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João Távora

A vuvusela

Não é só em prémios pró Mexia, catálogos e cartões de fidelização que a Galp gasta os cêntimos a mais que nos cobra pelo seu combustível. Agora, para além da matéria-prima e refinação, a omnipresente gasolineira nacional investiu em centenas de milhares de vuvuzelas, uma corneta comprida em plástico, com a qual pretende democraticamente iniciar este nobre povo nas artes musicais durante o campeonato mundial de futebol.

As más notícias sabem-se depressa e aqui no bar dos meus vizinhos lampiões já este fim-de-semana se fizeram vivas demonstrações da ruidosa versatilidade deste instrumento - os meus filhos estão avisados que só por cima do meu cadáver entra cá em casa. De resto ficou comprovado que de pouco adiantará esta minha radical coacção, pois aquilo tocado na rua produz o mesmo efeito como se fosse ali no hall da entrada. Já na semana passada tinha notado durante um zapping aquela azuenga desafinada e insistente, que mais parecia centenas de elefantes a assoarem-se durante o emocionante duelo de titãs que foi o Cabo-Verde-zero-Portugal-zero. Ainda bem que não havia este instrumento quando o Benfica foi campeão, que para dores, bastaram-me as de cotovelo.

Confesso-vos que isto do ruído parece uma conspiração internacional para nos pôr a todos mais doidos do que somos: onde quer que haja silêncio, alguém se encarrega logo de colocar um motor, uma batida, uma música de fundo ou um martelo pneumático. Agora a Galp quer pôr os portugueses todos a soprar numa vuvusela, e eu pego em mim e vou ali e só venho depois do mundial. O que vale é que, ou muito me engano, ou a veleidade de Queiroz vai durar apenas três amargos jogos, que a concorrência na África do Sul é grande e o futebol de alta competição não é para meninos.

Sobre palhaçadas e um triste destino

 

Essa entidade “direita católica conservadora” é um equívoco que jamais terá expressão política e daqui a um mês já ninguém se vai lembrar desta delirante congeminação sobre um candidato dos “bons costumes”. É conversa fiada para alimentar uma certa imprensa e comentadores ávidos por sangue e intrigalhada. Cavaco sabe bem que quando a campanha chegar, a sua triste figura da semana passada terá caído no esquecimento. Agora só tem que andar calado, pois até um estúpido que seja tímido se confunde com pessoa séria e enigmática: tudo junto com uma gravata vistosa é meio caminho para recuperar uma boa pose institucional. E convençam-se que o caso da promulgação caiu muito mal não só para os católicos, que isso de homossexuais de grinalda e alianças faz muita confusão ao Sr. António marceneiro homem de uma só palavra que nunca pôs os pés numa missa nem se o viu falar com um padre.

Quanto a Santana Lopes, ele até terá as suas contas para saldar com o presidente da república, mas confesso que me soa demasiado forçado vê-lo fazer campanha entre a Isilda Pegado e o César das Neves. De resto o caldo há muito que foi entornado e isto de eleições presidenciais é folclore que não inspira a Nação nem enche a barriga a ninguém.

Novo-riquismo, pobre povo


Ainda a respeito deste texto de ontem sobre a notícia do DN em que a jornalista Patrícia Viegas, em detrimento da substância do discurso da rainha Isabel II, contrapunha ao programa de austeridade anunciado o luxo nos rituais da abertura do novo parlamento inglês, pergunto-me onde pairam estas zelosas consciências republicanas quando confrontadas com os exacerbados gastos com os “eventos”, modernaços rituais fashion de propaganda à nossa pindérica república. É que, sem reciclagem possível, afinal são gastos milhões em cenários feéricos, K-lines, lazers e truques pirotécnicos. E que dizer dos astronómicos despendidos no hemiciclo e da Assembleia com toda a sorte de traquitana tecnológica comprada por grosso cuja utilidade caduca em poucos anos?

Finalmente, nunca será demais relembrar que o site da Comissão do Centenário da República foi adjudicado por ajuste directo por cem mil euros (100.000,00): quem conhece os preços do mercado, entende o escândalo a que me refiro. Todo este despesismo não é mais que uma expressão da nossa mesquinhez, do novo-riquismo desta hipócrita e diletante república. De resto a profunda pobreza do nosso país e ignorância do nosso povo permanece um drama sem resolução à vista.


Na imagem: exemplo de uma tão dispendiosa quanto inútil e redundante operação de marketing a propósito da mais completa vacuidade política: o Tratado de Lisboa.

