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João Távora

Emissora Nacional: 75 anos de rádio difusão

 

Assumindo que a difusão radiofónica foi um acontecimento que alterou de forma assinalável o quotidiano português, seria da mais elementar justeza uma condigna efeméride quando se celebram as suas bodas de diamante. De facto foi há 75 anos, a 1 de Agosto de 1935 que a Emissora Nacional iniciou as suas emissões regulares: sob direcção de Henrique Galvão, Manuel Bívar e Pires Cardoso nomeados pelo então ministro das Obras Públicas e Comunicações, Duarte Pacheco, a profissionalização da telefonia em Portugal iniciava o seu percurso.

Acontece que, para grande contrariedade da intelligentzia estabelecida, a História da rádio pública perpassa a gloriosa revolução dos cravos e a estética desde então implantada, criando indisfarçáveis embaraços aos virtuosos celebrantes. Acredito que esta revisitação produza um certo efeito de "espelho" e assuste-os: hoje como então a “emissora nacional” reflecte o regime que a promove e sustenta.

É condicionada por essa ambiguidade e numa lógica facciosa que a Antena 1 marca o acontecimento com uma rubrica quotidiana em prime time intitulada “27.000 Dias de Rádio” sob a direcção de José Nuno Martins. O programa possui a ingrata tarefa de rememorar acontecimentos, programas e personalidades, nem sempre bem vistas pela "situação". O problema é que a História jamais deveria ser objecto de jornalistas que tendem a confundi-la com um instrumento de propaganda das suas crenças, preconceitos e tabus. Isso não é serviço público, é a perversão da sacrossanta democracia de que eles se afirmam exclusivos guardiões. Suspeito que muitos o fazem conscientes do seu desmesurado poder, confundindo o seu nobre ofício com a pretensão a "educadores do povo", sem para tal possuírem habilitações ou tenham sido sufragados. Nos anúncios ao programa "27.000 Dias de Rádio" que escutei, justificavam-se repetidamente afirmando que “recordação não é saudade”. De resto, afirmar que Salazar estava “passado”, chamar "arenga" a um seu discurso neste programa de 12 de Agosto, é um dos múltiplos exemplos dos levianos julgamentos históricos emitidos, e que ocasionalmente abrangem a própria instituição e seus antigos colegas de profissão. Irónico será quando daqui a cinquenta ou cem anos, outros julguem esta geração e os agentes deste pútrido regime, o seu trabalho, vícios de forma e de conteúdo, as suas superstições e enviesamentos culturais. Uma incontornável armadilha para os que pretendem fazer da História uma arma de arremesso político, interpretá-la numa perspectiva instrumental e maniqueísta.

O Poder Popular

 

E numa prisão em si
Não saindo do que é seu
Foi esquecido
Adormeceu


À procura do amanhã
Andam homens inseguros
Erguem escadas
Partem muros


A nós os montes imundos
Dêem-nos os vales profundos
Sítios onde vê
Impossível ir


Ergam escadas
Partam Muros

 

Prisão em si – Chutos e Pontapés

 

 

A democratização do registo e consumo da música trouxe consigo um dos mais fabulosos fenómenos do século XX: a música pop. Com a telefonia e com os “singles”, despontaram as mais improváveis celebridades, da soberba quantidade surgiram extraordinárias pérolas poéticas e musicais de quatro minutos, marcando as gentes, modas e estações do nosso tempo: disto não se conformam as brigadas do “bom gosto”. Suspeito que quase todas as canções serão esquecidas, mas soube bem enquanto nos tocaram. Gosto muito da designação pop, que afinal não diminui o incontornável estilo: soa ao estalido duma bola de sabão, efémera e sedutoramente bela, preciosa para um, indiferente para outros. A música pop exige-nos desprendimento: o erro é pretendermos que as coisas que nos deslumbram sejam definitivas, universais, a música pop jamais será erudita – um equívoco só compreensível à luz da paixão do coleccionador de borboletas, catalogadas, amontoadas na vertigem da sua memória, das circunstâncias duma dança, dum namoro, ou dum perfume num final de tarde quente à beira-mar. Dos amores de Verão sobrou sempre uma cançoneta, um refrão ou um poema, pois que foram os poetas aqueles que mais se aproveitaram do prodígio. Porque as coisas mais sérias da vida sempre são ditas nos versos de canções pop. Que diria Mozart dum Jardim dos Polvos cantado por quatro escaravelhos de Liverpool, ou Bach duma Montanha de Açúcar, dum trovador canadiano, Verdi dos Gatos de Lloyd Weber, ou Handell do mestre Dylan? E onde encaixam nisto tudo os meus Génesis? Nada disso interessa muito afinal: a música pop é a maior invenção do século XX e definitivamente mudou a história da vida das pessoas. A minha também.

Boa memória e a propaganda em chamas

 

Tenho para mim que, tirando o muito trabalho preventivo que fica por fazer todos os anos nas matas e florestas nacionais onde o proprietário Estado é o primeiro incumpridor, com as altas temperaturas verificadas pouco mais há a fazer para evitar os incêndios, sejam eles de origem natural ou criminosa. Mas, perante a tragédia que grassa de norte a sul do país em chamas, incomodam-me particularmente os auto-elogios e justificações do ministro Rui Pereira que ouvi hoje na televisão, principalmente porque me lembram como a tragédia de 2003 e toda algazarra e aproveitamento político feito então pelos socialistas. Depois dos muitos milhões de euros gastos em “programas” e quatro Verões amenos e até chuvosos em que as estatísticas dos incêndios foram exibidas como propaganda do governo, aí está de novo o implacável calor a trazer à ribalta mediática o degradante espectáculo que é este país a arder.

A alçada do regime

 

Parece-me sinistra a veleidade socialista de suprimir os chumbos, que na senda dum igualitarismo ilusório, descredibiliza de vez o ensino e a diferenciação pelo mérito. É deplorável como esta canalha dos direitos adquiridos que anda há anos a consumir a seu bel-prazer a riqueza das gerações futuras, pretenda agora penhorar a esperança dos que acreditam na instrução e no esforço como forma de mudar alguma coisa num difícil destino.

Esta é a formula que garante ao proeminente Estado a alçada dos tachos para distribuir à seita do costume, que por estatuto ou favor estará na linha da frente para uma boa cunha e um bom poleiro. Os outros, mais ou menos impreparados, terão todos fartas e inúteis habilitações académicas.

Estes dias

 

…são um exercício de crescente desapego da muita tralha que nos distrai e constrange durante a maior parte do ano de responsabilidades, tensões e inadiáveis objectivos. Há uma vertigem neste processo de progressivo desprendimento de rotinas e fetiches que alicerçam a personagem que pretendemos ser. É o resgate da alma, o encontro com Deus, com aquilo que é essencial. Não ter controlo, aceitar a providência, sonhar acordado e sem idade outra vez. Tudo se resolve afinal.

À noite encontramo-nos preguiçosos no meio dos livros começados e dos jornais amarrotados, ao som das cigarras e do chapinhar dos barcos na maré enchente. Os pequenos já dormem enquanto a festa murmura de longe, sôfrega e batida. A fingir que o amanhã não importa.

 

Fotografia: Milfontes, Canal em 1933, da colecção de Filipe Menezes, com os devidos agradecimentos.