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João Távora

Não me grite!

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Tenho muitas dúvidas que o abuso de adjectivos que por estes dias roça a ofensa no combate político, para além de animar as hostes acríticas, tragam alguma vantagem a um partido que não seja de "protesto". Estranho que ao final de quarenta anos de democracia na campanha eleitoral sobrevenha tamanha cacofonia feita de intolerância e insulto, que mal disfarça a falta de argumentos razoáveis. Como se algo próximo da realidade pudesse caber numa frase maniqueísta de dez palavras. A confirmarem-se no domingo os fracos resultados dos socialistas, isso dever-se-há à linguagem adoptada por Costa que teve o mérito de mascarar de radical um programa político razoavelmente moderado. Pela minha parte não tenho grande saco para esta coisa chamada de “campanha eleitoral” e estou em crer que a berraria que por estes dias domina as redacções eufóricas passa ao lado da maior parte dos portugueses, que vivem preocupados com o seu quotidiano familiar, de trabalho e contas para pagar. 

Se esta legislatura fica definitivamente marcada pela capacidade de resistência de um executivo que apesar de alguns tropeções levou a bom termo um doloroso programa de resgate financeiro, também ficou-o pelo inédito ambiente democrático e de total independência que permitiu a uma rádio pública como a Antena 1, com o apoio de Nicolau Santos, o mais fanático socialista dos jornalistas comentadores, tenha durante toda a legislatura, diária e militantemente cavalgado em horário nobre toda a sorte de descontentamento dos mais variados lobbies e grupos de pressão atingidos (ou não) pela crise. O mesmo espírito que permite a três dias do final da campanha a mesma rádio, com base numa denúncia anónima, acusar o governo de interferência na gestão de uma empresa do Estado - cuja administração já teve o cuidado de negar. É curioso verificar como afinal é "a direita radical" que dá lições de como se vive em democracia com uma cândida tolerância, que por contraste realça os tristes tempos do "animal feroz" que tudo e todos quis controlar, e nos trouxe a todos à quase falência, a triste miséria de que estamos finalmente a emergir devagar.  

O bem comum

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A democracia tem destas coisas: nunca ninguém viu uma manifestação contra o aumento da despesa, mas o pagamento da dívida pode levar o protesto para a rua.

Entretanto a Grécia vai a votos pela nona no espaço de cinco anos, a coberto de um sistema que não favorece a estabilidade. A queda dum governo legítimo da Nova Democracia deu-se na conjugação do pico do doloroso ajustamento com a falhada eleição do presidente da república no parlamento, utilizada pelos partidos como guerrilha até à sua dissolução. Veio depois o Syriza, desde então os golpes de teatro foram aqueles que todos conhecemos, e só não se pode dizer que a Grécia bateu no fundo porque está por provar que tal elemento exista em política. O empate técnico apontado pelas sondagens entre os dois maiores partidos que estão condenados a implementar um duríssimo programa de austeridade não augura nada de bom: cansados, os gregos preparam-se para um cenário de grande instabilidade de que os portugueses não estão livres - se a 4 de Outubro, na ausência de uma maioria absoluta, os políticos e as instituições não forem capazes de gerar os compromissos que o bem comum exige.

 

Publicado originalmente no Diário Económico

A crise dos refugiados

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A crise dos refugiados, suas causas e consequências no sensível mosaico das nações europeias, possui uma enorme complexidade e como tal tem que ser interpretada sob diferentes perspectivas. Infelizmente, o democrático “pensamento único” obriga a que todos a interpretemos pelo mesmo prisma, o das vítimas, homens mulheres e crianças, cujo desespero requer uma resposta urgente. Ao abalançarmo-nos para outras leituras não sujeitas ao “sentimentalismo radical”, arriscamo-nos a ser apelidados de xenófobos, que como sabemos nos dias de hoje é ignomínia que nos pode marcar por muito tempo como lepra. Nesse sentido queria destacar a coragem do Luís Naves que esteve na fronteira da Hungria e vem publicando no Delito de Opinião as suas impressões e testemunho no olho do furacão desta crise, cuja nossa percepção é pouco mais que vaga ou parcelar. Por exemplo, podemos imaginar a inquietação e a controvérsia que causaria neste jardim à beira-mar se centenas de milhares de refugiados entrassem de forma desgovernada pelas nossas fronteiras a dentro em poucas semanas? 

