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João Távora

Rui Patrício

 

Os dois recentes erros graves cometidos nos jogos com Israel pela Selecção e no derby pelo Sporting são a excepção à regra que caracteriza um guarda-redes de qualidades invulgares como Rui Patrício. Graves erros só acontecem aos guarda-redes de classe, com presença assídua em grandes palcos onde, destacados pelos holofotes, se confrontam com enormes desafios de superação individual. 
Promovido à equipa principal do Sporting por Paulo Bento que o conhecia bem dos escalões juniores em que fora seu treinador, Rui Patrício estreou-se em Novembro de 2006 com apenas 18 anos contra o Marítimo com a defesa de um penalti que garantiu a vitória à equipa. Era o culminar dum percurso iniciado aos doze anos quando, transferido de Marrazes do conselho de Leiria de onde é natural, veio para Alvalade ganhar uns trocos. 
De origens humildes, Rui Patrício, desde cedo ostenta uma estatura física e de carácter muito acima do vulgar, e vem demonstrando ao longo da sua carreira uma enorme capacidade de trabalho aliada a uma invulgar perseverança; qualidades que, a par do seu inegável talento com os pés e nas alturas, nos levam a acreditar que continuará a destacar-se por muitos e bons anos entre os seus congéneres nacionais. Não fosse o seu nome distinto por ser o de de um herói ímpar do cristianismo, do apóstolo da Irlanda, missionário da Grã Bretanha, Patrício é um nome que cai como uma luva ao defensor das redes da equipa Pátria, lugar que no onze contém uma mística excepcional só comparável à do jogador do outro extremo que marca os golos. Não só por isso um orgulho para os sportinguistas que se reconhecem no coração de Leão que lhe bate ao peito e transparece da camisola das quinas, e tão obscuros sentimentos inflama nos adeptos das equipas rivais. 

Ora acontece que a eternidade do Olimpo é privilégio de poucos, só acessível a quem pela fidelidade a uma divisa, a um emblema, logrou conquistar o coração às suas gentes; uma utopia pouco em voga por estes dias em que a lógica mercantilista é preponderante na gestão das carreiras desportivas. Não será esse o caso do Rui Patrício que soube sofrer, crescer e afirmar-se na baliza do Sporting onde sem dúvida por estes dias já deixou marca no coração dos adeptos leoninos e um lugar na história do clube. Onde só falta um “bocadinho assim” até ao Céu: a consumação de um final feliz, que é o título de Campeão Nacional. 

 

Publicado originalmente aqui

 

Heróis do Mar

 

Não tenho muita paciência para o discurso azedo ou ressabiado de alguns pseudo-intelectuais que surge sempre que o futebol luso triunfa internacionalmente. Não me parece inteligente menosprezar uma “arte” como essa que move tanta paixão pelo mundo fora, uma "indústria" capaz de engrandecer o nome do País e desse modo acalentar tanto entusiasmo e orgulho pelos corações lusófonos espalhados pelos cinco continentes. Não é despiciendo o facto de Cristiano Ronaldo ser hoje um ídolo à escala mundial. A participação da selecção portuguesa no campeonato do Mundo de futebol no Brasil possui inegável valor simbólico na afirmação da grande pátria fundada pelos bravos descobridores portugueses de quinhentos, cujo espírito deveríamos sempre saber honrar.

E reparem bem como lá no meio da bandeira ainda figuram as armas de Portugal.

 

