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João Távora

Muito obrigado, Sr. Carlucci

 

Da excelente entrevista de Ricardo Lourenço a Frank Carlucci para a Revista do Expresso de ontem dia 25 de Abril, é arrepiante constatar a dimensão humana, plausível, das decisões que acabam por mudar tão dramaticamente o rumo da história, no lugar das fantasmagóricas teorias da conspiração com que tantos acalentam a sua ilusão de impotência. Ou de como naqueles anos estouvados da nossa História, foi por uma unha negra que nos salvámos dum trágico destino. A realidade é, o mais das vezes, feita de uma arrepiante simplicidade. 

Monarquia TV

Aqui estão algumas ideias por mim expressas numa entrevista à Monarquia TV, um meritório projecto de comunicação que dá os primeiros passos e que merece a atenção de todos.  Aqui, no Youtube ou no MEO, canal nº 555412.

Nomes e apelidos

 

A mensagem mais importante que eu tencionava passar, desta que considero uma “história de resistência” (aqui acrescentada e corrigida), é de que a valiosa herança familiar de cada um é essencialmente imaterial, e pode-nos chegar simplesmente plasmada nos apelidos que exibimos - a nossa origem familiar como uma micro-cultura. É essa a mensagem que transmito aos meus filhos: de que o mais valioso legado que recebemos, é assimilado à mesa, nas conversas escutadas em casa ou nas dos avós e dos tios; dos livros nas suas e nossas estantes, é um legado recebido através de testemunhos vivos, de crónicas, de tradições, de histórias ou lendas, e até de acidentes, tragédias e traições. Um legado que recoloque a cada geração as expectativas, o ponto de partida dos seus sonhos e ambições, sempre em superiores níveis de exigência. 

Democratizado o consumo e franqueadas as portas da mobilidade social, é o sentido da responsabilidade duma pertença que nos concede o nosso nome que se nos exige transmitir às novas gerações. Trata-se afinal de um mecanismo impulsionador de civilização que urge ser cultivado e devidamente democratizado. 

 

Na imagem: Palácio dos marqueses de Abrantes, foto CML.

 

A outra casa de Abrantes ou uma história de resistência

Com uma pose bem-humorada pouco comum numa fotografia
de família do início do século XX (algures em 1908/9) aqui se apresentam,
de cima para baixo, a minha tia avó Carlota,
o meu avô José Maria de Lancastre e Távora
e os meus tios avós, Pedro, Rita e Luísa.

 

Num recanto paradisíaco de Lisboa entre Campo de Ourique e a Lapa, em frente a um prazenteiro chafariz ficava a casa para onde se mudaram no início dos anos quarenta os meus avós paternos, que hoje faço o mote das memórias que aqui partilho.

Não conheci o meu avô José, que morreu três meses depois de eu nascer: muito culto e severo, segundo rezam as crónicas do meu Pai, teve uma vida aventurosa entre a universidade onde a revolução da república o apanhou - e que não abandonou apesar de tudo - as incursões monárquicas que incorporou mais tarde com Paiva Couceiro, depois o exílio político, e finalmente a Iª Grande Guerra nas fileiras da Legião Estrangeira em que se alistou na Bélgica. Com temperamento pragmático, terá sido o primeiro membro da sua família tradicionalista, da antiga nobreza de Portugal, a completar um curso superior, opção que lhe veio a proporcionar uma profissão como engenheiro civil e a independência necessária para fazer face às mudanças de estilo de vida que no início do século XX pela Europa fora se radicalizavam. A fortuna da família que resistira às reformas e perseguições dos liberais, ao fim dos morgadios e a décadas de oneroso apoio ao Rei Dom Miguel, não resistiria às despesas do exílio da família em St Jean de Luz nos durante a 1ª república, à crise económica decorrente da Guerra e a uma manifesta falta de bom senso que a realidade exigia. A venda do Palácio de Santos ao Estado Francês foi consumada pelo meu bisavô João em 1917.

O exílio do meu Avô terminaria 1935 quendo regressou do Luxemburgo sete anos após o seu casamento com Maria Emília Casal Ribeiro Ulrich, senhora quase vinte anos mais nova: foi a minha madrinha, uma pessoa austera mas conversadora espirituosa, que recordo com saudade, de volta dos seus tricots, livros, ou até a assistir à transmissão dum relato de futebol ou ao Grande Prémio de Fórmula I, modalidades de que era entusiasta. 

Outra personalidade inesquecível desta casa que a adoptou e de que era alma também, era a Tia Lalita, sobrinha direita do meu avô, solteira sem filhos e extremamente amiga da minha Avó, que acompanhou até aos seus últimos dias. Lembro-me bem da sua companhia em tardes soalheiras a costurar, numa pequena salinha aproveitada duma marquise, enquanto eu me entretinha com construções de Lego, a desfolhar livros da Becassine ou revistas do Cavaleiro Andante, todos sob o olhar atento do papagaio Jacó. Lembro-me também dos passeios que dávamos para os lados de Belém no Volkswagen carocha que a minha avó conduzia com desenvoltura. Consta que terá sido das primeiras senhoras em Portugal a tirar a carta de condução. 

