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João Távora

Não podem ver um pobre com uma camisa lavada...

 

Sim caríssimo José: fui avisado pela telefonia ontem quando vinha do trabalho que o Sporting estava a jogar como não se via há muito tempo. Um telefonema para casa e a família imediatamente se mobilizou para uma “noite europeia”, com jantar ambulante, telepiza às fatias e a bola aos saltos a dar na televisão: uma irresistível quebra das rotinas que todos aplaudem e facilmente se mobilizam. Mas ontem a coisa foi inaudita e até as miúdas da casa que costumam  aproveitar estas ocasiões para tratar dos seus tarecos acabaram a festejar o golo do Matias Fernandez. 

Outro motivo de regozijo, para além desse e de hoje ser sexta-feira e eu estar de malas aviadas para um fim-de-semana no campo, é que finalmente começou o tão propalado processo de “presidencialização” do Sporting e contratámos o Costinha, nada mais nada menos detentor do segredo de pigmalião  para um departamento de futebol “como deve de ser” . Suspeito que a coisa vai começar a piar mais fino: pró ano Bettencourt arranja uma amásia, senta-se no banco ao lado do treinador e ninguém mais nos segura no caminho da glória. 

De resto meu caro José, tanto tu como esta tua simpática colega, em sinal de amor e respeito aos vossos filhos sportinguistas, que afinal são o melhor que o Mundo vos deu, têm como sagrado dever refrear o vosso cinismo benfiquista. Como o multiculturalismo não chegou a minha casa, não faço ideia como será essa vossa tão meritória e cristã experiência. 

 

A felicidade dos outros

Conheço imensas pessoas que vivem oprimidas por inusitados preconceitos ou toleimas, algumas delas que até não conseguem esconder claros sinais de infelicidade ou trejeitos de ressentimento. E como o mundo seria um local mais aprazível se todos fossemos felizes... à minha maneira! 

A História está cheia de exemplos de como, em nome de uma noção de felicidade, se podem cometer as maiores barbaridades. É neste sentido que a liberdade das pessoas, tida como último reduto civilizacional, tem de ser preservada a todo o custo como um conceito neutro, isento de opinião. É perigoso misturar as coisas: como afirma Isaiah Berlin "liberdade é liberdade, não é igualdade, nem equidade, nem justiça, nem cultura, nem felicidade humana, nem consciência tranquila". É como cristão que considero que esta liberdade, desde que não interfira com a dos outros ou que não profane a integridade física do próprio  tem que ser salvaguardada. 

Vem isto a propósito deste artigo, a respeito da discussão sobre a legitimidade da proibição em França da burca ou do xador, artefactos (sórdidos, na minha opinião) utilizados por algumas mulheres muçulmanas que interpretam de forma extremada a exigência de circunspecção por parte da mulher no Alcorão.

Perante o dilema colocado, não é sem alguma hesitação que concluo por uma opinião contra a proibição. Assim, parece-me que aos Estados civilizados, e suas boas consciências, lhes resta reforçar uma  efectiva batalha pela educação com base na assumpção da tradição cultural que lhes deu origem e por uma justiça actuante que, garanta a dignidade e o livre arbítrio de todos os cidadãos. Por muito que isso às vezes custe. 

A tragédia da Madeira

 

Fui à Madeira umas quantas vezes em trabalho e conheci a ilha com a ajuda de colegas que tiveram a amabilidade de por lá me guiarem. Devido a isso, do pequeno e luxuriante território conheço-lhe não só algumas belezas naturais e arquitectónicas, mas a extrema simpatia das suas gentes.

Uma das primeiras sensações de que me recordo ao sobrevoar a Ilha antes de aterrar, foi observar lá de cima a sua incomensurável pequenez e a sensação de fragilidade daquela pequena cordilheira erguida do colossal oceano profundo e envolvente. Confesso que nunca na minha mais estouvada fantasia me passaria pela cabeça que a esta amena e florida Ilha alguma ameaça um dia surgisse dum fenómeno atmosférico. Pelos madeirenses são por estes dias as minhas orações.  

 

Na imagem: Curral das Freiras

A prova de fogo de Sócrates

o amigo 

 

Nem a surpreendentemente notória "impreparação e falta de pesquisa" de Miguel Sousa Tavares para a entrevista de ontem livraram José Sócrates de dar um triste espectáculo, fazer uma confrangedora figura, imerso em justificações e evasivas, entremeadas em arremessos de arrogância. O que me foi dado observar ontem foi um primeiro ministro abatido e acossado: no fundo todos sabemos que um "animal feroz" rosna até à morte. 

