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João Távora

Visto de fora... "da caixa"

 

Por detrás duma aparentemente equilibrada apreciação à polémica da eliminação dos feriados, o editorial de hoje do jornal i da autoria da Ana Sá Lopes esconde algumas contradições que eu gostaria de aqui salientar.
A cronista defende um esvaziamento simbólico das duas efemérides, nomeadamente que a República, “é um dado adquirido e irreversível”, cujas comemorações “já não comovem ninguém”, e na mesma lógica, uma suposta minoria de monárquicos não justificam a continuidade do dia da Restauração da Independência. Estes dois argumentos confluem num surpreendente equívoco: então porquê o ribombante remate ao texto, com a afirmação de que, a confirmar-se a eliminação dos dois feriados civis, “a derrota da UGT foi mesmo em toda a linha”? Precisamente porque estamos no âmbito do simbólico é que esta conclusão me parece contraditória.
Mas no final de contas eu até entendo a avaliação da Ana: os monárquicos de facto raramente dão notícia, são gente pacata, dispersados em diferentes partidos, prioridades e causas, tantas vezes concorrentes entre si. Mas definitivamente parece-me um erro subestimar o seu número e o seu potencial. Está errado concluir que apenas existe “o que é notícia”, para mais se considerarmos os alvoroços pueris com que se preenchem as manchetes da espuma dos dias nos media de consumo.
De resto a vida dá muitas voltas, e em 1907 a força e representatividade dos republicanos era pouco mais do que barulhenta, assim a modos como Bloco de Esquerda nos dias de hoje. Nessa altura nenhum analista ou cidadão informado se atreveria a prever o caminho vertiginoso que a História acabou tomando.
Finalmente uma palavra sobre a suposta “escandalosa submissão do governo à Igreja Católica”: até os comunistas do PREC aprenderam com a História (da 1ª República) que afrontá-la só serve para a fortalecer. A grande ameaça ao cristianismo está na decadência da Europa, e na sua negação de berço duma ética perene, valores ofuscados por uma alucinação colectiva de hedonismo estéril. Em sentido contrário, a expansão da Igreja de Cristo está, sempre esteve e estará, onde houver sofrimento humano e repressão, ou simplesmente existências inquietas, exigentes. 

Manobras de diversão?

 

Álvaro Santos Pereira veio ontem "anunciar" que Governo vai propor aos parceiros sociais a eliminação do 5 de Outubro e do 1.º de Dezembro. A procissão voltou ao adro, esta notícia podia ler-se há três meses e o 5 de Outibro jamais deveria ser comemorado. Mas é assim que se mantêm as hostes radicais de esquerda entretidas a rasgar as vestes em indignações de substituição. Suspeito que tudo isto não passa de uma triste manobra de diversão, enquanto se protelam as urgentes reformas ao sistema.

 

Imagem daqui

Resiliência e... Paciência

Pensavam que eu vinha para aqui escrever sobre o Mourinho, o Cristiano Ronaldo e o Real de Madrid?! Desenganem-se, pois já tenho muito com que me ralar! Sim, demorei algum tempo a recompor-me da frustração sofrida com a abrupta espiral em queda do Sporting, pois tinha as expectativas altas face aos resultados que a equipa vinha alcançado até ao recontro com o Benfica. Mas temos que ser realistas, existe mesmo essa coisa chamada azar, com frutos mais funestos numa equipa em construção. Na verdade, a lesão do pivot defensivo Rinaudo teve efeitos imediatos no jogo da equipa, e desde então nenhuma adaptação resultou em pleno com prejuízo na fluidez das "transições" e na segurança defensiva. De então para cá é o que se sabe: juntaram-se na enfermaria aos lesionados Jeffrén e Izmailov, o ponta-de-lança Wolfswinkel e Schaars cuja paragem se prevê para três semanas. Perante este panorama, mesmo dando de barato  que Izmailov ganhará forma e se integrará rapidamente, resta-nos uma equipa altamente fragilizada e... muita apreensão. Sempre com a nossa proverbial esperança, a alma das nossas cores, alicerce dum Sporting grande apesar da vida difícil dos últimos, digamos... 40 Anos. Resta-nos a resiliência como agora se usa chamar. E os melhores adeptos do mundo… valha-nos isso.
Publicado originalmente aqui

A mensagem e o mensageiro

 