Foto DN

Um tributo à Bola de Berlim

Foi uma genuína homenagem ao cada vez mais raro Bolo de Arroz autêntico que o Padre Tolentino de Mendonça consagrou em tempos numa numa sua crónica no Expresso, que inspirou estas linhas que hoje dedico à tão portuguesa “Bola”, que como veremos "de Berlim" tem muito pouco. E que me perdoe o Duarte Calvão esta tão simplória mas franca incursão aos seus territórios da culinária e gastronomia, no caso a despretensiosa pastelaria portuguesa.
Se a Bola de Berlim é há muito um inegável megassucesso universal, um precoce sinal da globalização, acontece que as versões recriadas em cada País têm tanto em comum quanto o seu modo de pronunciar: de Berliner Pfannkuchen ou Berliner Ballen na Alemanha onde são recheadas com compota, ao Sonho no Brasil com “doce de leite”, passando pelo Sufganiyah de Israel, ou  Borlas de Fraile como são conhecidas na Argentina e no Uruguai, ao Doughnut anglo-saxónico cujo recheio é, como bem sabemos, um buraco no meio (são danados para o negócio os bifes). Por exemplo em Essen  na Renânia do Norte-Vestfália, chamam-lhes Kreppel, e apesar de serem em argola, eu vi-as serem vendidas na rua quase do tamanho dum Pão Saloio (são uns bárbaros estes germanos). No fundo estes bolos pelo mundo fora, apenas partilham do facto de serem redondos, fritos e feitos com  farinha doce com fermento, o que convenhamos não é muito. Mesmo na pastelaria portuguesa, ou de Lisboa onde as Bolas de Berlim "com ou sem creme de pasteleiro” são mais populares, o seu sabor difere completamente de fabricante para fabricante.  
Se é certo que na infância uma oleosa Bola de Berlim de quinze tostões comprada na padaria em frente à escola numa manhã gelada de Inverno nos fazia as delicias - até porque o critério preço/tamanho era decisivo - um parecido fenómeno sucede ainda hoje ao fim de três horas de jejum e actividade física ao ar quente e oxigenado de uma praia, com o apetite ao rubro. Também recordo as Bolas assim quentinhas que se vendiam em Alcântara noite louca adentro onde fazíamos bicha de madrugada para serenarmos os ânimos e aconchegar o estômago mal tratado. E se a meio de uma viagem formos assaltados por um bichinho no estômago, também é verdade que numa estação de serviço um Doughnut até marcha e é bem capaz de nos poupar uma má surpresa.  
Mas acontece que há uma receita de Bola de Berlim que em mim resulta um pouco como a célebre Madalena com chá de Proust em ”Do Lado de Swann”. Distingue-se pela sua uma massa leve, fofa e amarelada, exclusivamente pelas propriedades do ovo, e com um fino sabor amargo-doce no final. Esta Bola de Berlim ideal, que vos garanto define um bom pasteleiro, dispensa o creme: o açúcar cristalizado que adere à suave camada exterior, fina e bronzeada é recheio que baste. Ainda a encontramos, por exemplo, na Pastelaria Aloma em Campo d’ Ourique e na Garrett no Estoril, locais onde garantidamente vale a pena peregrinar para fruir uma autêntica experiência divinal, metafísica. 

 

Foto: Wikipedia

Verdades inconvenientes e a taxa redentora

O economista José Silva Lopes afirmou hoje que a taxa de juro sugerida por Rui Machete para evitar um 2º resgate é o máximo «tolerável» e defendeu até que o limite devia ser mais baixo.

 

Até concedo que a nomeação de Rui Machete tenha sido mais uma aselhice de Passos Coelho, afinal o maior pilantra à face da terra. Mas porque desconfio de unanimismos, no que às recentes declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros refere, deixem-me que vos diga que elas têm o condão de recentrarem por momentos a nossa agenda política no ponto certo, mesmo que inconveniente para o jogo de sombras da política. Recapitulemos, então: na impossibilidade do Estado se financiar nos mercados para cumprir as suas obrigações, o governo socialista em 2011 negociou e assinou um memorandum (o qual todos os comentadores regimentais referiam ser demasiado exigente para quatro anos, facto que impossibilitaria os gabinetes de quaisquer veleidades - leia-se "ideologia") que coloca o país sob protectorado dum sindicato de financiadores, sob a condição de um duríssimo ajustamento económico-financeiro. Por mais que alguns pretendam hoje fazer passar despercebido, eram desde o início facilmente previsíveis os resultados (ou a falta deles) da terapêutica a que estávamos destinados. Enquanto a verdade for tratada como mera inconveniência, estamos condenados a esta austera, apagada e vil tristeza

 

Foto Público

Um crer imenso e uma raça indómita

Na equipa do Sporting, um crer imenso e uma raça indómita não chegam para suprir as carências de maturidade. Se é certo que pontua qualidade nalguns jogadores, onde até se vislumbram diamantes em estado bruto, salta à vista que a culpa da derrota de ontem com o Benfica para a Taça de Portugal não foi da arbitragem. Essa desculpa não servirá de entretenimento para todo o período de crescimento que ainda temos que suportar. Sempre com um crer imenso e uma raça indómita. 

