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João Távora

As luzes da ribalta

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Reduzidas as medidas de coacção ao mínimo, e terminado o prazo legal para a conclusão do inquérito judicial sem uma acusação, José Sócrates encontra-se em condições excepcionais para fazer aquilo que mais gosta: actuar sob as luzes da ribalta.

Com extraordinários dotes de retórica e um ego alucinado, o “animal feroz” que com inaudita determinação conduziu os destinos do País ao descalabro financeiro, confronta-se hoje, não já com a sua sobrevivência política que é um caso perdido, mas com o desfio da sua defesa na justiça. 

Uma oportunidade para protagonizar uma novela de grande audiência em que, respeitando um minucioso guião, se vai dedicar a gerir os danos infligidos na sua fustigada reputação. Independentemente do desenlace, para a história constará que foi o primeiro-ministro que levou o país à falência, e que depois foi para Paris viver à grande e à francesa, à custa dos milhões dados em espécie por um amigo que geria uma empresa com negócios com o seu governo. Como foi possível semelhante personagem entrar na História do meu país ao tempo da minha geração, é para mim uma pergunta perturbadora.

Publicado originalmente no Diário Económico

Fora da caixa

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A discussão da chefia de Estado não deveria radicar tanto no perfil do fulano, mas antes no cargo e no seu enquadramento no sistema político: a eficácia depende desse desenho e do prestígio duma instituição que potencie as qualidades da pessoa que o corporiza.

Pretender-se que depois de eleito presidente um líder da facção esquerda ou direita, uma amnésia se apodere das pessoas, de modo que nele vejam um homem isento que abarque os ensejos da Nação é no mínimo uma rotunda fraude de que há muito somos reféns. 
Confiar no julgamento desse homem só, por exemplo, o ónus de implodir um organismo colegial eleito como o parlamento é quase idolatria. A república semipresidencialista está construída para a conflitualidade institucional - temos aquilo que merecemos. Como poderá Portugal voltar a emparceirar com a elite das nações europeias e evitar o decadente espectáculo de uns quantos galarotes e seus prosélitos acotovelando-se ávidos para a cadeira de Belém?

A exemplo do que acontece nos países mais desenvolvidos da Europa, só a instituição real pode ambicionar representar a nossa identidade e unidade transgeracional como Nação de 900 anos de história, sem clientelas, independente dos calendários eleitorais.

Publicado originalmente no Diário Económico

Minha querida família

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Nunca ninguém garantiu que a liberdade, a escolaridade e a prosperidade democratizassem o sentido de responsabilidade ou o bom senso. Vem isto a propósito de um fenómeno que o "inverno demográfico" esconde: se é previsível que daqui a dez ou quinze anos tenhamos metade das escolas ao abandono, mais graves serão as consequências duma  crise que se adivinha na "família" como célula mãe da sociedade, capaz de corroer de forma dramática os alicerces da nossa civilização. 

Sou daqueles que teve a sorte de crescer numa família tradicional - sem dúvida um espaço alicerçado no equilíbrio entre a tolerância e repressão - daquelas com abrangência alargada, com casa dos avós, tios, primos e tudo; como que um mosaico de pequenas comunidades, mais ou menos interligadas numa rede de solidariedade, afectos e partilha de história comum - e que de forma decisiva em tempos me socorreu. É certo que para que este antigo e eficaz modelo se generalizasse na sociedade contemporânea, concorreu uma equívoca mistificação do casamento romântico na geração dos nossos pais: O casamento tradicional foi-lhes "vendido"  por Hollywood como um conto happily ever after e resultou num estrondoso baby boom. Completamente fora de moda por estes dias, denúnciada a família como “instituição burguesa,decadente e repressora” pela geração do Maio de 68, não se prevê que eu tenha grande sucesso explicando-o aos meus filhos como instituição ligada à responsabilidade, ao altruísmo, à perseverança e ao prazer diferido. A verdade não vende, como não ganha eleições. 

Como bem sabemos, cada vez há menos casamentos, no sentido da formação de novas “casas”, modelo de sucesso comprovado inspirado na aristocracia liberal europeia. Consta que no ano passado, das poucas crianças nascidas, mais de metade terão sido fora do casamento. Por exemplo, durante o ano de 2014 na paróquia do Monte da Caparica na margem sul do Tejo – sei bem que é um microcosmos algo especial - realizaram-se apenas quatro casamentos católicos. Curioso como no meio conservador que frequento também são cada vez mais raros os sinais de cedência dos jovens a esse modelo, sendo frequentes as relações amorosas "liberais" prolongadas, assumidas com um pé dentro e com outro fora da casa dos pais – julgam que obtêm assim o melhor dos dois mundos. Por ironia trata-se do reconhecimento de como a casa de família que alguém edificou e mantém para eles, é afinal útil e virtuosa instituição como seu último reduto de refúgio e reconhecimento, apesar de votada à extinção.

Temo que estejamos a criar uma sociedade de indivíduos isolados e frágeis com pertenças difusas, precárias ou inexistentes até. A família como eu conheci, como um organismo intermédio, projecto perene, crivo cultural com história própria, território protector do grande monstro igualitário da cultura dominante para a formação de seres críticos e livres, atravessa uma grave crise. Essa família que ainda hoje acolhe os deambulantes jovens adultos, quais eternos filhos pródigos que adiam assumir as suas opções e uma realização plena, por troca dum prato de lentilhas ou um smartphone de última geração, símbolo da sua “liberdade individual”. Se calhar ao definir este fenómeno como se de uma crise se tratasse, estarei a ser optimista. Porque esse termo por definição designa algo passageiro – e eu estou longe de pressentir alguma mudança no rumo da história.  

 

Fotografia daqui

Sair do lixo

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Depois de ensaiarem durante a campanha eleitoral um discurso ambíguo que resultou numa radical berraria, após as eleições de 4 de Outubro os socialistas encontram-se num grande embaraço: com uma direcção fragilizada pela poucochinha votação, vêm-se encurralados pelo Bloco de Esquerda que com um resultado histórico ameaça apropriar-se do seu tradicional território “revolucionário” que de forma inconsequente o PS ocupa na oposição.
A exemplo da maioria das democracias europeias, num sistema eleitoral que favorecesse a governabilidade, a clara vitória alcançada pela coligação chegaria para uma boa maioria parlamentar.

Acontece que em Portugal se beneficia a agitação e o confronto político, que é o entretém preferencial das “elites” que nunca tiveram de pagar um ordenado, uma bagunça que resulta num bom negócio para os jornais, rádios e televisões da especialidade. Com um quadro de governação que ainda se exige austero, é fácil prever que estamos condenados a uma curta e conflituosa legislatura. Nunca mais vemos a hora de sairmos do lixo.

Publicado originalmente no Diário Económico