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João Távora

A austeridade e a malha no ferro

 

 

Se no auge do “Long play” já era difícil ao mais genial artista ou banda pop publicar quarenta minutos de boas canções, pretender que tal é possível nos mais de sessenta minutos de um CD é no mínimo uma atrevida presunção. 

É este o caso do recém-editado álbum de David Bowie “The Next Day” que a mim, crédulo consumidor, me foi vendido pelos especialistas como o seu melhor desde o fabuloso “Low” ou o histórico “Heroes” e que eu adquiri na versão em vinil constituída por dois discos de 180 gramas primorosamente prensados e por um CD para converter para mp3 e ouvir no carro. A capa é o aproveitamento da de “Heroes”, uma inevitável referência da carreira do “camaleónico” artista, com o título rasurado e um rectângulo branco onde deveria figurar a sua angelical face - uma gracinha demasiado óbvia que pelo menos no tamanho de LP resulta graficamente pouco feliz.

O dinheiro estava gasto, e foi em desassossego que à primeira audição constatei ser esta obra absolutamente anti-social, ttotalmente proibitivo ouvi-la no gira-discos da sala de uma tradicional casa de família como a minha. Antes de ser deixado sozinho reparei nos intimidantes esgares acossados dos meus filhos perante a arritmia ribombante da bateria e dos dissonantes uivos das guitarras distorcidas de Gerry Leonard e de David Torn. 

Não sei se é o melhor álbum dos últimos trinta anos, mas após (des)educado o ouvido para a tarefa, reconheço que há em “The Next Day” muito bom material escondido na violência quase mórbida da maioria dos temas que emergem à volta de “Where Are We Now?”, um oásis melódico no meio duma desarmónica tempestade electrónica. Assim, “Dirty Boys”, “The Stars (Are Out Tonight)”, “I'd Rather Be High”, “Boss Of Me”, “Dancing Out In Space” e “So She” são os meus temas favoritos onde se escondem subtis harmonias bem escavadas numa sonoridade teutónica e austera aparentemente inaudível mas que ao final de algumas audições nos conseguem seduzir profundamente. Com alguma insistência e a atenção devida, a intempestiva densidade sonora presente em todo o álbum revela-nos cuidadosos arranjos de uma rica paleta de timbres e texturas, num ambiente sonoro de desespero gritado pelas palavras e evidenciado na música. Depois fica-nos a pairar a interrogação se afinal a genialidade de David Bowie aos sessenta e seis anos não poderia oferecer-nos também alguma serenidade. E a certeza de que ouvir este disco é um inestimável prazer solitário e fadiga digna dum  servente de obras ao final da empreitada. 

 

Discos e riscos

A revista do Expresso traz esta semana um pequeno artigo sobre os 125 anos da invenção por Emil Berliner do disco como suporte de gravação (16 de Maio 1888), cheio de disparates e equívocos, nomeadamente que os cilindros de Edison tinham que ser gravados um a um, e que o material utilizado para os discos começou por ser vidro (?) e depois passaram a ser feitos de plástico, quando na verdade foram experimentados em zinco, ebonite  e o seu fabrico estabilizado numa liga que se designou goma-laca. Como em tempos referi nesta crónica, a utilização do plástico para o fabrico dos discos (muito mais resistente e maior capacidade) só surge nos anos 195O num composto que chamamos usualmente vinil. De resto num paragrafo dedicado à pintura que celebrizou "A Voz do Dono" de Francis Barraud pouco nos conta sobre a comovente história do cão Nipper.  

Tenham medo, muito medo!

Não quero ser desmancha-prazeres, mas ao contrário do coro de comentadores que pretende ser possível contar com alguma razoabilidade por parte do Partido Socialista para a inadiável reforma do Estado, parece-me bastante previsível que, com inusitada demagogia, se acentue uma imensa fractura entre os partidos do bloco central. Porquê? Porque da ilusão de alternativa e de antagonismo depende a sobrevivência do espectro partidário que suporta e de que se alimenta a IIIª república. Entendo muito bem o jogo de sombras em que o CDS dramatiza um papel de “polícia bom” reclamando espaço e diálogo com António José Seguro e seus rapazes. Obviamente que eles farão os impossíveis para não serem infectados nem com uma gota mais que seja da amarga bateria de antibióticos que os próprios prescreveram em parceria com os nossos credores.
Acontece que numa situação destas o jogo político revela-se extremamente básico, e os socialistas só têm uma de duas escolhas a optar: ou à distância do camarote, refastelados se resguardam das impopulares medidas que a coligação com o beneplácito do nosso semipresidente está legitimada a empreender, limitando-se a gerir um "mau ambiente controlado" sempre que possível no limite da ruptura, aguardando por uma meteorologia financeira e eleitoral de feição; ou optam por uma suicidária estratégia de cooperação discreta em que arriscam um desnecessário contágio de erosão que significaria um extraordinário brinde aos partidos da esquerda extrema. Claro que tudo isto são equilíbrios precários muito difíceis de administrar, só possível com muita exaltação demagógica que convida à vertigem e ao erro, coisa que numa situação como a que vivemos pode significar uma desgraça ainda maior para os portugueses, como seria o caso de um segundo resgate. Ou seja, na melhor das hipóteses não se augura nada de bom. Tenham medo, portanto. Muito medo!

