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João Távora

Barulho do bom

 

 

Le Noise é a maturidade de Neil Young: oito desconcertantes temas directamente das suas entranhas, acompanhados só com guitarra, em que produção de Daniel Lanois faz sobressair magistralmente cada poro, cada textura, luz ou sombra de cada corda, timbre ou reverberação, eléctrica ou acústica. Le Noise é um abismo negro de humanidade, feita poesia, feita música, feita sumptuosidade. À venda em vinil e cd, com uma capa que em nada desmerece o miolo, este é um dos melhores trabalhos de sempre deste trovador canadiano, património do nosso século. Para ouvir na intimidade de sentidos despertos e o som bem alto.

Medo de sentir o medo

 

Fernando Castro, presidente da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas, pai de 13 filhos e avô de 18 netos, hoje respondendo ao inquérito semanal de Pedro Correia no suplemento Gente do Diário de Notícias, afirma que “Não tem medo de nada”, sustentando-se numa máxima chinesa que diz ser “o medo é uma coisa dispensável, sobretudo depois de se ter descoberto que não serve para nada”.

Sem querer menosprezar a galhardia do entrevistado e muito menos a milenar sabedoria chinesa, permito-me discordar: o medo faz muita falta. O Homem fica sempre mais frágil quando rejeita os seus sentimentos. Exemplifico: é salutar tenhamos medo de atravessar o Marquês de Pombal pelo meio da Rotunda, ou a 2ª circular fora duma passadeira para peões. É salutar um pai ter medo de deixar o seu filho sozinho perto duma piscina. É normal termos medo de caminhar por um caminho às escuras. O medo das alturas pode salvar uma criança de cair da janela. E por aí a fora, muitos outros exemplos poderia eu dar.

De facto o medo é o principal inimigo da realização humana, e o maior adversário da liberdade individual; se por um lado potencia a inércia e a omissão, também acciona a violência mais irracional. Mas aquilo a que chamamos “valentia” significa uma de duas coisas: ou inconsciência, ou… o domínio sobre o medo. Para domina-lo é necessária inteligência para o racionalizar, ponderar e reconhecer os nossos limites.  A isso se chama sabedoria.

 

As forças da reacção

 

Ao ouvir Pedro Marques Lopes ontem à noite na SIC Notícias em comovente comunhão com Adão e Silva a verberar com inusitada arrogância contra Paulo Portas, apercebemo-nos como o deslumbramento pelo poder pode cegar, fazer confundir o acessório com o que é essencial. O essencial é resgatar Portugal. Assim foi, a loira de Passos Coelho deu uma série de recados, enumerando uma série de lugares comuns, velhas teorias e tacticismos, da conquista do centro esquerda, e do perigo da direita, um argumentário que mais não pretende do que assegurar às hostes laranjas de que tudo permanecerá igual ao que sempre foi, acalmar as ávidas clientelas que há décadas encalharam o país num cinzento e profundo centrão.

Se os resultados das presidenciais nos indicam algo para além do óbvio, é que os portugueses anseiam por novas propostas, desacreditam profundamente no discurso tradicional dos partidos, vistos como meros sindicatos de interesses e divorciados dos cidadãos. É justamente esse sentimento que favorece, quanto a mim, a formação dum espaço de união não socialista, um movimento descomplexado e afirmativo de ruptura, que reúna uma inquestionável selecção das mais importantes figuras à direita do PS, num projecto de aliança eleitoral virado para a regeneração e rejuvenescimento da política e para a mobilização do país. Algo parecido com o desafio feito por Paulo Portas, que, há que reconhecer, desta vez está repleto de razão e oportunidade.

Quem não se sente...

Concordo com Freitas do Amaral quando ontem dizia à Ana Lourenço na SIC Notícias compreender o discurso magoado de Cavaco Silva, ao contrário de Mário Soares que o condena. E como é agradável reencontrar estes dois velhos senadores da política lusa em contradição!

De facto o modelo de campanha ad hominem utilizado contra Cavaco, tirando períodos revolucionários da nossa história, não tem tradição na disputa política doméstica, desprestigia a politica, e de pouco me interessa que seja pratica corrente noutras paragens: a "merdização" do debate é autofágico e conspurca tudo à sua volta. De resto a magnanimidade reclamada a Cavaco no discurso de vitória pelos comentadores é hipocrisia pura: todos sabemos que Cavaco Silva ou outro qualquer não é de facto presidente de todos os portugueses. Se não querem saber da minha opinião, perguntem aos abrantes, às câncios e quejandos.

Os limites duma quimera extremista

 

 

 

Se nestas eleições presidenciais há um claro derrotado, esse é o socialista Manuel Alegre, que reaparece cinco anos depois da sua romântica incursão, numa obtusa aliança de estrema-esquerda, obtendo menos trezentos mil votos. Se estas eleições presidenciais contêm uma boa notícia é a dos limites dessa linguagem, desatradamente acalentada por um PS na iminência de ser oposição: não colhe. Uma coisa é praticar esse extremismo experimental em meios recatados como blogues de arrastão, jugulares ou corporativos; outra é exibi-lo como bandeira eleitoral. Assim, parece-me que esta alegre hecatombe é fruto duma fuga do eleitorado moderado para o centro, enxotado para Cavaco, Fernando Nobre e para a abstenção. Os 830.000 votos resultantes desta coligação não são mais do que o tecto máximo da nossa esquerda radical. Daí que se compreenda que Louçã exulte de satisfação, e que isso até seja uma boa notícia.

