Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

João Távora

Em terras de Sua Majestade

Gostei do espectáculo de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres. A antítese de Pequim sem conceder na grandiosidade. Uma retrospectiva e retrato da mais cosmopolita cidade europeia, o maior entroncamento étnico da Europa em que por ironia do destino os povos de todo o mundo cumpriram a exortação de Carl Marx por via do capitalismo. A capital da orgulhosa e idiossincrática Grande Bretanha transformada numa passerelle para a extraordinária iconografia pop que o Reino Unido produziu e exportou para o mundo, como o fizera nos séculos anteriores com a revolução industrial e a própria democracia. Foi afinal um retrato da civilização ocidental, com todos os seus defeitos e virtudes, em que afinal a Inglaterra mantém excepcional influência e liderança.

Reconhece-se também em todo o guião um descomplexado estímulo ao orgulho nacional contrabalançado com a exibição do refinado e proverbial sentido de humor britânico, a regenerativa qualidade que as pessoas inteligentes cultivam de se rirem de si próprias. 
De resto aos mais puritanos relembro que os espíritos verdadeiramente eruditos usam do privilégio de apreciar a arte efémera (quantas vezes perpetuada pelos insondáveis desígnios das modas), um privilégio proibido àqueles cuja sorte ou azedume gerou uma mente limitada ou preconceituosa. Um fenómeno que a democracia jamais conseguirá superar. 

bardamerda!*

 

A poucos dias de partir para banhos relaxar um pouco, oiço na telefonia uma douta especialista na matéria, avisando que a ciência descobriu que não se deve expor o corpo ao sol… entre as 11,00 da madrugada e as 17,00 da tarde! Tenho a impressão que também esteve a falar uns minutos sobre alimentação saudável, mas de tão deprimido, disso já não apanhei nada.

 

*Com a V. licença...

A bloguização dos Media

Nem a proletarização das redacções, nem o tempo de férias, nem a histriónica bloguização do noticiário político nas TVs justificam que durante quarenta e oito horas, boa parte da Comunicação Social, com a SIC à cabeça, tenha vivido agarrada a uma frase bombástica de Passos Coelho, não pela sua substância mas pela utilização de um plebeísmo, afinal tão vulgar e bem aceite entre os camaradas da revolução dos cravos e pelas "elites" da esquerda, pá! Sintomáticas me pareceram as quarenta e oito horas que a oposição socialista, pela voz de Zorrinho, demorou a apanhar boleia do coro da SIC com alguns blogues e "fecebooks". 
A frase do primeiro-ministro "Se algum dia tiver de perder umas eleições para salvar o País, que se lixem as eleições. O que interessa é Portugal" reflecte uma legítima preocupação de uma parte dos portugueses que têm consciência de como o clientelismo e a demagogia eleitoralista dos partidos conduziram, de promessa em promessa, de concessão em concessão, o país ao abismo da bancarrota. 
De facto nunca foi tão pertinente como nestes dias, a máxima do Nobel da literaturade Anatole France “Não há governo popular, governar é criar descontentes”. Não estou nada certo de que o primeiro-ministro tenha a noção profunda deste paradigma, mas tenho a certeza de que a matéria que urge  utilizar para as manchetes e ser debatida com bons especialistas nos Media são assuntos difíceis como as máfias e os lóbis que sequestram o Estado e a política, o próprio sistema que tarda reformar-se, o desmantelamento do sedento monstro que sufoca a economia e a iniciativa privada, a Justiça inoperante que apenas serve os mais poderosos. Aquilo em que uma comunicação social responsável se devia empenhar era no confronto dos governantes com as promessas que tardam cumprir e com as quais sustentavam uma suposta diferenciação de políticas com os seus antecessores.

O jornalismo, como a governação, deveria ser tido como coisa séria, e a sua orientação entregue a gente erudita, íntegra e sem agendas ocultas. No caso dos Media exige-se redobrada responsabilidade porque estes detêm demasiado poder que não pode ser fiscalizado nem é sufragado. 

Vítor Damas

Vítor Damas, um dos melhores guarda-redes portugueses de sempre, nasceu a 8 de Outubro de 1947 em Lisboa e morreu prematuramente aos 55 anos, em Setembro de 2003. Este mítico jogador, senhor de inaudita elegância dentro e fora dos relvados, fez nada mais nada menos do que 444 jogos oficiais em dezanove épocas ao serviço do seu clube do coração. A sua ascensão à titularidade no primeiro escalão do futebol leonino coincide com a minha tomada de consciência “sportinguista”. Acresce que um guarda-redes destaca-se no campo não só porque se equipa de cor diferente, mas porque assume o solitário papel idiossincrático dum homérico contrapoder – cabe-lhe a missão de se transcender de corpo inteiro, incluindo as mãos, na obstrução do maior objectivo dum jogo que se joga com os pés: o golo. Assim se entende como ele é por natureza um cromo tão difícil, definição que encaixa como luvas no mítico guardião leonino.