Ainda a respeito das desgraçadas declarações de Cavaco Silva sobre as suas reformas, Ricardo Costa assumido céptico das novas plataformas de comunicação, ontem na SIC Notícias atribuía a profusão de vitupérios publicados nas redes ao lado perverso da utilização do Facebook. Compreende-se e respeita-se o seu conservadorismo, mas o director do semanário Expresso incorre no erro vulgar de confundir a mensagem com o mensageiro, o conteúdo com a ferramenta que afinal não é um fim em si mesma. O problema do presidente ou do seu gabinete, nunca foi, antes pelo contrário, o da utilização da popular rede social como veículo de proximidade com os cidadãos, mas o conteúdo da sua intervenção por sinal feita e em directo para as camaras e microfones dos media tradicionais. Julgo até que Belém, definitivamente beneficia do fenómeno Facebook que permite a ilusão de proximidade a mais de dois milhões dos seus utilizadores activos ao desabafarem, manifestarem as suas razões e emoções ao mais alto magistrado da nação na respectiva página pessoal, esvaziando assim "a rua", essa sim um palco tradicionalmente determinante na estabilidade dos regimes. De resto o problema foi a extraordinária aselhice com que Cavaco comprou uma ruidosa e evitável borrasca... virtual.

 

Publicado originalmente aqui

A Dona Lurdes *

 

O meu prédio, o meu bairro, o meu mundo hoje despertou triste e mais pobre: a D. Lurdes morreu durante a noite no hospital. Vi-a sair uma destas manhãs frias para uma ambulância, pequenina e enregelada, levada numa cadeira de rodas. Não cuidei que fosse muito grave, algum tratamento quem sabe. Há pessoas que se instalam na nossa vida e que julgamos eternas.

Quase centenária, a minha vizinha morava no rés-do-chão, num esconso de arrecadação adaptado a residência. Chegada em 1975 na ponte aérea das ex-colónias instalou-se aqui em S. João com o marido, nove filhos e uma indómita força de viver. O seu homem não se refez do choque duma vida perdida do outro lado do oceano. Desistente, por entre as entregas de chamuças que a mulher fazia às centenas, passava o tempo à porta de casa a fumar com os olhos fixos em lado nenhum, conta quem o conheceu. Sem vontade, morreu cedo, e a D. Lurdes continuou obstinadamente a fazer chamuças e a criar os filhos que aos poucos foram indo às suas vidas.

A D. Lurdes vivia pouco mais do que sozinha com a modéstia que lhe permitia uma magra pensão de sobrevivência e um filho problemático, que só não conseguiu consumir a determinação e o amor da sua mãe. Ela era uma senhora muito, mesmo muito pequena mas só no tamanho, com pele escura e enrugada, muito curvada pelo peso duma vida arrancada a ferros. Inspirada numa resoluta Fé cristã, exibia com generosidade um dos sorrisos mais francos e bonitos aqui do bairro.

Quando nos encontrávamos logo me perguntava pelo “seu amigo”, referindo-se ao meu miúdo pequeno, com quem mantinha uma viva relação: a D. Lurdes era das poucas pessoas a quem o meu filhote rebelde cumprimentava de beijinho com boa vontade. Com a minha mulher, a D. Lurdes partilhava confidências, dores e contrariedades. Visitava-nos por vezes para nos dar umas chamuças, ou algum doce caseiro que teimava em manufacturar apesar das suas aflitivas limitações físicas. O seu sorriso, o seu “bom dia senhor João”, nas escadas ou à mesa do café saboreando a sua preciosa bica, vai fazer muita falta à nossa vida. A sua falta vai notar-se dramáticamente na preceta, no bairro… e na humanidade. Porque são estas pessoas que dão uma coluna vertebral e um sentido de rotação certo ao nosso mundo insano.
D. Lurdes hoje juntou-se ao seu marido e aos  filhos que viu partir, algures onde com a infinita misericórdia de Deus finalmente descansará em paz.

 

* D. Lurdes é um nome fictício que utilizo para testemunhar uma pessoa e factos reais. 

A palavra contra a ambiguidade do silêncio

 

O valor da Palavra, nestes tempos de aparências, anda pelas ruas da amargura. Importa admiti-lo. Noutras eras a palavra dada pesava na consciência do homem comum. A desonra de um incumprimento era duramente cobrada, em primeiro lugar pela consciência do próprio. Hoje a palavra, tão banalizada, já não veicula o indivíduo. Tudo se descarta, a mentira é tolerada, aceite como normalidade, do mundo empresarial à política e até nas relações pessoais.

