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João Távora

O diabo está nos detalhes

 

O facto do vencedor antecipado para um segundo mandato presidencial pela primeira vez em democracia não ser de esquerda tem gerado um fenómeno tão curioso quanto saudável: nunca tantas vozes “regimentais” como as de António Barreto, Sousa Tavares ou Ana Sá Lopes, entre muitos outros, puseram tão claramente em causa os poderes do Chefe de Estado ou a utilidade do regime da sua eleição directa. Discutamos então coisas sérias, mesmo que seja pelas piores razões.

Terra queimada

 

O deplorável espectáculo a que a disputa política pode chegar, alimentada pela democrática indústria dos media está plasmado no debate de ontem entre dois pretendentes ao mais alto magistério da Nação, Cavaco Silva e Defensor de Moura.

O “facto político”, o sound byte, ou a pura calúnia são hoje um rentável manancial de lucro, produtos de consumo massivo, e como é bom de ver, quanto mais rasteiro e desvairado for, mais vende, mais satisfaz a alarvidade da maralha, ávida duma catarse que a resgate por uns momentos da sua sombria existência. Não há reputação que resista a este circo de monstruosidades ao qual alegremente os actores e intermediários da política aderem ao sabor de conveniências do momento, comprometendo a sustentabilidade de qualquer desígnio de longo prazo.

E desenganem-se os que julgam que obtêm dividendos com esta progressiva degradação: o fenómeno não se fica por uma questão de regime, nenhum sistema ou comunidade organizada resiste a esta perversidade. Assim se joga a liberdade dos nossos filhos por nós desbaratada no confronto com o obscurantismo e a decadência que é o destino duma sociedade em completa descrença e dissolução.

Só faltam dois dias!

 

Depois de quase três meses de publicidade no canal Panda, três festas de Natal, a sua, a da irmã e outra na paróquia, o meu endiabrado rapazinho de três anos perdeu definitivamente a Fé: ontem á mesa do jantar, perante a minha reincidente ameaça de que não teria presentes no sapatinho se ele não parasse de fazer disparates, mostrando-se incrédulo, despeitado afirmou que "nunca mais é Natal". Ainda tentei explicar-lhe que faltavam três dias, mas ele não sabe o que isso é, só conhece um de cada vez, os de ir à escola e os de ficar em casa.

 

Uma meia meia feita e outra meia por fazer...

 

Os publicitários, como as crianças, são uns exagerados: só assim se compreende a maneira fanfarrona como nesta Santa Quadra menosprezam o tradicional par de meias no sapatinho de Natal. O grau de decepção ao desembrulhar umas meias de lã oferecidas por uma extremosa tia é proporcional à leviandade do presenteado: no pico do nosso Inverno, que ao contrário do que diz a propaganda é bastante agreste, estes nobres artefactos aquecem-nos o corpinho, que o milagre do Natal aconchega a alma.

De resto lembro-me bem do aborrecimento quando na minha infância ia para a escola fria e húmida com meias velhas e deslaçadas a deslizar para o calcanhar. Estas são ingratas arrelias difíceis adivinhar por um adulto incauto num infante estoicamente concentrado em sê-lo. Recordo-me na casa dos meus pais em que éramos cinco irrequietos irmãos, que havia um grande cesto das meias no quarto dos armários, e do duro desafio constituía aí encontrar um par em condições: atrasado para sair para a escola, de olhos turvados pelo sono, mergulhava em desespero no cesto em busca de umas que emparelhassem. Pesados os factos, tudo indica que algures naquele andar de Campo d’ Ourique, havia uma misteriosa dimensão para onde desapareciam meias desirmanadas.

Talvez por isso hoje dou valor a um bom par de meias, que convenhamos, é coisa difícil de encontrar: para o calor há-as de algodão fino que depois de calçar três vezes tendem a enrijecer irremediavelmente. Para o frio, muitas delas até caras e felpudas, perdem rapidamente o fio no calcanhar e no dedo grande. Suspeito que seria grande motivo de risota se um dia fossem inspeccionados os pés de muito boa gente, como por exemplo os nossos deputados na assembleia: não sabemos verdadeiramente a realidade que um rebrilhante par de sapatos Sebago pode ocultar.

