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João Távora

A contra revolução

 

Trespassada por uma profunda crise por causa do refinamento da cultura individualista orientada para uma perspectiva niilista pela sociedade de consumo, a destruição do modelo de família judaico-cristão nas suas diversas adaptações deveria ser interpretado como um sério alerta sobre a decadência civilizacional a ocidente.

Talvez seja tarde para a inversão da vertiginosa atomização social de que somos testemunhas passivas, mas parece-me que vale a pena um sonoro alerta, na perspectiva dum movimento, de uma revolução para o resgate do conceito de família “compromisso”, muito para além da sua “fracção” nuclear.

Refiro-me à recuperação da família como emblema, marca a que aderem livremente os seus membros, a um modelo mais ou menos alargado que promove o sentido de pertença e a auto-estima, que seja, além de uma privilegiada rede de afinidades e solidariedade, um espelho de modelos, exigências e afectos, um centro de difusão de competências e vocações, com as suas lideranças naturais. Todos conhecemos apelidos e linhagens, em que um ou mais membros pelo seu mérito intelectual e profissional, vocação e coerência, vieram a tornar “marcas reconhecidas”, casos de sucesso que prevaleceram para as novas gerações.

Acontece que a família alicerçada como projecto perene, com todos os seus defeitos e potenciais arbitrariedades, constitui o mais salutar bastião do livre arbítrio do indivíduo. Falamos na defesa da liberdade. Para a sociedade, em termos latos, a família constitui o garante duma essencial diversidade estética e cultural: cada uma possuidora do seu legado de informação e património económico-cultural, afirma um insubstituível microcosmos, qual espelho e plataforma de mediação dos seus elementos com a comunidade e com o mundo, em que a liberdade é promovida no equilíbrio com a responsabilidade de uns em relação aos outros… e com a sua história. Este factor é extremamente útil para um privilegiado desenvolvimento das novas gerações. Além de tudo o mais, as estruturas familiares mais sólidas potenciam uma resistência inteligente à massificação e à submissão dos indivíduos aos mecanismos despóticos de controlo social emergentes, como as avassaladoras modas impostas pelo mercado e... pelos estados demasiado intrusivos.

É fácil entender porque é que as mais cruéis ditaduras do século xx sempre combateram os modelos tradicionais de família, que tendem a funcionar como autênticas bolhas de oxigénio numa sociedade sufocada pela pressão do controlo.

Finalmente, considero uma causa algo obscura o extremo individualismo promovido pelas correntes liberais de costumes, hoje em dia patrocinadas pela generalidade dos poderes políticos. Talvez porque sem referências sociológicas e culturais consistentes as pessoas se podem tornar mais vulneráveis, qual papel em branco fácil de ser preenchido e doutrinado por qualquer sinistro poder.

 

Ilustração: José Abrantes - direitos reservados

 

* Originalmente publicado no jornal i