Talvez seja por isso que, na perspectiva de uma criança, não só o ponta-de-lança mas também o guarda-redes adquiram tanta importância num jogo ainda difícil de interpretar: tratam-se afinal do primeiro e último reduto do exército no campo de batalha. Nesse sentido, tomar consciência do futebol com protagonistas como Yazalde e Vítor Damas foi um privilégio que sustentou o meu sportinguismo. Nas brincadeiras, “ser o Damas” era o privilégio de ser a antítese de Eusébio, o incontestável ídolo da época, que quando um dia lhe perguntaram qual a sua melhor memória do velhinho estádio de Alvalade, em vez de se referir aos seus golos ou vitórias, aludiu a uma extraordinária defesa do Damas ocorrida em 9 de Novembro de 1969 que então ocasionou a vitória ao Sporting por 1-0. Por estas e por outras é que Carlos Pinhão, histórico jornalista de A Bola, descreveu em manchete o mítico guarda-redes leonino como “o Eusébio do Sporting”. Foi sem dúvida um dos melhores guarda-redes portugueses de sempre.

De facto, Vítor Damas distinguia-se entre os postes pela garra, intuição, agilidade e elegância. Mas fora dos relvados diferenciava-se por uma erudição na época invulgar no meio: sabia exprimir-se como poucos colegas, e a determinada altura manteve até uma crónica regular no jornal do Sporting - um traço que para mim fazia toda a diferença. 

Dizem que Damas era irreverente e que tinha "mau perder", que entre os postes era capaz do melhor e do pior de um jogo para o outro. Mas acontece que era um líder da equipa e que do coração sangrava verde e branco até  a última gota. Uma qualidade rara nestes tempos: foi desde menino que orgulhosamente envergou e dignificou a camisola verde e branca, com a qual toda a vida se bateu e com que veio a morrer e tornar-se para toda uma geração um verdadeiro ídolo. Assim, decidiu viver para sempre. Quantos contratos milionários isso não vale, Rui Patrício?

 

Publicado originalmente aqui

 

 

Narrativas

 

Em editorial, o Diário de Notícias de hoje congratula-se com a promessa de Seguro de "um PS com os dois pés na oposição" em nome do “contraste” e da “clareza política”. Eu sei que a coisa não beneficia a ilusão da "alternância" democrática, mas eu preferia uma oposição com os dois pés na realidade, que é sempre implacável para com qualquer “narrativa”. Uma boa "narrativa", diga-se a mais fantástica invenção dos spin doctors, pode alimentar notícias e manchetes, mas não alimenta ou dá emprego aos portugueses.

Férias graaaaandes

 

Hoje calhou ir a casa a meio do dia e deparar-me com o espectável panorama dos meus dois mais pequenos empastelados no chão da sala com os estores semicerrados a engonhar à frente da televisão. A primeira reacção foi um amargo complexo de culpa de não ter pago o mês de Julho nos colégios em que estes lhes dedicam um completo programa de actividades culturais e recreativas. Mas depois, pensando melhor, perguntei-me se não será de uma enorme injustiça esta minha intolerância para com a indolência alheia, vinda de alguém como eu que usufruía de quase quatro meses de infindáveis férias, em que não havia casa da Avó ou dos primos que me salvasse duma boa temporada em casa. Eram semanas a trocar as voltas ao dia, a embirrar com os irmãos, ver o TV Rural, campeonatos de corta-mato, equitação, encher o bandulho de gemadas e sorvetes em cubos de gelo, ouvir música a contar as rotações do disco às voltas e acabar o dia enfastiado de Tio patinhas e Enid Blytons. 

Será mesmo obrigatória essa modernice de tratar os miúdos como se fossem sacos que se arrumam direitinhos, preenchidos como chouriços, com actividades e programinhas pedagógicos e sociais, das oito da manhã ao cair da tarde? Não será afinal o tédio e a preguiça uma experiência de direito, fonte interminável de criatividade e fantasia, qualidades fundamentais para a construção dum bom caracter?
O que me vale é que já falta pouco para fechar o estaminé, calçar as chinelas e entrar na onda - literalmente. 

