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João Távora

Os últimos dias da república socialista portuguesa

Até ao final de Agosto, o país endividou-se ao ritmo de 2,5 milhões de euros por hora.
Os juros estão em máximos de sempre.



Como disse Nuno Morais Sarmento há dias, a matriz ideológica do Partido Socialista, mesmo escondida na gaveta por Mário Soares nos anos oitenta, é marxista e consta no seu programa. Este aspecto não é despiciendo se tivermos em conta a resistência protagonizada pelo PS ao longo das décadas em todas as iniciativas democratizadoras do mercado, como a privatização da banca ou a abertura da televisão à iniciativa privada. No fundo, a subtil mudança do punho vermelho para o símbolo rosa no partido de Guterres e Sócrates transparece apenas um reposicionamento, por vias duma desideologização funcional, exigência da Europa. O marxismo caiu com a cortina de ferro, e consta que Havana também dele se vai descartar com o desmantelamento da sua máquina Estatal.
O facto é que Portugal chega a 2010 com um Estado demasiado socialista, obeso, politicamente instrumental e… falido. De pouco vale esgrimirem-se as virtudes do Estado Social, quando, da forma como o conhecemos, deixou de ser uma escolha ideológica, aliás unanimemente sancionada por todos os partidos que dele obtiveram louros e tiram dividendos.
Vivemos o fim de ciclo, tempos de ajustes urgentes num modelo económico que se revelou inviável, simplesmente porque não gera dinheiro para se pagar. Por isso urge a coragem dum discurso de ruptura e de diferenciação política: o socialismo constitucional que nos trouxe a este porto e do qual se tem alimentado o sistema partidário tem os dias contados. Uma racionalização do Estado e das suas funções vai doer nos fundamentos do regime, mas não se vislumbra outra saída. Com ou sem revisão constitucional, não podemos mais caminhar para o socialismo.

Conversa fiada

 

Luís Nazaré fazendo a comunicação solene à Nação

 

O chinfrim feito ontem pelo Sport Lisboa e Benfica originado por uma coincidência de erros de arbitragem, em que o clube ameaçou com incumprimento de contratos televisivos, o abandono da taça da Liga, com a excomunhão dum secretário de Estado e uma greve dos zelo dos seus adeptos, para além de todo o ridículo, não é mais do que a prova do enorme subdesenvolvimento cultural que grassa no nosso país. O futebol é apenas um jogo de entretenimento que, apesar de mover milhões e muitas paixões, não faz nenhum sentido fora dos relvados ou das mesas de café. Mas o que é mais grave, é constatar que o despautério foi proclamado e discutido como se de coisa séria se tratasse por personagens e figuras públicas supostamente responsáveis... como se disto dependesse o futuro o futuro da Pátria! Uma enorme e ridícula palhaçada. Tenham vergonha!

 

Imagem daqui

Ano novo vida nova*

 

O tempo quente a clamar pela praia não nega o arranque de um novo ano lectivo: os acessos a Lisboa superlotados e o ar pesado da cidade subitamente apressada prenunciam a verdadeira rentrée. Afinal é agora que o ano realmente se inicia, com pastas bem cheirosas, cadernos lisos e rebrilhantes com renovadas promessas de empenho e fidelidade, com a esperança desenhada na letra de forma. Encarregar-se-ão as primeiras chuvas de Outono de borrar as folhas e ilusões, pois a ressurreição conquista-se nas entranhas. Tudo encaminhado: a todos um Feliz Ano Novo.

 

* tenho a sensação de que me estou a repetir

A república no pântano

 

A regra é não agitar muito para não se precipitar o afundamento. Mas a partir de hoje o presidente respira de alívio, impedido de dissolver a assembleia e poderá descartar-se de qualquer responsabilidade para com a actuação do governo e do ambiente de protesto que se irá assistir por via dos efeitos das medidas anti-crise que em breve começarão a fazer-se sentir. A reeleição de Cavaco será de bandeja, que perante a catástrofe, falando o mínimo possível, reservar-se-á atrás da sua impotência constitucional. A Passos Coelho resta-lhe engolir mais um sapo, a ambiguidade de recalcitrar um Orçamento que afinal está condenado a aprovar. O facto custar-lhe-á alguma popularidade, nada irrecuperável, se considerar-se que irá ter cerca de um ano para embalar para umas eleições antecipadas, com o país em rápido naufrágio moral e financeiro. Se não souber aproveitar será porque foi aselha, ou então porque a crise terá enveredado a Nação para algum cenário muito diferente daquilo a que nos habituámos. Quem sabe uma grande oportunidade de verdadeira mudança.