 

Publicado originalmente aqui

São verdes, não prestam

 

Talvez sob o patrocínio da Comissão Nacional para as Celebrações do Centenário da Republica do Dr. Santos Silva, o Diário de Notícias titula hoje que a “Rainha pede cortes no meio do luxo” a propósito do discurso na sessão inaugural do parlamento inglês. Este aleivoso título é ilustrado com uma imagem de pompa e circunstância de Isabel II à chegada a Westminster. Num pequeno texto a negrito em baixo pergunta-se, numa tentativa de ironia, se a casa real britânica que cujo orçamento de 2009 foi de 48,2 milhões de euros este ano também vai apertar o cinto.

Espantoso é todo este preconceito alimentado neste país sempre “na crista da onda”, esbanjador e à beira da falência, que pretende, quem sabe, direcionar a ancestral mesquinhez e ressabiamento luso, para os imperialistas da Velha Albion, a mais antiga, estável e prospera democracia do mundo. A rainha deslocou-se numa carruagem dourada usando uma tiara com três mil diamantes preciosos, salienta a jornalista Patrícia Viegas, sem explicar que todos estes artefactos pejados de simbolismo, pertencem ao Estado, e que nestes ancestrais rituais se identifica todo aquele povo empreendedor e orgulhoso. De resto não é feito nenhum estudo comparativo entre os 48,2 milhões e os custos de outras chefias de Estado europeias, como por exemplo a portuguesa: a presidência da república custa a cada português nada menos que o dobro do que custa a cada Britânico a sua Monarquia. A diferença é ainda mais gritante se a comparação for feita em percentagem do PIB (valores Wikipedia para 2007): 0.0115% do PIB em Portugal, 0.0023% do PIB no Reino Unido. De resto, não falemos de eficácia, sobre isso estamos conversados.

 

Fontes: The British Monarchy e Ministério das Finanças, Direcção Geral do Orçamento

 

Agradecimentos a Luís Bonifácio



Notas numa tarde de convalescença

Os discos pop ao vivo são um equívoco total. Aquilo que é magia num concerto torna-se um castigo ou um enfado no aparelho em casa. Primeiro, porque um bom tema pop jamais deveria exceder três ou quatro minutos: dois versos, dois refrãos e um solo de guitarra chegam para um grande sucesso. Por exemplo, Once Upon a Time in the West, um belíssimo tema dos Dire Straits numa certa versão ao vivo chega quase aos oito minutos convertendo-se assim num verdadeiro massacre. Segundo, porque a gravação em estúdio tem arranjos e pós-produção (fotoshop) impossíveis de reproduzir ao vivo… aí é literalmente com o barulho das luzes que a coisa se compõe. Terceiro: a captação sonora em estúdio é incomensuravelmente melhor. Quarto, quem quiser uma boa colectânea dum artista certamente encontra-a “de estúdio”.

De resto, como em tudo na vida, "nem sempre nem nunca": há gravações ao vivo memoráveis nem que seja porque aquele urro gutural que se ouve da plateia num momento artístico mais intimista é… o seu.

A luta continua

 

Ainda a propósito da promulgação pelo Cavaco do casamento homossexual, ilude-se certa direita enfeudada, pretendendo que essa benesse legislativa centre doravante o discurso político no que é essencial para os portugueses. O que não faltam por aí são causas fracturantes para entreter o burguês e minar os alicerces da nossa civilização: os socialistas e as suas clientelas não se vão calar enquanto os homossexuais não possam (pro) criar criancinhas.

Neste mundo de pernas pró ar estamos entregues a um aparelho ideológico e burocrático que emergiu algures entre as cinzas da Cortina de Ferro e do Maio de 68, entre sonhos adiados da destruição da sociedade burguesa e uma visão psicadélica da realidade. Entregamo-nos assim, sem mais?

A nossa liberdade condicional

 

 

Passou demasiadamente despercebida na blogosfera a notícia publicada ontem no Jornal i sobre a um projecto escolar no distrito de Aveiro a respeito dos cem anos da república portuguesa em que alguém se atreveu a incluir um quadro sobre o período da 2ª República. Lendo a notícia não se percebe tanta indignação, porquanto professora Joaquina da Conceição, responsável pelo projecto defende que conhecendo o Estado Novo "podemos compreender o 25 de Abril e perceber porque é que o 25 de Abril foi necessário".

