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João Távora

O meu amor...

Eu sou sua menina, viu?
E ele é meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

"O meu Amor"

Maria Bethânia 

 

 

Por estes descontraídos dias de Agosto, na intimidade com os meus discos tive privilégio de recordar alguns antigos temas de Maria Bethânia. Quase estranhei aquela poesia reencontrada (da própria cantora, do seu irmão Caetano, de Chico Buarque ou outros), que nos anos setenta se cantava de forma tão encantadoramente explicita: o amor, erótico ou romântico; o encontro, o desencontro, a dor da separação. Talvez porque a liberdade era então para todos nós uma descoberta preciosa, porque a vulgarização ainda não tomara conta destas palavras hoje banidas da canção popular, ou simplesmente envergonhadas sob fórmulas abstratas e puritanas. Ou porque o encantamento tornou-se ingenuidade?

 

O assalto final

A propósito deste editorial de António Ribeiro Ferreira no jornal i sobre macabras engenharias em debate para nos sacarem quaisquer migalhas de ”riqueza” que por aí persistam para alimentar o insaciável “monstro” falido: tal só será possível com um Estado verdadeiramente policial, que entre nas nossas casas a vasculhar os colchões. Tenho as minhas dúvidas que esse investimento seja rentável, pois entre o exilio e a economia paralela não faltarão soluções de sobrevivência aos portugueses.

Oportunidade colossal

Por estes dias em que Alberto João Jardim é presa fácil de tantos ódios de estimação há que reconhecer-lhe um mérito: o de reabilitar para comunicação social o maldito lapsus linguae “Desvio Colossal”. É que além de entalar Passos Coelho, vinda da Madeira, a "transgressão" ganha logo outra panache.

Comunicação é Poder?

 

É pena que alguns políticos tão empenhados na utilização das redes sociais, passada a refrega eleitoral, desinvistam no diálogo com os eleitores. O meu amigo Leonardo Melo Gonçalves há tempos abordou aqui o assunto dando o exemplo da Secretária de Estado Hillary Clinton, que ainda hoje se apresenta no perfil do Linkedin como candidata presidencial. É irónico o mau aspeto que pode gerar uma plataforma de gestão da boa imagem. 
Pela parte que me toca não me choca que uma figura pública opte por um estilo de comunicação tradicional, sem “redes” nem modernices. O que já me soa estranho é quando a estratégia se altera subitamente sem uma explicação aparente que não seja “já consegui aquilo que queria, não tenho mais tempo para conversas ou amigos virtuais”. 
Por isso é que me surpreendi que Paulo Portas, um exímio comunicador tão bem rodeado de bons profissionais, tenha deixado ao abandono a sua página no facebook. Certo é que na matéria Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas também não se vêm destinguindo pela exuberância. Entende-se a dificuldade na gestão de protagonismos que possam vulnerar a coligação governativa. Entende-se perfeitamente que é mais fácil comunicar o protesto, fazer oposição. Mas nada disso justifica: o grande desafio da boa Comunicação e das boas Relações Públicas põe-se verdadeiramente na instável “cadeira do poder”. É que a história dos governantes está cheia de maus finais por causa de boas ações mal compreendidas.

A rejeição da cruz

 

A um pequeno texto meu publicado aqui há dias, alguém comentava no Facebook, qualquer coisa como “trabalho sim, padecimento não”. Este pensamento traduz o terrível preconceito que há muitos anos nos vem condenando ao fracasso. Porque o sofrimento é definitivamente o sentimento que precede a redenção do Homem. Porque é essa a afeição que o mais das vezes precede o Conhecimento, a Criação e Realização humana. E é-o ironicamente desde o brutal momento em que nascemos. 
Mas desçamos aos exemplos comezinhos: como pode a criança memorizar a tabuada ou aprender gramática, o adolescente exercitar a matemática, como pode o jovem aspirar a médico sem muita renúncia e contrariedade? Não é certamente prazer o que sente ciclista em pleno esforço a subir à Senhora da Graça, nem é sem muita austeridade que se obtém a boa forma física e clarividência mental. Da “violência” do despertar bem cedo, ao cioso cumprimento das nossas tarefas, o sucesso de qualquer projeto profissional depende em grande parte da renúncia aos nossos apetites. Ou de como o confronto sem paliativos com a depressão e a dor são antecâmera da redenção e do crescimento da Pessoa, e a evasão inevitavelmente a sua desgraça.
A obstinada recusa da Cruz (na acepção cristã do termo), pela contemporaneidade ocidental não é mais do que um trágico sinal da nossa decadência. Abstendo-nos do seu profundo significado religioso detenhamo-nos ao menos no seu simbolismo mais prosaico e terreno: sobre o que a sua recusa significa na adolescentocracia em que a nossa civilização encalhou e se afunda.

E se fossem à fava?!

Quando um Estado apoia a organização dum campeonato de futebol ou outro circo para entreter o povinho, os jornalistas fazem cálculos aos proveitos em turismo, restauração, propaganda e outros ocultos nas brumas do futuro. Quando mais de um milhão de católicos de todo o mundo se deslocam por uma semana a Madrid, o cuidado da imprensa é com as despesas do erário público. 

