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João Távora

Uma rede de afectos (2)

Aqui está a minha curta intervenção ontem no Prós e Contras (logo ao início da 2ª parte) a propósito das redes sociais e o Facebook em particular. Admito que assim isolada pareça leviana - não pude desenvolver algumas das ideias lançadas. Talvez problema do formato do programa, pareceu-me que o debate acabou sendo monopolizado por quem pouco percebe do assunto e talvez pudesse ter sido bem mais esclarecedor. Muitos terríveis fantasmas foram acenados e ficaram a pairar. 

 

Uma rede de afectos


 

Dez anos passados sobre o surgimento do Facebook proponho uma abordagem diferente que não seja pela perspectiva dos mitos da privacidade e segurança ou dos proveitos profissionais e empresariais do âmbito das “relações públicas” que esta popular plataforma proporciona.

Não é despiciendo que a montante do fenómeno da adesão massiva a esta rede virtual se encontre a democratização da internet em banda larga, e não menos importante a sua portabilidade através dos mais variados dispositivos. Essa massificação remete-nos assim necessariamente para as zonas do planeta mais prósperas economicamente, e também não seria expectável que o Facebook não reflectisse a realidade sociocultural de que emerge, com toda a vulgaridade ou elevação que os seus indivíduos são capazes.
O facto é que as redes sociais proporcionaram o acesso simples das pessoas a diferentes círculos de pertença, que mesmo virtuais correspondem de alguma forma às suas expectativas, assim mesmo se sentindo mais interventivas em diferentes âmbitos e interesses, do familiar ao clube desportivo, até à associação política ou cultural. Se é verdade que pode ser perversa a ilusão de participação criada pela actuação virtual, não podemos ter a arrogância de pensar que as redes de "amizades" que cada utilizador recria através desta plataforma digital não proporcionem legítima e concreta realização afectiva. Por exemplo desde sempre que se partilham em diferentes círculos, profissionais e outros, fotografias das férias, dos netos ou de solenidades familiares, só que agora alargam-se os círculos e vencem-se distâncias físicas. Nesse sentido, toda esta assombrosa “revolução” muito atreita a equívocos e imprudências vem requerendo à generalidade das pessoas a aquisição de competências básicas na gestão da sua imagem pública, que não é mais do que a aplicação das mais óbvias regras do bom senso na gestão das relações interpessoais. Isso deve ser tomado como algo positivo. 
Os medos e resistências ao fenómeno das redes sociais ou de auto-edição vêm lentamente diminuindo de intensidade ao mesmo tempo que a racionalidade se impõe à mistificação. O certo é que grande discussão e polémica aconteceram no último quartel do Séc. XIX por ocasião da vulgarização da máquina fotográfica, quando as pessoas comuns tinham medo de aparecer numa fotografia. E no final do Séc. XX toda a gente encarava com naturalidade ver o seu nome e morada descaradamente publicados em letra de forma na Lista Telefónica, o livro de maior tiragem e mais popular naquela época. A rede de  Mark Zuckerberg sendo essencialmente recreativa também tem o mérito de vir distribuindo algum entretenimento e companhia de modo democrático a muita gente, mais ou menos expansiva ou solitária.

 

Publicado originalmente aqui

 

PS.: Amanhã dia 24 às 22,30 estarei no programa Prós e Contras dedicado ao Facebook: dez anos depois o que terá mudado nas nossas vidasesta rede social?

 