 

Imagem Público

Uma bela canção

Esta é a versão original de Los piconeros (os carvoeiros), com letra de Ramón Perelló e música de Juan Mostazo. Cantada por de Imperio Argentina celebriza-se em plena Guerra Civil espanhola quando a cantora protagonizou uma versão cinematográfica da Carmen, de Prosper Mérimée. O filme, de índole tradicionalista, veicula os valores da espanholidade defendidos por Franco e pela Falange. Existem muitas versões desta bela canção, inclusivamente uma cantada por Amália.

 

Lançamento "Liberdade 232"

 

Foi para mim um fim de tarde extraordinário ontem numa sala repletas de bons amigos a apresentação pública do Livro "Liberdade 232" no Instituto Amaro da Costa, com a apresentação do escritor Francisco José Viegas, do Rev. Padre Pedro Quintela e do Nuno Pombo. Para aqueles que não puderam estar presentes, é fácil de adquirir o livro autografado pelo aqui no sítio oficial


João Távora, Francisco José Viegas, Rev. Padre Pedro Quintela


Uma calorosa plateia de amigos

Fotos: Ozias Filho

Liberdade 232

 

"Liberdade 232" é uma selecção dos meus comentários, crónicas e memórias num livro com 192 páginas ilustrado com fotografias de Osias Filho, com prefácio de Henrique Raposo. O lançamento do livro, para a qual convido desde já todos os meus seguidores nestas lides dos blogs, terá lugar no próximo dia 9 de Abril no Instituto Amaro da Costa , na Rua do Patrocínio nº 128-A em Campo d'Ourique pelas 18,30 hs. e contará com a apresentação do escritor Francisco José Viegas e do Rev. Padre Pedro Quintela

 

Mais informações e comprar aqui.

Assim não vamos lá, Dr Sampaio

 

Seria triste se não fosse trágico: Daniel Sampaio que com o irmão presidente da república, como outros notáveis do regime há muitos anos rondam os camarotes do poder em Alvalade, aproveita o palco que o seu apelido proporciona para numa lamentável entrevista ao Diário de Notícias fazer a mais baixa intriga política no Sporting.
Mas questiono-me como é possível que uma pessoa supostamente evoluída culturalmente debite pérolas como estas: "O Sporting tem na sua génese uma coisa terrível, ter sido fundado por um visconde". Esta alarvidade atirada à História do meu clube é antes de mais não ter a mínima noção de como no século XIX era tão ou mais vulgar ser Visconde do que hoje Comendador da república, coisa que não tem nada que ver com as origens sociais mas com o reconhecimento do mérito por parte do regime. Esta perspectiva fracturante e divisionista é reafirmada em vários momentos da entrevista do psiquiatra Sampaio, onde no meio de muita lavagem de roupa suja arremessa esta atoarda: “Daqui a um ano posso ter uma má opinião sobre Bruno de Carvalho, mas ele vai ter uma prática diferente. Ele é um homem do povo, não é um marquês. E ainda bem. Estou farto de sportinguistas de consoantes dobradas que deram cabo do clube.” Puro classismo, racismo social, como se as pessoas tivessem responsabilidades nos apelidos que herdam.
Não haverá coisa mais terrível para o Sporting do que fundar o novo capítulo da sua história com uma narrativa de terra queimada, populista, sectária e ressabiada.
Abananados com a profunda crise financeira, o ambiente neste país está cada vez mais insuportável, ressuscitada a luta de classes numa retórica cada vez mais fracturante quase bélica. Um facto lastimável que não gostaria de ver espelhado no meu clube do coração. Como Portugal é de todos os Portugueses, o Sporting é de todos os sportinguistas e nenhum adepto é negligenciável, seja qual for a ideologia que professe ou sobrenome que exiba. 

 

Imagem: José Abrantes - direitos reservados

Publicado originalmente aqui

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