Não se percebe a euforia

O “inquérito distribuído às paróquias” chama-se "documento preparatório" e afinal não é mais do que um preceito tradicional da Igreja que sempre existiu a anteceder os Sínodo dos Bispos. O que decorrerá no ano que vem será dedicado ao tema «Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização» e dele não se deve esperar nenhuma revolução. De resto é evidente que os Papa Bento e Francisco têm diferentes carismas. Como eu costumo dizer, as desilusões são sempre fruto de ilusões.

O busílis da questão

Quando pelo final dos anos setenta a qualidade da gravação e de fabrico de discos atingiu o seu auge, um dos maiores desafios dos fabricantes de gira-discos high end era a erradicação de qualquer interferência na leitura do disco, por exemplo com com cabeças de bobine móvel extremamente sensíveis, do atrito provocado pelos elementos mecânicos da máquina.

É nesse sentido que a tão celebrada invenção do CD surge ironicamente aos ouvidos exigentes como a solução que reúne o pior dos dois mundos, seja digital ou analógico: deste último herda a o inevitável atrito da rotação do disco; do digital recebe a sua sempre limitada capacidade de abarcar o infindável espectro de frequências sonoras, desmontadas "em zeros e uns", que resulta em informação deficitária. O busílis encontra solução quase perfeita por estes dias na completa desmaterialização do registo sonoro, através de soluções em (muito) alta resolução (por exemplo em formato FLAC ou ALAC - Apple Lossless Audio Codec) por streaming ou armazenados em suportes electrónicos livres de elementos mecânicos como os ipods ou até um simples cartão de memória, claro, reproduzidos por um competente e maciço sistema de hi-fi. Essa é uma revolução difícil de integrar por quem como eu tanto gosta de “manusear” as suas obras musicais predilectas, apreciar a beleza gráfica da sua capa e folhear a informação complementar enquanto vinte minutos de sólido e degradável som total se vão desenrolando a 33.3 rotações no velho gira-discos para ecoarem com naturalidade numas inevitavelmente pesadas e grandes colunas.

Lou Reed - uma homenagem

“Não sei se as minhas expectativas são muito altas, sei que são muito difíceis. Quero ser o maior escritor que alguma vez viveu nesta terra de Deus. Falo de Shakespeare, Dostoiévski… Quero ser um escritor que faça rock and roll que se possa comparar a Os Irmãos Karamazov… quero começar a construir um corpo de obras. Sei que posso soar pretensioso e é por isso que normalmente nem digo nada. Prefiro ficar calado.”

 

Lou Reed 1979 em entrevista ao New Musical Express
Via Blitz 

 

Contactei pela primeira vez com as canções de Lou Reed, por volta de 1976 através do seu álbum Lou Reed Live que ainda hoje guardo e que de tão gasto pelo uso no gira-discos mais parece um ovo a estrelar. Porque a vertigem daqueles anos loucos não auguravam um final feliz, o meu fascínio pelo lado selvagem e pela obra de Reed foram esfriando mais tarde. Hoje reconheço que ele foi um dos maiores poetas da decadência ocidental, da cultura urbano-depressiva emanada dos bas-fonds de Grande Maçã, que marcou toda uma geração desassossegada com tanta Liberdade e bem-estar. Foi assim que, por uma questão de sanidade, os valores estéticos que fui recuperando afastaram-me da sua obra, que no entanto mantenho como superior, talvez perpétua.
Depois de há algumas semanas me chocar com a interpretação de Solsbury Hill de Gabriel que eu mal sonhava vir a ser a sua última (generosa) prestação, Lou Reed acaba por se me revelar nestes dias de revisitação, como um autêntico aristocrata da cultura rock and roll, rodeado pela qual eu cresci e me fiz gente. De resto acredito que a misericórdia de Deus é redobrada no que respeita aos poetas e artistas, que da transcendente dor que sustem a sua essência, no acto de libertação que resulta a sua criatividade, de forma tão sublime espelham a matriz divina da espécie humana.