O milho, as galinhas e as presidenciais

Em defesa da democracia vem o meu amigo João Gomes de Almeida, a propósito desta diligente análise do Pedro Correia elogiar e defender mais atenção sobre o debate das eleições presidenciais, que ele desejaria mais aceso. Lamento discordar: do que necessita imperiosamente a democracia por estes dias é de acção, pois que debate público temo-lo profusamente mais ou menos interessante nas rádios e televisões, nos jornais e na Internet. Quase todos os dias assistimos políticos, politólogos e jornalistas a debater propostas e ideias para Portugal nos media. Não há notícia de relevância à qual não sejam chamados à colação especialistas do pró e do contra. É uma barrigada constante de debate, muitas das vezes protagonizada por políticos agrilhoados nas agendas dos seus paridos, coisa que resulta numa restrição argumentativa e de ideias simplesmente confrangedora. É nesse modelo discursivo que se inserem os candidatos à presidência, ostensivamente demagógicos, debitando provocações estéreis, promessas ilegítimas sobre matéria que constitucionalmente são impotentes, e o auto-elogio, meu Deus, que atinge uma patética desfaçatez. O que é que influirá para a realidade nacional que o próximo presidente da república deteste o regime e os partidos existentes ou tenha visto crianças a correr atrás de galinhas para lhes roubar o milho na sua terra natal? As prerrogativas do cargo relevam-no para a total irrelevância.

Nós portugueses hoje temos aquilo que merecemos: somos um povo descrente, uma Nação em acelerada dissolução sem ideal ou utopia, e o espectáculo proporcionado pelos candidatos a Belém é profundamente estéril e depressivo. Prodígio que será confirmado nas urnas em Janeiro.

Portugal: uma eterna diáspora

 

Estava há pouco ao almoço a ouvir numa mesa atrás alguém que imaginei ser um jovem recém-formado, a enumerar uma infindável lista de colegas e amigos que estavam a trabalhar no estrangeiro, ou que já tinham destino definido para emigração. Conheço algumas pessoas pouco mais novas do que eu que durante os últimos anos se decidiram pelo mesmo. Esta é mais uma inalienável consequência da nossa provecta cultura socialista: assim o país definha sem economia, esperança ou geração, pendurado nuns poucos destemidos empresários, programas de apoio e outros subsídios. De resto, neste jogo de cadeiras que é o mercado de emprego nacional, as poucas que se aguentam intactas estão firmemente ocupadas, até que o caruncho os derrube aos dois. Hoje como há 600 anos o fado português é a diáspora.

Uma nova ambição: trabalho, trabalho, trabalho!

 

Como reacção a 48 anos da ditadura, cuja propaganda (como resposta a dezasseis anos de caos e violência) se fundou nos valores da família, a religião e trabalho, tivemos trinta e cinco anos de democracia em que a estética imperante os proscreveu liminarmente. Exemplo disso é o que sucedeu à agricultura nacional, que de tão glorificada em tempos, foi votada ao abandono a seguir ao 25 de Abril, amaldiçoada pelos poderes como actividade quase indigna. Como resultado estabeleceu-se, uma cultura de indolência, especulação e irresponsabilidade: o “trabalho” é palavra de ordem banida, o desvelo é indício fraqueza, e a máxima aspiração indígena é ascender à fidalguia cortesã do regime, ancestral vício congénito, que os partidos se constituíram pródigos promotores.

A realidade actual seria irónica se não fosse a nossa desgraça: muito e árduo trabalho é a herança que temos e o testamento que deixamos, a nossa única redenção possível. Como acontecerá esta inevitável revolução em democracia, é a minha maior perplexidade.

Operários, trabalhadores e camponeses de todo o mundo, uni-vos!

Imagem daqui

 

O que faz a fidelidade a uma convicção política: o Público de hoje na sua rubrica de última página "Sobe e Desce" classifica a subir Julian Assange com o argumento de que “a revolta que corre nas redes sociais contra a detenção do fundador da WikiLeaks saltou ontem as fronteiras da Internet em dezenas de manifestações na Europa (…)” um wishfull thinking que somos convidados a confirmar na página 20 do mesmo jornal: 50 manifestantes juntaram-se em Hide Park enquanto ao final da tarde de ontem em Lisboa no Chiado se juntaram ao movimento “dezenas de pessoas”, menos do que aquelas que se terão manifestado em Madrid e em Barcelona. Estou convencido que um qualquer movimento de apoio aos piratas Somalis faria melhor…

 

Sobre o assunto, é obrigatório ler isto

A intolerância dos tolerantes

 

Eu, proscrito pelos "tolerantes", não conheço maior intolerância do que aquela que é praticada pelos arautos "tolerância oficial", os senhorios dos critérios de julgamento dessa valorosa qualidade, em suma, dos encartados que aferem a boa e má "opinião", do bom ou mau "estilo". Não entendem estes que a qualidade de que se pretendem apropriar só tem real significado na prática da relação, que em linguagem cristã se chama caridade. O resto são balelas.

Ao Tiago Moreira Ramalho, rapaz intelectualmente prendado que eu pessoalmente estimo e admiro, peço que refreie os seus ímpetos persecutórios, e muito lamento que veja o Corta-fitas “reduzido” ao que quer que seja, tanto mais que a sua saída nada teve a ver com aqueles que por estes dias nele se expressam. Tal “apoucamento” não fica nada bem a uma mente tão serena e tolerante. Eu quero acreditar que cabemos todos neste inóspito mundo, tanto os "tolerantes" quanto os "intolerantes", pois a questão está jusante...

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