ou tão só os seus fantasmas (em sentido figurado, pois bem sabemos como estas figuras vão contra as suas arreigadas crenças). Uma vez mais bate-se pela sua nobre causa: enquanto Portugal inteiro não trajar inteirinho como na noite do Agito ali ao Bairro Alto, a moça não vai desarmar.


Atendendo à sua angústia das gravatas, apenas lhe digo que o preconceito é uma coisa tramada, que tolda a liberdade de escolha. Além disso a idade ensinou-me que esse sentimento promove o rancor, turva a vista e estorva o pensamento. Enfim, também faz mal à pele.

Eu nada tenho contra uma original t-shirt ou chinelas de “meter o dedo”, nem vislumbro obscuros sentidos num piercing malandro ou numa madeixa pintada. E passados já muitos anos sobre a minha adolescência, aceito conformado e com bonomia que andamos por cá principalmente para servir os outros. E mal andarei eu quando ambicionar o contrário. Com ou sem gravata.


 


Imagem: Mulher com gravata preta, por Amadeo Modigliani

Toleimas dum inconformado conservador

Vulgarizados no nosso quotidiano,  alguns artifícios tecnológicos empobrecem e alienam os nossos preciosos sentidos. Fascinantes tempos modernos estes que nos oferecem favas e uvas durante todo o ano, temperatura normalizada e uma omnipresente música de fundo.


É assim que no escritório nos arriscamos a passar literalmente ao lado deste Verão algo atípico, às vezes a tiritar com o obstinado ar condicionado, sempre desagradavelmente ressequido. Não satisfeitos, alguns colegas ainda tapam as orelhas com os fones a bombar os ritmos da moda, em estéreo e com “bass reflex”.

Eu por mim, que não tenho um espírito espartano, recuso-me a dar demasiada importância às contingências meteorológicas: tirando as condições extremas, convivo em paz com o clima. Depois, gosto demasiado de música para enfiá-la o dia todo pelos ouvidos como se duma transfusão de soro se tratasse.

Palavras de hoje (23)

Há uma coisa a que é difícil acostumarmo-nos neste país, e contudo forçoso é aceitá-la sob pena de nada compreendermos do que aí se passa...: é o desacordo que existe entre as leis e os costumes. As leis estão de um lado, os costumes do outro; e para dizer a verdade, as leis são teias de aranha de que os costumes se riem, que deixam subsistir, como que por amor dos contrastes, e que desfazem desde o momento em que se tornam incomodas.


 


Maria Rattazzi em 1879  Le Portugal à vol d’oiseau


 

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