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João Távora

Uma autêntica cabala

Afinal não é só Passos Coelho que tem um "parti pris" contra a industria da restauração. A revista da DECO, "Proteste" (o nome da publicação é em si um prodigioso trocadilho) este mês dá destaque às máquinas de bicas caseiras. O estudo indica que ao fim de um ano, com o consumo de 4 cafés por dia tirados em casa (do Pingo Doce) se atinge a poupança de 595 euros gastos na pastelaria. Se eu fosse proprietário de um café, organizava uma manif à porta da Defesa do Consumidor.

Peculiaridades duma República Portuguesa

 (...) “sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins (vida, liberdade e felicidade), cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la” – (...) “Nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela [nação] não emane expressamente”.

 

Aclamação do Rei D. João IV, assento das cortes de Lisboa - 1641 

 

Decidiu a maioria governamental, como medida profiláctica contra a proverbial improdutividade doméstica, eliminar quatro feriados nacionais, dois religiosos e dois civis. É assim que, da sua exclusiva competência, o governo dá como eliminados o 5 de Outubro e o 1º de Dezembro, numa curiosa medida que visa uma certa reciprocidade: com uma espécie de lei de talião, nem “tradicionalistas” nem “progressistas” (que me desculpe o leitor estes abusivos chavões) se ficam a rir. Esta solução aparentemente equitativa esconde contudo um fatal equívoco, porque sendo consensual que a revolução de 5 de Outubro de 1910 dividiu profundamente o país, é inegável que a restauração da independência, em 1640, uniu os portugueses em torno dum projecto de soberania que possibilita existirmos formalmente como tal e alimentarmos esta ou outras polémicas. De resto duvida-se que, no mais que previsível regresso ao poder, os nossos donos não se empenhem em recuperar rapidamente um dos seus principais símbolos em defesa daquilo que reclamam como “memória colectiva” (colectiva porque partilhada por mais do que uma pessoa).

Convém nesta altura explicar que “memória colectiva” é um peculiar conceito alimentado pelas nossas oligarquias com a tralha politicamente correcta e a espuma dos dias que as animam na sua mesquinha luta pela sobrevivência. Curiosamente, nessa “memória selectiva”, os heróis e os símbolos são escolhidos criteriosamente de um cardápio ideológico com o horizonte máximo de três ou quatro gerações. Acresce que, para grande contrariedade dos “nossos senhores”, não existe isso de “memória colectiva”; resultando os seus porfiados esforços educativos num fenómeno de “amnésia colectiva”, um assunto com que ninguém se preocupa afinal, porque, mesmo atreitos ao entretenimento e à fancaria, o mais das vezes aqui se vive em constante aflição com o pão à mesa.

Neste dia 1 de Dezembro o calendário assinala pela última vez como feriado nacional o Dia da Restauração da Independência, assunto que, na verdade, a poucos comove e cuja exumação acontecerá com o recato que inevitavelmente um sábado impõe à efeméride, há muito ameaçada pela indiferença dum regime apátrida e sem memória. O mesmo que reduziu a nossa designação oficial à apoucante designação de “república portuguesa”, ou seja, um mero adjectivo. Tudo isto é uma aterradora parábola que nos deveria afligir a todos… se é que, como Nação, sem darmos conta, não estaremos já em profundo estertor.

Aos inconformados, resta-nos o espaço doméstico, familiar e associativo, para hastearmos as nossas bandeiras e contrariarmos esta macabra dinâmica. Partilhando a herança duma profunda liberdade de consciência e semeando mensagens de esperança e dos valores perenes fundadores da portugalidade.

 

Publicado hoje no Jornal i

Estado de sítio

Depois do indignado coro por causa da violência do aumento de impostos, os mesmos comentadores oficiosos revoltam-se contra qualquer pretensão governamental de redução da despesa pública, afinal um intocável paradigma da república falida. Ou encontramos petróleo no Beato ou isto vai tudo pelo cano abaixo. 
Corajosa posição teve ontem o insuspeito José Gomes ferreira na Sic Notícias alertando que não há mais tempo para debater um Estado Social insustentável. Uma blasfémia contra a "política". Deve ter levado poucas no toutiço á saída dos estúdios, deve.

Sem perdão II


Estou convencido que o orçamento de Estado aprovado ontem, provavelmente o maior assalto fiscal perpetrado contra as nossas comunidades, foi pouco mais ou menos aquele que era possível tendo em conta o acordo e as premências estabelecidas para o resgate financeiro negociado com a Troika por José Sócrates. 
Mas o que ressalta para mim de mais grave nisto tudo é o irremediável descrédito alcançado por uma promissora geração de jovens políticos. O que foi aprovado ontem não foi só um orçamento inqualificável que reforça de forma sufocante o peso dum Estado mastodôntico: ontem foi ateada uma enorme e incontrolável fogueira em que arde o que restava da reputação dos políticos e das esperanças dos portugueses. Justificações haverá muitas certamente, não há é perdão. Quem disse que a vida era justa?

Stormy Weather

Aqui está uma pequena pérola: Harold Arlen, popular compositor americano celebrizado por temas como “That Old Black Magic” e “Over the Rainbow”, canta o refrão da sua própria composição “Stormy Weather”, para a gravadora Victor, num disco His Master’s Voice de 1933.

 

Mais sobre velhas gravações mecânicas aqui

Combate pela cidadania

Esta inaudita época da tecnologia conquistou os cidadãos para uma perversa ilusão de participação cívica em discussões, "grupos" e "petições" virtuais para todos os gostos e feitios. Entre a colheita dumas couves no Farmville, a aceitação dum convite a um evento que nunca irá, à distância dum clique se adere a um qualquer grupo a favor do Crescimento Económico ou contra a Pesca à Linha. O problema é que com o esforço dum dedo e três neurónios se cria a ilusão de participação cívica.
Resta saber o que é que cada um de nós está disposto a fazer por aquilo em que acredita depois de sair da frente do computador.

Boston Belle Barn Dance

 

Dois minutos de dança com a London Concert Orchestra em 1905 - cilindro "indestructible" Edison. Quando reproduzir uma música só podia ser um ritual de pura vontade para dois minutos de genuino prazer, em casa ou no salão paroquial.

25 de Novembro, dia da Liberdade!

 

Nos dezoito meses subsequentes ao 25 de Abril o poder da esquerda revolucionária apoiada por sectores radicais das Forças Armadas, com a cumplicidade dos comunistas e dos seus satélites (então como hoje com representação eleitoral muito semelhante, de cerca de 18% na Assembleia Constituinte) controlando os sindicatos e os Órgãos de Comunicação Social, nomeadamente a rádio e a omnipresente televisão, vai tomando conta do País que a 25 de Novembro se encontra à beira da guerra civil.
Nesse dia, como acontece a muito boa gente, a minha família é aconselhada a deixar Lisboa, e partimos todos para umas imprevistas “férias” em local recôndito, que a caça às bruxas há muito que se prenunciava (era normal o pivot do telejornal adjectivar um partido à direita do PS como “fascista” ou “da vergonha”). Mas foi pela emissão televisiva que assistimos à reviravolta do golpe, quando é cortado o piu ao major Duran Clemente para a emissão prosseguir dos estúdios do porto com uma comédia de Danny Kaye. Dois dias depois, estávamos de volta às aulas e o "processo revolucionário em curso" estava definitivamente comprometido. A democracia prevalecera ao "poder popular", ou seja "da rua", discricionário, tirânico. Quem como eu viveu esses emocionantes dias (com catorze anos era um precoce activista) tem a perfeita noção do valor precioso da liberdade. Que é o que hoje se devia celebrar.

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