Much Ado About Nothing

A utilidade dum presidente da república é comprovadamente uma questão de fé, sentimento popular que será aferido no Domingo. Na segunda, com mais ou menos votos, Aníbal e Maria retornarão ao recato do seu palácio e o País à sua irremediável ingovernabilidade. Terminado o circo, resta aos artistas desmontarem a tenda, fazendo contas aos estragos. Os seus assessores e jornalistas retemperarão as forças com uma merecida folga complementar. A democracia, essa vai sendo cada vez mais uma palavra vazia, brinquedo duma casta sem escrúpulos que vem desbaratando o meu País por uma toleima e um prato de lentilhas. Que lhes pese na consciência é o meu ingénuo desejo.

A minha utopia

 

 

Se é verdade que o analfabetismo, a iliteracia ou a ignorância não se reduzem por decreto, constituindo antes combate para muitas gerações; se é verdade que o desígnio da liberdade individual depende dum tanto quanto possível equilíbrio entre a auto-estima e conhecimento do indivíduo, não deveriam as elites do país de Abril pautar o seu discurso com muito mais modéstia? Verificando os disparates verberados na disputa política e a nossa proverbial incapacidade de mudar alguma coisa que se veja, leva-me a suspeitar que, como Povo, a distância cultural que nos separa duma “idade das trevas” não é substancial, o que nos deveria inquietar.

Acredito piamente que a redenção de Portugal está dramaticamente dependente duma democratização do saber, aprofundada por várias gerações. A nossa evolução civilizacional carece da generalização dum julgamento e arbítrio mais sóbrio e mais fundamentado, liberto tanto quanto possível de feridas recalcadas e preconceitos sociais. Quantas mais pessoas pudessem reconhecer a sua História e ascendência com orgulho, sem preconceitos ou complexos, mais livres seriamos para acreditar num futuro que todos somos chamados a construir com responsabilidade.

Libertar um Povo das amarras da ignorância e ensiná-lo pensar é tarefa para muitas gerações, que em Portugal começou tarde demais. Mas tal significa aliviar o país do predomínio da grosseria e do ressabiamento, o único caminho que vale a pena trilhar.

Sporting Clube de Portugal - quem lhe pega?

 

Posso ter-me enganado no meu voto em Bettencourt,

mas não me engano quando digo que nenhum dos seus detractores possui

aquilo que o Sporting realmente necessita: liderança e dinheiro, muito dinheiro.

 

Fui dos que votaram em José Eduardo Bettecourt, ao tempo aquele candidato que me pareceu a pessoa mais séria e capacitada para liderar o meu clube do coração. Enganei-me: hoje, mais por graves erros de imagem do que de gestão, decididamente não lhe sobrava mais espaço para resgatar o Sporting da grave crise estrutural em que se vem atolando desde o tempo de João Rocha. Acredito que foi ciente dessa realidade que se demitiu ontem ao final duma desgraçada exibição da equipa de futebol profissional.

Desconfio que a maioria dos sportinguistas ainda não se compenetrou da realidade que perpassa o nosso clube, de pouco valendo chorar o leite derramado ou os erros daqueles que, cada um a seu tempo, não conseguiram inverter a tendência de decadência desta instituição centenária. Se o futuro do Sporting depende, na avidez dos adeptos, de resultados desportivos imediatos, eu não lhe prevejo futuro nenhum, ao contrário confesso-me bastante apreensivo: daqueles que vêm fazendo oposição, de forma mais ou menos adequada, não vislumbro que algum possa oferecer ao clube aquilo de que ele precisa com urgência: liderança, e de dinheiro, muito dinheiro – nisso não me engano certamente.

Há outras maneiras de enfrentar a crise do que cortar as despesas

 

Ontem no programa A Torto e a Direito o professor Fernando Rosas, versando o tema do leilão da divida portuguesa para 2011, deixou escapar que os milhões a remunerar verdadeiramente não são divida “da economia”, mas sim aos "agiotas especuladores", declaração que se bem percebi não é mais do que um tímido ensaio para desculpa de mau pagador. Razão têm “os mercados” para temer emprestar dinheiro à república portuguesa.

O circo na cidade

Infelizmente não são muitos os debates televisivos que reflictam alguma seriedade nos argumentos e originalidade nas ideias. Isso tem a ver com o grau de independência dos protagonistas à agendas dos partidos. Ontem, num programa que costumo seguir com interesse, o A Torto e a Direito tinha como convidado especial o professor Fernando Rosas que na abordagem às eleições presidenciais conseguiu entornar a conversa subtraindo-lhe qualquer sombra de inteligência ou honestidade intelectual. Indisfarçável é o incómodo e a falta de convicção que nos transmitem as pessoas sérias a discutir um tema com tão pouco assunto. Como apelava o João Pereira Coutinho, "volvamos à realidade". Talvez daqui a uma semana.

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