A casa dos meus avós Abrantes tinha algumas particularidades engraçadas: contrastando com os móveis antigos e os pesados quadros a óleo dos nossos antepassados, era equipada com tecnologias  na época pouco usuais aos meus olhos, como uma grande televisão com comando à distância – por fio se bem me recordo - torneiras com misturadoras na casa de banho, centrifugadora para sumos e outros prodigiosos electrodomésticos. Para gáudio dos netos dispunha dum encantador jardim rectangular com limoeiros, onde podíamos correr e sujar de forma controlada. Era uma casa com uma área não muito grande, mas em três andares e com uma organização logística muito moderna para a altura. No rés-do-chão vivia a Lurdes, a exímia cozinheira da casa e o seu marido Manuel Brito, motorista, com os filhos José e Maria Emília. Era no mesmo andar onde se situava a garagem e uma lavandaria com espantosa maquinaria, que estava na origem dos fascinantes ribeiros, às vezes com espuma e outras não, que corriam em direcção ao muro das escadas para uma misterioso “túnel” escuro, que servia para inúmeras brincadeiras com carrinhos, bonecos e pauzinhos. Foi nesse espaço mágico onde a determinada altura vivia escondida entre o carvoeiro e as capoeiras uma corsa assustadiça de focinho húmido - Seiça de seu nome. Tinha muito medo de mim e dos meus irmãos provávelmente com razão. Numa das janelas

rebaixadas sobre o jardim encontrava-se por vezes a Aninhas atrás da sua máquina de costura, muito velhinha, de que me lembro ouvir queixar-se dos olhos consumidos pelo trabalho...
Uma particularidade inédita desta casa - presumo que por influência do declive da rua - era uma zona, particularmente no segundo andar onde ficava a sala de televisão, em que o sobrado inclinava ligeiramente, favorecendo as corridas com os automóveis miniatura. Da janela dessa sala, nos dias de calor era comum eu observar num misto de inveja e repugnância, a miudagem a banhar-se com espalhafato no chafariz da rua, perante a condescendência do polícia de guarda à embaixada da Suíça, elegante edifício que com a fachada cor-de-rosa fazia do todo um quadro pitoresco.  

De resto, a memória feliz que guardo das vezes que fiquei a dormir na Travessa do Patrocínio, é a sensação de viver no campo que se tinha ao levantar pela manhã; sem ruído de automóveis e com a perfusão de chilrear dos pássaros. Apenas interrompida pelo ecoar do altifalante do centro de saúde da Caixa de Previdência ali mesmo à esquina. Exóticas sensações e panoramas que ainda hoje se podem vivenciar em muitos microcosmos de intimidade quase bucólica, afinal bem no centro da cidade de Lisboa.

Patrocinio2.jpg

Fotografias:

1 - Arquivo de família

2 - A casa no final do século XIX - Arquivo da C.M.L.
3 - Perspectiva do Chafariz, por Ozias Filho
4 - Aspecto actual, por Ozias Filho

Um Mellotron para José Cid

 

José Cid recuperou recentemente para levar aos palcos o seu disco "10 000 anos depois entre Vénus e Marte", uma sua magnífica criação tão incompreendida na época, mas que se veio a revelar o maior fenómeno da produção fonográfica lusa: o álbum original de 1978 atinge hoje facilmente os 300,00 € no mercado de segunda mão. Chamou-me à atenção na sua entrevista publicada no jornal i que não foi possível incluir o Mellotron nos instrumentos em palco: de sonoridade inconfundível, este instrumento musical muito utilizado pelas bandas de rock progressivo nos anos sessenta e setenta, é um teclado electromecânico polifónico constituído por um “banco” de fitas magnéticas pré-gravadas com oito segundos de duração. Muito frágil e difícil de transportar, a sua sonoridade ficará imortalizada, por exemplo no ínicio de Strawberry Fields Forever dos Beatles, em The Court of the Crimson King dos  King Crimson, ou mais sofisticadamente neste fabuloso tema Silent Sorrow In Empty Boats dos Genesis, em que Tony Banks explora magistralmente o instrumento (por coincidência um exemplar adquirido aos King Crimson) "programado" para reproduzir pelas suas teclas coros humanos de oito vozes. Curioso é como uma modernice dos tempos da nossa juventude, em cinquenta anos cai em desuso e se transforma num objecto de colecção, numa curiosidade de museu. Obviamente nenhum computador conseguirá reproduzir a sua sonoridade original, e o José Cid saberá disso certamente. 

 

Publicado orininalmente aqui.

 

Natalidade

Quando o “eu” se torna o mais importante na existência, os nossos corações minguam até ao tamanho do umbigo. Podem até cair e perderem-se lá dentro nas trevas. 