A cultura do individualismo tudo dessacralizou e promove uma extensa gradação de meias verdades e meias mentiras, um jogo de sombras e subjectividades que desfigura o conteúdo em favor da forma, de uma “narrativa” ou de uma “ilusão eficiente” que seduza o patego.

Relativizar o valor da Palavra abre caminhos sombrios e ambíguos ao relacionamento do homem consigo mesmo e com o mundo. Em contraposição, no lugar de seu chão fecundo, o Silêncio, esse pode bem tornar-se um jogo, uma fórmula oportunista de abstenção.
Os textos sagrados referem que no início era o Verbo. Para lá da sua dimensão ontológica, não podemos destituí-lo de significados como “Narração”, “Pregação”, “Comunicação”, “Intenção”, “Notícia”, enfim “Palavra”… que aqui se entende com a densidade que lhe confere o precioso silêncio em que ela assenta e se valoriza.

Ora acontece que a Palavra é libertação, catarse, autoconsciência. Através dela sintetizamos, materializamos as nossas percepções pensadas em vários níveis de consciência, concretizamos as nossas emoções, clarificando-as por mais obscuras que sejam, num exercício que dá à vontade libertadora o protagonismo que a nossa condição humana exige.

Assim é quando declaramos o nosso Amor romântico ou fraternal; relevamo-lo também para o domínio da vontade, do compromisso. Como acontece quando pronunciamos o nosso Credo, numa confirmação das nossas razões profundas e empenho numa adesão fecunda. A Palavra, mesmo papagueada, para o bem e para o mal, produz efeitos na nossa consciência. Dispensá-la, desvalorizá-la, mais não significa do que o medo que temos dela, do seu poder de nos responsabilizar, de nos desafiar onde dói, na nossa consciência profunda, na vertigem da liberdade de escolher.

A relativização e descrença na Palavra é sinal de decadência civilizacional. Para que nos possamos entender, tem que ser usada com liberdade, mas sempre num comprometimento com a verdade e vontade da pessoa, em todas as suas dimensões, principalmente onde verdadeiramente nos realizamos e temos existência: na relação.

 

Orignialmente publicado no Jornal i de 19 de janeiro

Negros sinais, má fortuna

 

Que ingénuos acreditaram que se ia deixar de festejar (fazer festa) com a virulenta e sanguinária revolução do 5 de Outubro, pela simples cedência do 1º de Dezembro, dia da Restauração da Independência Nacional?
Eis a razão profunda do nosso atraso: a casta caquéctica e facciosa, que com mais ou menos secretismo e às vezes descaramento controla o País há demasiado tempo. Mas o mais grave é o fenómeno que se encontra do outro lado da barricada: aí revela-se a apatia e complacência  (ou cobardia) daqueles que penhoram valores fundacionais da nossa nacionalidade por um prato de lentilhas, umas telenovelas ou reality shows no quentinho da sua medíocre existência.  Como diz o meu amigo Jorge Lima, a fractura não é hoje entre esquerda e direita. É entre patriotas e vendidos. Ou entre cultos e ignaros. Entre gente com espinha e oportunistas plebiscitados.

Baixar a guarda no Combate de Blogues

 

 

O que leva um conservador, esforçado trabalhador, empenhado cidadão, extremoso marido e pai de família, num retemperador serão de Sábado, a sair do aconchego do lar nos subúrbios da cidade, para a horas impróprias numa noite tempestuosa ir à discoteca Frágil da Ana Matos Pires? Tratou-se de responder à chamada para a entrega dos prémios Blogs do Ano promovido pelo Filipe Cetano do programa Combate de Blogs da TVI 24 evento em que o Corta-fitas foi agraciado com um honroso “melhor blog de direita 2011”. 