O Estado Novo continua ser injustamente o parente pobre da nossa centenária república, apesar de não passar dum subproduto do regime terrorista seu antecessor. De resto, não será por acaso que a indignação de alguns escrupulosos pais e professores tenha sido assumida pelo deputado do Bloco de Esquerda Pedro Soares, que se tomou de calores denunciando obrigar alunos menores de idade a serem actores num acto laudatório e acrítico de uma página negra da história de Portugal. A História instrumental sempre teve os seus mais fanáticos partidários e pior do que apagar ou adicionar factos, só mesmo a sua manipulação: os mais atentos sabem bem que o regime jamais promoverá uma rememoração isenta da república que celebra e publicita pelas escolas do País. Como bem sabemos a estratégia da Comissão para as Comemorações do Centenário da República contornou habilidosamente os engulhos que constituem os factos históricos com um discurso exclusivamente focado nas intenções e princípios abstractos da democracia, aliás emergentes e comuns às monarquias constitucionais modernas. De resto, uma abordagem desapaixonada aos factos subsequentes ao golpe de estado do 5 de Outubro, como as perseguições à Igreja, os assaltos e encerramentos de jornais, a restrição aos ancestrais direitos de voto, as prisões políticas, a criação da Formiga Branca, organismo antecessor da PIDE e todo o terrorismo de Estado, seriam assuntos de insubestimável importância para uma compreensão do golpe militar de 1926 e a emergência de Oliveira Salazar e do Estado Novo.

Triste é constatar que afinal os portugueses, através dos seus media e representantes eleitos, mantém a terminante e comprometedora recusa de se olharem cruamente ao espelho da sua história, livres de tabus e preconceitos ideológicos: essa é uma matéria cada vez mais limitada ao meio científico e académico que afinal o regime zela vigilante para que não extravase as bibliotecas e os gabinetes e universidades.

 

Publicado originalmente aqui

É impressão minha…

 

…ou o líder da bancada socialista Francisco Assis a cada dia que passa aparece mais desgrenhado, desarranjado e luzidio de transpiração?

Trabalho sujo

Começam a ser demasiado descarados os jogos de cintura de Passos Coelho e Cavaco Silva para suster um governo que ameaça ruir pela simples deslocação de ar dum espirro inadvertido. Com os protagonistas com um olho no calendário e outro na economia, por estes dias o poder é uma batata quente que ninguém quer agarrar. Afinal a realidade tornou-se incontornável e abala os fundamentos do regime, sustentado há décadas na venda de ilusões.

Feriados em Portugal

Arriscando escandalizar alguns dos meus correligionários, confesso que concordo com o princípio duma redução de feriados em Portugal. Tal como o Henrique Raposo eu trocaria de caras o 10 de Junho, um resquício salazarista que este regime ainda não teve a coragem para apagar, pelo 1º de Dezembro em que se celebra um decisivo acontecimento histórico nacional. E se fosse eu a mandar, também trocaria o 25 de Abril pelo 24 de Julho ou pelo 25 de Novembro… É assim que, no impedimento duma unanimidade, arrisco afirmar que a proposta de Teresa Venda e Maria do Rosário Carneiro faz algum sentido e parece-me bastante equilibrada: mesmo perdendo o 1º de Dezembro, a racionalidade prevaleceria ao prescindirmos do 5 de Outubro, uma aberração para a qual nunca descobri uma fundamentação sólida - refiro-me à teoria que atribui à data a efeméride da assinatura do Tratado de Zamora que aqui defende o João Campos. De resto, já quanto às festividades religiosas, há algumas delas bastante importantes que hoje em dia não beneficiam de feriado, como é o caso da Quarta-feira de Cinzas e celebração do Lava-Pés na Quinta-feira Santa às quais um bom católico não deve faltar.

Finalmente, discordo da opinião do meu camarada Pedro Quartin Graça ao criticar a perspectiva economicista das deputadas socialistas: esquece-se porventura que nunca como hoje a soberania nacional esteve tão ameaçada, não por falta das celebrações como  as do 1º de Dezembro, feriado que poucos lhe conhecem a origem, mas por culpa dum enraizado e mui latino desprezo por um certo pragmatismo que promova mais rentabilidade ao trabalho em Portugal. De qualquer forma, indiscutível é a insustentabilidade dos quase cinquenta dias de folga que gozam os portugueses anualmente. Mas para mudar qualquer coisa seria necessária alguma racionalidade e cedências das partes, o que à boa maneira portuguesa se me afigura impossível. Assim nos afundamos nesta paz podre e morte lenta.

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