Resistir até à morte

 

Já por diversas vezes abordamos as virtudes e virtualidades das redes de media-social no âmbito da facilitada tarefa de auto-edição, seja em texto, imagem ou audiovisual, e a ameaça que essas plataformas vêm representando para os media tradicionais de quem acabam por ser concorrentes.

Um dos mais bem-sucedidos casos é sem dúvida o Youtube que, com enorme sucesso global, vem desviando público e receitas publicitárias às televisões, através de uma radical alteração de paradigma na produção e distribuição de conteúdos, que desta forma vem sendo democratizada de forma dramática.

Irónico é verificarmos como os media tradicionais, apesar de pressionados com a queda das receitas publicitárias de um modelo claramente em declínio, resistem aderir à web 2.0, agora que vivemos a web 3.0, ou “web semântica”, virada para a experiência de utilização e para os condicionalismos do meio (localização do utilizador, equipamento utilizado, design líquido, etc.).

Feita uma análise aos “players” de internet das principais operadoras de TV nacionais, para lá de não estarem devidamente adequados aos dispositivos móveis, é curioso verificar como persistem na tentação de segurar o visitante dentro dos seus pesados websites, talvez devido a alguma absurda política de branding, ou quem sabe por um inadequado modelo de exploração publicitária ou de cross selling do material neles disponibilizado numa coerência editorial própria.

Com esta estratégia de custos incalculáveis, a disseminação viral dos vídeos é reprimida, coisa que não parece fazer sentido, a partir do momento que é tão fácil reproduzir a fórmula do Youtube, em que cada “filme” é rentabilizado por um anúncio nele integrado, estando o mesmo munido de um sistema de análise estatística e de botões emissores de códigos para facilitação de partilha em diferentes contextos web externos, como blogs, sites, e toda a sorte de redes sociais. Mesmo aqueles sites como o da RTP que disponibilizam botões de partilha, exceptuando o caso do código para o Facebook, exigem a contextualização do conteúdo “dentro de portas” através de um URL.

Esta estranha política, que não sendo causada por limitações técnicas, só se explica por uma enorme dificuldade dos media tradicionais fazerem o "paradigm shift" (mudança do paradigma), fenómeno que afinal vem potenciar toda a pirataria feita pelos utilizadores das plataformas social media como o Youtube, que pelas razões já enumeradas permitem potenciar a viralidade desses conteúdos dando-lhes asas.

Certamente que o factor de custos mais pesado na indústria do audiovisual é a criação de conteúdos. Ou seja, os grandes grupos de comunicação desenvolvem e possuem a matéria-prima, para depois descurar a sua difusão, e por consequência na sua rentabilização. Fará sentido resistir assim teimosamente até à morte, ou será que ainda pretendem um dia destes reivindicar subsídios ao Estado?

 

 com Hugo Salvado

 

Publicado originalmente aqui

Assim não vamos lá

Um jornal de referência de um País que não quer ter filhos entrega a tarefa de escrever um artigo sobe a natalidade à Fernanda Câncio. Assim, o Diário de Notícias presenteou ontem os seus leitores com "Uma barragem contra o Pacífico" (pretensioso título aproveitado do romance de Marguerite Duras) um longo artigo sobre as escolhas da maternidade e a crise demográfica, exactamente da autoria da conhecida jornalista. É assim a modos que encarregar José Pinto-Coelho, presidente do PNR, para escrever uma peça sobre o 25 de Abril quarenta anos depois. 
Como seria de esperar, da questão base, de mais, menos ou nenhum filho, o texto descamba para uma minuciosa contabilidade de deves e haveres relativos à discriminação sobre a mulher e igualdade de género, sem esquecer a opressão da culpa que se abate sobre as cerca de 8% das mulheres que não querem ter filhos. E a crise do governo Passos Coelho, sempre implícita, pois claro. 
Ora como é evidente a maternidade constitui em si um atentado à igualdade de género. E como eu já referi por diversas ocasiões sou da opinião que o "inverno demográfico" em Portugal apenas pode ser invertido conjugando uma série de políticas de justiça fiscal que gratifiquem os casais com mais filhos com uma grande campanha comunicacional que ajude a relevar os aspectos positivos da maternidade e os arquétipos culturais que propiciam famílias grandes. Uma perspectiva antagónica aos paradigmas da modernidade que nos trouxeram até aqui.
E depois há a opressão da culpa das mulheres que não querem ter filhos – um bicho-de-sete-cabeças que de facto não abona em nada a natalidade. Uma questão do foro exclusivo do indivíduo: a culpa só se resolve mesmo com o perdão... e os complexos de culpa com um psicólogo. 
Mas assim não vamos lá. 

Os Abrantes

Com uma pose bem-humorada pouco comum numa fotografia de família do início do século XX (algures em 1908/9) aqui se apresentam, de cima para baixo, a minha tia avó Carlota, o meu avô José Maria de Lancastre e Távora e os meus tios avós, Pedro, Rita e Luísa. Em breve voltarei ao assunto numa pequena crónica memorialista.

 

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