Na certeza que entre a freguesia "alternativa" de camisas negras e barbas ralas lá se encontrariam espíritos livres e afáveis para por em dia a boa conversa e amena cavaqueira, entre os companheiros de blog Duarte Calvão, Francisco Mota Ferreira e a efusiva Maria Teixeira Alves, lá estavam o João Condeixa, o João e a Bárbara Villalobos, o Luís Coimbra, a Filipa Martins, naturalmente também nos cruzámos com alguns revolucionários destas lides bloguistas, na circunstância uns verdadeiros cavalheiros no trato – gente conservadora, afinal. Claro que aproveitei a deixa para reforçar a cunha ao Nuno Ramos de Almeida, para que me previna a tempo de reunir a prole e embalar a trouxa quando a revolução cada vez mais iminente chegar, se lá chegarmos. 
Pelo sim pelo não, para contrabalançar a intimidadora distinção da minha bonita mulher com o seu esplendoroso casaco de peles, eu escolhi envergar preventivamente o meu blazer mesclado com cotoveleiras, claro indicador de que também leio uns livros e frequento museus. É a receita do Duarte Calvão que fuma cachimbo, claro sinal exterior dum livre-pensador a quem, por se isentar nas contendas fracturantes, injustamente aplicaram a equívoca etiqueta de reaccionário.
A entrega dos prémios foi emocionante, o Filipe distribuiu-os aos presentes nas respectivas categorias: melhor blog de esquerda e melhor blog colectivo entregue ao Nuno Ramos de Almeida em representação do 5 Dias, melhor blog individual à Joana Lopes do Entre as Brumas da Memória, melhor Blog revelação ao Francisco Silva do Artigo 58, e last but not the least, o prémio melhor blog de direita foi entregue nosso Duarte Calvão, o último fundador do Corta-fitas no activo, que é por assim dizer, mal acomparado com o PSD, o nosso Francisco Balsemão.
Mas o auge da festa deu-se quando a anfitriã Ana Matos Pires entregava o diploma de melhor blog de esquerda: perante o comentário do pivot de que o seu blog Jugular saíra derrotado na disputa, logo estalou um sonoro desabafo da nossa insubstimável Maria Teixeira Alves: “GRAÇAS A DEUS!!!”. De resto, desde quando a Terceira Via é coisa de “esquerda”?
A solenidade acabou bem a horas de voltar para casa antes de se dar o fenómeno, que se-me vai acentuando com a idade, de me transformar em abóbora quando desponta a madrugada sem estar na caminha. 

 

P.S.: Está programado para o próximo Sábado às 23.00hs na TVI 24 a transmissão da reportagem deste inolvidável evento e hoje eu prometo que vou me deitar bem cedinho que tenho a cabeça em água.

Estado de emergência: é preciso fazer um desenho?

 

Os últimos dias foram um inegável desastre para a reputação do Governo de Passos Coelho. Soaram patéticas as declarações de Paulo Portas ontem sobre a pretensa  xenofobia ao Norte por causa da designação de Álvaro castelo Branco como administrador da empresa Águas de Portugal. Ao mesmo tempo, o 1º Ministro veio a terreiro negar peremptoriamente qualquer interferência directa ou indirecta do Governo nas recentes nomeações para a EDP. Mesmo que tal seja um facto ninguém acredita: acontece que numa conjuntura dramática como a que estamos a viver não basta ser sério, tem que se parecer sério, sob o perigo de delapidar ainda mais a depauperada confiança no regime e acicatar o ressentimento social.
Está na altura do total pragmatismo e da tolerância zero a quaisquer equívocos: o corte radical às nomeações. Será “pecado” ser militante de um partido do governo para assumir responsabilidades em empresas e projectos com ligações ao Estado? Se calhar nas actuais circunstâncias é. Por um bem maior: para salvaguarda da tarefa titânica que o governo enfrenta e a fragilizada estabilidade social, neste estado de emergência em que vivemos. Por Portugal.

Desmancha prazeres

 

 

Fui fumador compulsivo (sabe Deus como eu me deleitava a puxar dum cigarro), até há seis anos quando deixei de fumar (sabe Deus a cena macabra) o que não me impede de ser contra qualquer fundamentalismo antitabágico. Mas quando a discussão se extrema em comparações e retóricas radicalizadas, é preciso não perder a noção da realidade. A título de exemplo, por causa do tabaco dois dos meus avós morreram lenta e literalmente asfixiados com enfizema pulmonar. A minha mãe usufrui dos privilégios da modernidade: depende de uma garrafa de oxigénio 24 horas por dia mas cansa-se só de falar. São casos particulares? Pois são: as estatísticas são feitas com casos particulares, às vezes dramáticos.

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