O que mais me espanta no “pensamento obrigatório”, maniqueísta e linear, é a indiferença que sobressai perante a questão mais hedionda que esta crise levanta: a do tráfico humano, um negócio em expansão de que todos acabamos coniventes. A par da urgência da criação de infra-estruturas e equipas de auxílio em pontos-chave para acolhimento e recenseamento dos migrantes, parece-me que urge uma operação de grande envergadura para aplacar os criminosos que se aproveitam do desespero alheio. Depois, talvez seja altura da Europa, para que se possa abrir a outros povos e costumes sem receios, reconsiderar a importância da sua matriz cultural e religiosa, sem complexos.

Confusão de narizes

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Estes dias renderiam à oposição, por exemplo, a dificuldade na venda do Novo Banco ao rubro na agenda mediática. No entanto, a “libertação” do ex-primeiro -ministro tomou-lhe o lugar de forma ensurdecedora. E tudo indica que nos próximos tempos o “animal feroz” não se inibirá de ocupar o espaço mediático que lhe for concedido. 

Acontece que os factos vindos a lume de José Sócrates a viver à grande e à francesa à custa de um amigo, com envelopes de dinheiro vivo por falta de confiança nos bancos, resultou inevitavelmente num julgamento político. A isso soma-se a factura da falência nacional de que foi protagonista e não ficou saldada com a derrota eleitoral de 2011: as trágicas consequências que resultaram no memorando da Troika foram demasiado dolorosas para muitas famílias e uma tragédia para os grupos de interesses. Essa é a razão que impossibilita a descolagem do seu ministro António Costa que, apesar das generosas “reposições” prometidas (feriados, iva da restauração, empregos, tribunais, etc.) não descola dum empate técnico. Esta confusão de narizes poderá ser um factor de desempate em favor da coligação que afinal resgatou Portugal.

 

Publicado originalmente no Diário Económico

É da ciência

O futebol não é para meninos. Nessa medida os nomes definitivamente têm influência na prestação dos atletas (como noutras actividades). Não deviam chama-se Miguel, Bernardo ou Gonçalos, já para não falar de João Moutinho que é claramente um aristocrata infiltrado. Pela parte que me toca confio mais em Williams, Ronaldos, Nanis, Quaresmas. É nessa linha que jogadores como Eliseu, Danilo dão boas indicações na Selecção Nacional. Na boa tradição dos Matateus, Eusébios, Baltazares e Albanos. Agora chamem-me nomes. 

Vera

Vera.jpgEstes tempos de férias serviram também para conhecermos “Vera”, uma série policial britânica da ITV estreada em 2011 agora em transmissão na Fox Crime, que para quem procura descansar dos cânones estéticos da TV norte-americana constitui uma lufada de ar fresco. A boa qualidade da fotografia é pedra angular nesta série que nos surpreende e desvenda a paisagem rude e enregelada de casario cinzento, de terras áridas e o mar bravio de Northumberland, condado que faz fronteira com a Escócia no nordeste de Inglaterra. Como o nome indica, a série composta por longos episódios de cerca de 90 minutos, é protagonizada pela dedicada inspectora Vera Stanhope (Brenda Blethyn), uma solitária cinquentona de mau feitio e com uma singular aversão por crianças. Apesar disso a personalidade severa e inquieta de Vera consegue (às vezes) cativar-nos com seu olhar generoso, e tem como contraponto, o assistente Joe Ashworth (David Leon) o seu braço direito que vive dividido entre a absorvente profissão e o apelo da sua jovem família que já conta com três rebentos.
Se ao princípio estranha-se, “Vera” lentamente entranha-se-nos: trata-se de uma complexa e enigmática narrativa que decorre em ambientes tensos, plenos de humanidade e desassossego; histórias que percorrem sem pudor as margens mais sombrias do caracter humano. A cerrada pronúncia das gentes quase torna imperceptível o inglês que nos habituamos a ouvir tão elegante nas produções britânicas. Ela condiz com a paisagem agreste do norte bravio e encadeia-se bem com uma banda sonora criteriosa que acentua os inquietantes silêncios. E depois, há aquela avara beleza que se vislumbra na paisagem e nas personalidades complexas, que adquirem a espaços uma luminosidade tensa e apaixonante. Como a vida real.