Glasnost

 

Parece-me irrefutável que o resultado de ontem da Selecção portuguesa de futebol tem mais a ver com a sua decadência atlética e valor técnico, derivada do progressivo abandono da "geração Scolari" do que com o deplorável enredo maquinado para o afastamento de Carlos Queiroz, digno do país mesquinho que somos. No entanto, da reunião de amanhã da Federação Portuguesa de Futebol, eu esperaria muito mais do que a urgente definição do seleccionador e respectiva equipa técnica, a demissão do presidente e direcção em funções há demasiado tempo. A velha máxima de Eça de Queiroz de que os políticos e as fraldas devem ser mudados com frequência e pelos mesmos motivos, há muito que devia ter sido implementada para a rotatividade dos presidentes de instituições como a FPF, cuja opacidade estrutural é proporcional ao peso dos interesses e lobbies que representa.

Lloyd Cole...


 

...estará em Sintra no centro Olga Cadaval no próximo dia 17 de Outubro, para um dos seus cinco concertos da sua digressão portuguesa em que apresentará o seu novo álbum "Broken Record" a lançar este mês. A minha Senhora e eu já temos dois lugares marcados bem perto do palco!

Uma parábola na estação tola

 

Tramado é que esta ingrata civilização do bem-estar e do consumo desempregou os nossos corpinhos feitos para malhar na terra, para caçar, subir às árvores ou para alvorar a fugir dalgum animal selvagem mas deixou-nos um dilacerante apetite de quem precisa de armazenar calorias para uma semana de carência. Nesta cultura de sofreguidão hedonista somos desafiados a corresponder ao primeiro assomo de apetite (não me refiro apenas à comida) e tratar o nosso corpo como tratamos o resto da natureza, num total desprezo pela sua ecologia: são os efeitos colaterais da democratização da alarvidade. 
Aqui chegados, todos conhecemos almas inquietas com a sua decadência física, que a partir dos quarenta-e-tal anos se entretêm em dietas, ginásticas passivas e outros exercícios sem esforço que o dinheiro possa comprar. As mulheres são vítimas privilegiadas desta ilusão: começam cedo no escritório com garrafinhas de água e golinhos de cinco em cinco minutos para iludir o apetite e exercitar a bexiga, um disparate que resulta num corrupio constante, um ver-se-te-avias entre o seu posto de trabalho e a retrete. Perante a ausência de resultados, começa a fase dos chás verdes, bruxarias e outras mezinhas de ervanária: inicia-se assim um desaguisado colateral com os intestinos até estes se tornarem tão preguiçosos como a dona. Passam-se anos nestes rituais, com uma vida cada vez mais próspera e sedentária, num desafio crescente com o espelho e a ingrata balança, até chegar a fase desesperada. Esta surge na sequência duma visita a um dietista famoso ou dica duma amiga, e é constituída por um metódico programa de ingestão de comprimidos coloridos: cada vez mais nevrótica, entra numa espiral de euforia, perde o apetite, a calma, e uns gramas até cair numa depressão depois duma violenta disputa com o cônjuge inocente.

Tudo se irá resolver com uma semana a chocolates e um programa de fim-de-semana de reconciliação com o marido num hotel com SPA e restaurante gourmet. Assim se recuperam todos os gramas e mais uns quilinhos optando então a dondoca por mudar de vida, queimar incenso e passar a vestir balandraus. A moral da história é que as aldrabices não funcionam: não há fuga possível, nem caminho fácil para o sucesso.

É irónico como nesta sociedade que venera o corpo e as aparências não haja parábola mais eficaz sobre as virtudes do mérito e do prazer diferido do que a da forma física. Tal como na escola só se aprende com estudo e empenho, tal como a riqueza só é criada com esforço e trabalho, a partir duma certa idade, a forma física depende fatalmente da austeridade alimentar e de muito, muito, exercício físico. Quem se preocupa com o implacável efeito da gravidade nos seus músculos e outros apêndices, está condenado a trabalhar e suar o corpinho, semana após semana, mês após mês, ano após ano, com muita perseverança e desapego, que o resto vem com as endorfinas e mais algum desapego; afinal, o mais importante na vida nem sequer é isso!

 

Nota: qualquer semelhança com factos ou pessoas reais é mera coincidência.

 

Publicado originalmente aqui.