Condição humana

Há quase quatro anos que o liberalismo foi julgado, culpado e anunciado em extinção, apesar da crise ter sido causada em boa parte pelo socialismo europeu e seus congéneres americanos que, com a ajuda dos bancos, despejaram dinheiro sobre o povo como se não houvesse amanhã. Hoje, os mesmos arautos anunciam, alto e bom som o fim do capitalismo, um Wishful thinking da canga revolucionária pseudointelectual dominante.
Eles não aprendem. O fim do capitalismo é um pouco como o fim do mundo: estão condenados a acabar ao mesmo tempo. Porque o capitalismo é intrinsecamente humano, inseparável da liberdade, condição essencial da sobrevivência da espécie. Acontece que o homem, e por inerência o capitalismo são senhores duma extraordinária resiliência: adaptam-se para sobreviver. O mundo não acaba amanhã: por muito que nos custe, temos é muito que padecer e batalhar. É a nossa condição.

A herança da adolescentocracia

 

Ao fim de um ano de balbúrdia de máquinas, camiões e buldózeres, encontram-se finalmente em fase de acabamentos os trabalhos de remodelação da estação de comboios de S. João do Estoril, obra megalómana que hoje oculta sob grades, estruturas de aço, pladur e muretes forrados a azulejos sintéticos, o modesto mas elegante edifício que tão bem servia a gare desde o início do século 20. Também aqui nas minhas redondezas prosseguem dezenas de pequenas obras de escavação e acomodação de uns sofisticados e graciosos ecopontos. Já vi algum deste magnifico equipamento operacional: é definitivamente um luxo para o lixo.
Entrecruzado o país das mais modernas autoestradas, temos bombas de gasolina verdadeiramente ostentosas, shoppings, estádios, bancos e farmácias sempre remodelados, com o equipamento e tecnologias da última moda. Desgraçadamente, tal como as vilas e aldeias bárbaras de colmo e argila crua que se implantaram sobre as ruinas do Império Romano, a maior parte destes equipamentos não perdurarão mais de uma geração nem deles se fará História.
Portugal lembra-me o “menino queque” que na escola se pavoneava artilhado com os assessórios mais requintados e marcas mais dispendiosas, dos quais nunca tirará partido… porque não passa dum um reles madraço.

Para catástrofe já basta a realidade

 

O frenesi dos jornais à volta das declarações de rendimentos dos ministros e gastos na organização dos seus gabinetes, sem enquadramento ou critério editorial que não seja o sensacionalismo que sempre resulta da coscuvilhice parece-me lamentável. A evidente coresponsabilização do 5º poder na situação a que chegámos e consequentemente quanto aos desafios que nos esperam, exigiriam também ao jornalismo, no meu entender, uma séria reflexão e reformulação dos seus processos e valores. Por exemplo, num artigo de hoje do Jornal i, “Gabinetes do governo já custam mais de um milhão de euros por mês”, não encontramos uma linha, um quadro que compare, coloque sob perspetiva, os recursos despendidos pelos últimos executivos na sua organização. Isso sim seria uma investigação de interesse público que ajudaria a entender da “bondade” da atual gestão dos ministérios, e quem sabe no final talvez… se revelasse uma verdadeira “notícia”! De resto face à impopularidade das fatais medidas para a redução do deficit e controlo da dívida pública (a começar pelos tão reclamados cortes nas gorduras do Estado que inevitavelmente importunarão o “Monstro” com consequências fáceis de adivinhar), a exorbitação das mais básicas pulsões de inveja e ressabiamento no pagode afigura-se-me uma estratégia totalmente redundante. Para catástrofe já basta o que basta.

Burro velho não Estrumpfa línguas

Enquanto as “boas notícias” dos “cortes nas despesas do Estado” são proteladas pelo ministro das finanças quiçá para a rentrée, estrumpfemos entretanto de coisas sérias: só há dias realizei a estranha opção do rebatismo dos Estrumpfes para o publico português, os celebrizados gnomos azuis do ilustrador Belga Peyo, como um facto consumado. Tratou-se, segundo consta, duma miserável exigência imperialista dos produtores do filme que ontem estreou para a garotada. O problema é que não se trata apenas de mudar radicalmente o nome duns personagens, é toda uma linguagem com verbos, substantivo e tudo o mais, que é literalemente deitada ao lixo. O meu filho de quatro anos que está numa excitação por causa da campanha publicitária, já me informou com sobranceria, que “eles agora são os Smurfes, pai”. Uma estocada no meu coração, um precoce mas profundo buraco no nosso inevitável generation gap (tenho idade para ser avô dele).

Como não sou jornalista, não devo fidelidades a nenhuma distribuidora de cinema e e não recebi nenhum press release, estrumpfarei coerentemente a chamar Estrumpfes àquelas adoráveis criaturinhas que não resistem aos presentes explosivos do Estrumpfe Brincalhão que lhes estrumpfam na cara de quatro em quatro páginas.

O álbum "A Flauta dos Seis Estrumpfes" de 1958 da série "Johan et Pirlouit" foi um dos livros que mais vezes reli na minha remota infância. Fascinava-me e revia-me naquele simpático e elegante cavaleiro, de olhos fundos com o seu leal e disparatado pajem montado num bode. É nesse ambiente mágico medieval que aparecem pela 1ª vez os pequenos gnomos azuis de collants e capuz brancos, ainda num traço oval distante da forma com que se viriam a impor em aventuras autónomas. Claro que toda a obra está esgotadíssima, valorizada nos alfarrabistas, e tudo o que eu possa argumentar sobre a verdade dos Estrumpfes, do Grão Estrumpfe, do Estrumpfe brincalhão, da amorosa Estrumpfina, dos inesquecíveis álbuns “Os Estrumpfes Negros” e “O ovo dos Estrumpfes” ninguém cá em casa vai acreditar. Certo, certo, é que vou levar as crianças ao cinema um dia destes, mas quanto ao nome deles decido-me pela desobediência civil. Mesmo que isso me custe desdém e incompreensão. Definitivamente burro velho não Estrumpfa línguas. 

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