Mas o que me pareceu espantoso em Sócrates, foi a persistente defesa do seu amigo Rui Pedro Soares, a roçar a loucura ou suicídio político, atitude de quem já por aqui anda por muito pouco: essa obstinação fica-lhe bem, apesar de malsã. Se nenhuma escuta ou "amigo" lhe passar a perna, suspeito que o executivo “aguente” até às presidenciais. Em governo "de gestão".

 

Foto DN

Família

 

 

 

Tenho para mim que todos os modelos de adaptação da célula familiar que tenham como objectivo a solidariedade e transmissão de conhecimentos são legítimas, até porque  a minha casa não constitui propriamente um modelo linear.

É dentro desta perspectiva que sou um acérrimo defensor da manutenção duma estrutura familiar forte, que vai muito para além da fracção nuclear. É por um projecto assim que me bato, em que a liberdade é promovida em equilíbrio com a responsabilidade duns em relação aos outros e com a sua história. A família quando alicerçada em sólidos valores é o salutar bastião do livre arbítrio do individuo em relação aos grandes movimentos de massificação e de poder. Para a sociedade em geral, a família constitui o garante duma essencial diversidade estética e cultural: possuidora cada uma do seu legado de informação transgeracional, a família alargada é um insubstituível microcosmos, qual espelho e plataforma de mediação dos seus elementos com a comunidade e com o Mundo. Este factor é extremamente útil para um privilegiado desenvolvimento das crianças: as estruturas familiares mais sólidas potenciam uma resistência inteligente à massificação e à  submissão dos indivíduos aos grandes poderes como as avassaladoras modas impostas pelo Mercado e... pelos Estados demasiado intrusivos.

É fácil entender porque é que as mais cruéis ditaduras do século XX sempre combateram os modelos tradicionais de família, que de facto tendem a funcionar como autênticas bolhas de oxigénio numa sociedade sufocada pela pressão do controlo.

Finalmente considero uma causa algo obscura o extremo individualismo promovido pelas correntes liberais de costumes, hoje em dia patrocinadas pela generalidade dos poderes políticos. Sem consistentes referências sociológicas e culturais, as pessoas tornam-se vulneráveis, qual papel em branco fácil de ser preenchido e doutrinado por qualquer sinistro poder. Que até pode ser o Estado. 

 

É assim a vida no pântano

 

Se por causa da tragédia da Madeira é admissível o pouco destaque dado à manifestação Pela Família e pelo Casamento*, que levou ontem milhares de portugueses a descer a Avenida da Liberdade, pela generalidade da comunicação social e em particular pelos jornais diários de hoje, parece-me simplesmente infame a concepção da peça publicada no Público onde, às páginas tantas, o (pouco) relevo dado ao evento se resumiu quase à troca de provocações entre um insignificante grupelho de extrema direita que seguia no final do cortejo e duas dezenas de patuscos junto ao cinema S. Jorge. Afinal, relatar os factos em função dum preconceito e para o justificar, trata-se duma tremenda desonestidade, uma transgressão seriamente comprometedora do livre arbítrio do leitor que é usual e impunemente levada à pratica pela generalidade dos jornalistas nas questões fracturantes "da moda". Nada de estranhar afinal quando se verifica como a mentira vem sendo um artificio tão vulgarizado a começar pelos mais altos dignitários dos órgãos de soberania. Afinal, neste pântano todos os répteis tem o seu papel.

A Guerra dos Sexos

 

Ontem quando levávamos os pequenos com a primalhada ao cinema para ver a "Princesa e o Sapo" (magnifico musical animado à boa maneira Disney), alguém sugeriu que o filme talvez não fosse indicado para rapazes. Após uma súbita insegurança, lembrei-me que, a mim ou aos meus pais jamais terá passado pela cabeça que filmes como a "Branca de Neve" ou a "Gata Borralheira", "Bela Adormecida" fossem para meninas. Eram simplesmente para as crianças, verem e brincarem desaustinados em correias nos intervalos das matinées

Mas não deixa de ser irónico que quase cinquenta anos depois delas se vestirem de calças e terem queimado os soutiens, após ter sido decretado o ensino unisexo e rifado o mesmo por troca com o acético "género", conquistadas as quotas que precedem a vitória final, se tenha afinal nos dias d’hoje tornado tão radical a diferenciação simbólica dos sexos. As meninas modernas apropriaram-se da monarquia, querem ser princesas e viver em palácios, monopolizaram o roxo e o cor-de-rosa, consomem em exclusivo uma parafernália de símbolos, séries e roupas, as "Winx", "Hello Kitty", "The Saddle Club", "Hanna Montana", "Demi Lovato", "Dora a Exploradora", o "Mundo de Patty", toda uma iconografia menino não entra.  Enfim, suspeito que em tempos de domínio relativista e "revolução de costumes", uma bizarra contra-revolução avança silenciosa: as miúdas, de pequenas conquistam e demarcam impiedosamente o seu território, nada de misturas, nada de meias-tintas. Afinal a guerra dos sexos não é a luta de classes, é garantia e perpetuação da incontornável  atracção dos opostos. 