O inferno somos nós

É um magnífico artigo de Eduardo Paz Ferreira chamado “O Papa que vai a Lampedusa mas não vai a Davos” do Expresso de hoje que inspira esta prosa. Este título é todo ele um tratado, se não vejamos: de facto Cristo actua no coração das pessoas, não nos "sistemas", e sempre que a Igreja cedeu a essa tentação (ou foi por eles foi capturada) não resultou bem. De resto o mais salutar é duvidarmos dos "engenharias políticas", senão façamos como que um zoom out: todos os dias testemunhamos com mais ou menos profundidade a “perversidade humana” (sempre convenientemente alheia), se não na nossa pele, através do sofrimento dum parente chegado, de um familiar desempregado, do vizinho velho votado ao abandono, ou na obscena praga dos sem-abrigo do nosso bairro. Mas desloquemo-nos deste prisma “paroquial” e detenhamo-nos na escala sucessivamente nacional, continental e finalmente global que tem no drama de Lampedusa um poderoso Ícone, e ponderemos como resultaria um “modelo” eficiente que pusesse termo a nível planetário a todas as atrocidades que atropelam a sagrada dignidade de cada ser humano concreto. Como a História nos comprova, qualquer “sistema” está condenado ao desprezo do individuo no seu livre-arbitrio, e actuaria de forma opressiva sobre cada um, sua comunidade e seus legítimos interesses, apagando ou redesenhando fronteiras, limites à propriedade, administrando artificialmente o sucesso pessoal ou colectivo de uns em detrimento de outros. Caídos na tentação de “cortar a direito” no fabrico de um mundo novo, o resultado não estaria longe de um banho de sangue.
A mensagem de Cristo é inequívoca e contrária ao discurso sartriano enraizado na adolescentrocracia do Ocidente: o inferno não são os outros. Esse inferno somos nós e como um incêndio propaga-se na medida da (in) capacidade de cada um a dar quotidianamente forma ao Amor (que não o do sentimentalismo de John Lennon, mas no sentido de abnegação e entrega) que devemos pelo próximo. É por isto que o Papa Francisco não vai a Davos - ele não é liberal nem socialista, apenas pretende desafiar cada um de nós para o único caminho possível de salvação: aquele que é inspirado em Jesus Cristo.  

intuição

É do cume duma montanha que melhor observamos o Mundo, mas é na profundidade de uma gruta que melhor o compreendemos. 

O que nasce torto...

Em conversa há alguns dias alguém me dizia que a catalogação Esquerda e Direita no espectro da política já não fazia sentido. No meu entender ela mais do que nunca é necessária, assim haja espaço para a pluralidade de perespectivas e que eu saiba os conservadores ainda se sentam no lado direito da bancada parlamentar. O que melhor define a Direita no meu entender, não é tanto a questão da economia mais ou menos liberal, é antes a convicção de que é com uma atitude conservadora que se alcança o verdadeiro progresso. Porque são os indivíduos livres, na sua imensa complexidade e contradições, com os seus desejos, frustrações e atitudes que, de forma orgânica, operam na realidade social e económica. Ao contrário, a esquerda tende a desculpabilizar as pessoas,  imputando as responsabilidades pelo status quo ao "sistema", uma entidade abstrata, convenientemente diabolizada. De nada serviu matar o rei, a realidade impôs-se e as coisas só pioraram. 

É nesse sentido que a Direita deve desconfiar do construtivismo social, a pretensão da mudança de hábitos e  costumes por decreto de uns quantos "iluminados". Porque não se legisla o amor, a honestidade nem o empreendedorismo - factores decisivos para um Mundo melhor.  Os decretos políticos são sempre soluções ortopédicas que no imediato pouco interferem com a realidade, e está comprovado que o estoicismo é atributo que hoje em dia não se vende bem - ninguém mais quer vestir a pele do casto e magnânimo Cavaleiro Branco. 
Depois, não se promulga o desenvolvimento de uma Nação, este depende das escolhas e atitudes das pessoas que a constituem, com a sua história ou falta dela. Curioso como na sua origem etimológica, a palavra “revolução” (revolutĭo, - ōnis) nada tem a ver com "progresso" antes significa "rotação" o retorno para o ponto de partida. Por exemplo, não se pode andar duzentos anos a promover o Individualismo e o Hedonismo, enquanto ao mesmo tempo se combate a Religião e a Aristocracia, e virem depois (agora) os poderes políticos aflitos exigir resultados rápidos de um decreto contra a crise da natalidade. Tal como não é possível imobilizar a marcha de um longo e pesado comboio em cinquenta metros, vai demorar muito tempo a travar a decadência do Ocidente democrático.  

 

Em choque

É possível estarmos uma eternidade sem saber de um velho amigo de outras vidas, daqueles fortes que nos assaltam os sonhos, e receber a notícia de que ele se suicidou há mais de vinte anos? É, e hoje dormi mal a pensar no assunto.

 

Da vacuidade

Coisa linda da pós-modernidade é sermos imensa coisa e nada “como cidadãos” que é mais ou menos o âmbito administrativo do conceito de Pessoa Humana: ele é o consumidor “como cidadão”, o utente “como cidadão”, o leitor “como cidadão”, o contribuinte "como cidadão"... etc. Pela minha parte, como criatura de Deus vos digo que não há mais saco para “o cidadão”.