Coisas básicas

 

É simplesmente obsceno clamar por moralidade quando os adversários prevaricam e tolerar as diabruras dos "nossos" eleitos. Essa é uma atitude que admito no calor dum desafio de futebol em que jogue o meu clube. Curioso é como parte daqueles para quem o caso da licenciatura Sócrates se resumia a uma campanha negra se indignam hoje com a licenciatura relâmpago de Relvas. 

É claro que ambos os fenómenos deixam a reputação da classe política (tornada anedota) ainda mais enterrada no lamaçal do descrédito. Mais grave é a fragilização que o caso provoca num governo que, à custa de duras provações da população, tem a quase impossível missão de resgatar a soberania nacional. Claro que Carlos Abreu Amorim, que em Março de 2009 escreveu isto sobre o caracter o então 1º Ministro, hoje ao defender desta maneira Miguel Relvas aparenta ter perdido a sua já precária noção de ridículo. É o que dá quando a qualidade do político é medida pelo seu grau de narcisismo e facilidade em ditar chavões em voz grossa. Os portuguese não são assim tão parvos, e a realidade é totalmente alheia ao fenómeno. 

O deplorável estado da Nação

O estado da Nação é muito mau simplesmente porque há pouco mais de um ano, numa situação de emergência o PS com a anuência do PSD e CDS penhorou a nossa soberania para que os euros não deixassem de circular pelas nossas carteiras. Hoje, o pior é que para descambarem muito mais, as coisas dependem pouco nós. Todas as considerações que menosprezem estes factos pecam por um profundo irrealismo e irresponsabilidade. O caminho que nos está reservado é demasiado estreito para que não soem patéticas as efabulações socialistas (de quem herdámos este pesadelo), sobre caminhos alternativos, crescimento económico e reivindicações aos credores. Mas entende-se; trata-se duma narrativa que convém a todos os players, a bem duma ilusão de alternância... democrática.
Era fácil adivinhar desde o início que o caminho deste governo era não só muito estreito mas armadilhado, que a erosão da sua imagem seria rápida, e o ruído de fundo atingiria um volume ensurdecedor numa questão de meses. Simplesmente porque o nosso resgate passa por uma desgraçada desvalorização do preço do trabalho e de um severo corte na despesa pública com os consequentes síndromes de abstinência, fenómeno que entre os socialistas dá lugar a autênticos delirium tremens.

 Se somarmos a isto o crescente descrédito popular na classe política, o desconforto dos lóbis, das corporações e outros interesses instalados subitamente ameaçados pelas incontornáveis reformas que tardam sair dos gabinetes, percebe-se que na melhor das hipóteses a barulheira em breve aumentará exponencialmente. 
É aqui que surge o ministro Relvas, uma caricatura das elites e das máfias que dominam há muitos anos a irreformável III república. Acontece que ironicamente o personagem ao concentrar em si toda maledicência popular e guerrilha mediática, tornou-se essencial à coligação, poupando os ministérios e gabinetes no seu inglório trabalho de manter o desgraçado País à tona da água. Certo é que com o seu líder José Sócrates nesse papel de bombo da festa o governo socialista resistiu muitos anos. A diferença é que então o homem conseguia sacar muitos milhões para deitar na fervura. 

Um estranho princípio da igualdade

 

O veto do Tribunal Constitucional ao corte dos subsídios de férias e de Natal é antes de mais um pontapé na estratégia do "bom comportamento" que o governo português pretendia começar a cobrar aos credores que nos sustentam. A posição dos juízes, baseada numa alegada violação do “princípio da igualdade” na aplicação das medidas apenas para o sector Estado, esquece que esse permanece ainda hoje um sector privilegiado, de emprego vitalício, vencimento certo e historicamente protegido das agruras do mercado (sinónimo de "realidade" enquanto a riqueza não brotar das pedras da calçada).
Certo é que este veto dos juízes, que tresanda a corporativismo, vai simplesmente obrigar o ministro Gaspar em 2013 a ir buscar os dois mil milhões de euros a outro lado qualquer… ou seja, democraticamente a todos os portugueses, incluindo aqueles poucos que no sector privado se esmifram a lutar pelos seus postos de trabalho, por mais um dia ou por mais um mês.
A alternativa é um assomo de coragem por parte do governo para uma arrojada renegociação das PPP e implementação das reformas necessárias a uma redução sustentada da despesa pública, do desperdício e abusos nas empresas do Estado. Questão mais tarde ou mais cedo inevitável tanto mais que a economia está a estoirar e são cada vez menos os contribuintes nacionais com capacidade para sustentar "o monstro".