 

Com a colaboração especial da minha filhota querida

Ateísmo: uma (des) crença respeitável

Parece-me extraordinário que haja quem desperdice tanto latim e energia em construções teóricas com o intuito de destruir, desmontar a crença alheia, numa suspeita ânsia de libertar "os alienados", afinal uma verdadeira atitude totalitária e maniqueísta como se o mundo se definisse em função de certo e errado.

Recuso-me a enveredar por exercícios de retórica e de psicologia barata sobre tal disputa, apenas afirmar que me é difícil entender de onde provém a pretensa superioridade moral dum ateu: afinal o ateísmo constitui uma crença tão intima e subjectiva como qualquer outra. Sem menosprezar o raciocínio e argumentos que o conduzem às suas convicções, há muitos anos que percebi que, no campo das questões de fé, em nome duma salutar convivência e do respeito pelo outro, o mais sensato é não aprofundar a controvérsia pois isso não leva a lado nenhum. Só assim é que é possível um convívio pacífico e até conquistar uma despreconceituosa amizade. Claro que ao fim do dia, nas minhas intimas cogitações, questiono-me  e alimento o secreto desejo que muitas dessas pessoas, principalmente as que me são mais chegadas, venham um dia obter a Graça duma revelação fecunda e redentora como a que me foi dada.

De resto é-me absolutamente indiferente se o meu patrão, médico ou primeiro-ministro é católico agnóstico ou ateu, se para o seu cargo for devidamente competente... e não o utilizar para ostracisar ou afrontar a minha comunidade. E por favor, não se armem agora em vítimas.

Sábado dia 20 - Marquês de Pombal, 15,00

 

 

 

Acontece na vidas dos povos que por vezes são chamados a participar, e no mínimo testemunhar, para o bem e para o mal, tempos excepcionais que se repercutem no percurso da sua História. 

Assim são estes em que vivemos. E como não acontecia há muitos anos, no próximo Sábado descem á rua e manifestam-se em distintos lugares de Lisboa duas sensibilidades, duas nações antagónicas. Essa diversidade é coisa saudável afinal: começa-se a pressentir que afinal, para lá da decadente apatia e voyerismo indígenas, subsiste um País vivo que disputa e replica.

 

Quem tem medo da palavra "romper"?

Mais que saber até quando aguenta José Sócrates, importa saber quanto mais resiste esta III república, cujas instituições se arrastam num deplorável estado de descrédito. O regime, qual múmia putrefacta e imortalizada por uma qualquer mezinha maligna, fantasmagoricamente prossegue o seu desígnio, pairando a maquinar e sustentar uma cada vez mais imensa e diversificada clientela. Aliás é interessante verificar como para lá dos seus anafados validos, hoje nos deparamos com uma curiosa plateia de opinadores que se entretém num animado jogo duplo: brada de repulsa pela corrupção e ineficácia das instituições, mas que assobia para o lado, encolhe-se ou  incrimina de extremista qualquer acção ou discurso de ruptura, que aponte para a inevitabilidade duma mudança que ameace minimamente as viciadas estruturas ou comprometa as rendas garantidas por pouco esforço. 

Perante esta proverbial desorientação e apatia, é notório que não se vislumbre um cidadão de mérito e de bem que arrisque pôr as mãos, e muito menos a cabeça, na impossível missão de desenterrar este País do atoleiro. De resto suspeito que a manutenção da insustentável administração Sócrates interessa principalmente aos seus putativos sucessores porquanto a deterioração deste ambiente lhes conferirá a médio prazo o estatuto redentor sem que se vejam forçados a reformar ou mexer em profundidade nos toscos alicerces deste regime falido e ineficaz. O pântano promove os repteis.

Finalmente, acredito que se torna urgente romper com o regime e as suas ancilosadas instituições: é prioritário reconstruir o inoperante edifício da justiça, é indispensável reformar o modo de eleição do parlamento concedendo-lhe mais crédito e dignidade, é vital cortar rente o peso do Estado na economia, é premente acabar com o ensino que não ensina e despreza o mérito em nome da igualdade, é preciso rever o modelo de chefia de Estado, que emerge, se sustenta e definha da mais mesquinha intriga política em detrimento do seu livre arbítrio e simbologia unificadora. Tudo isto em louvor da liberdade, em prol da independência nacional e da sustentabilidade da democracia. É por isso que, a mim que me desgostam as revoluções, hoje me soa bem a palavra “romper”. 

 

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