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João Távora

A geração mais bem preparada de sempre

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No outro dia num programa sobre tecnologia e comunicação na telefonia, ouvi a directora de Marketing de uma conceituada marca de moda a justificar, impante, a grande aposta da empresa na aplicação de fotografia Instagram: “porque os jovens de hoje não têm tempo para ler". Aquilo que me chocou não foi a constatação do facto que intuo como verdadeiro (a grande maioria das pessoas não gosta de ler), mas o tom da afirmação, como se tal fora uma virtude. 

Pela minha parte sei bem como vem sendo uma árdua batalha lá de casa, seduzir os miúdos para a leitura, contra a televisão a transmitir bonecos para todos os gostos 24 horas por dia, contra os sofisticados jogos electrónicos, e mais recentemente contra as aplicações de “social media” e “redes sociais” que prolongam indefinidamente a “ligação” virtual entre os jovens através mensagens rápidas, de imagens “impressionantes”, passatempos "irresistíveis", ou pequenos vídeos “surpreendentes”. É a submissão ao entretenimento constante, uma sedução difícil de combater, um fenómeno que por estes dias já se ouve designar como “droga digital”, tal o seu poder alienante e potenciador de dependência. Não quero (?) ser um desmancha-prazeres, mas receio que não estejamos a medir bem as consequências do caminho a que a nossa feérica sociedade de consumo tecnológico nos trouxe. Afinal o “progresso” que nos prometia a riqueza e a liberdade, promove, não só o flagelo desemprego através da substituição do homem pela tecnologia, mas uma sociedade tacanha e ignorante - antigamente porque não sabia ler, hoje porque não tem paciência para ler. Que futuro para esta “geração mais bem preparada de sempre”?

A grande bizarria

Felizes são os ingleses, os espanhóis, os belgas, os suecos, os holandeses, os dinamarqueses, os luxemburgueses ou os noruegueses, que têm a sorte de não terem de aturar periodicamente esta coisa sinistra das "presidenciais". Decididamente, esta berraria em que se envolveram nas últimas semanas umas quantas obscuras figuras do regime e um bem-sucedido comentador televisivo, foi incapaz de unir ou mobilizar os portugueses. O cargo, uma bizarria assente num enorme equívoco, no final de contas pode constituir uma bomba relógio para a total ingovernabilidade do país. Ao contrário das modernas monarquias europeias, o modelo de Chefia de Estado em Portugal não é um poder moderador, arbitral e suprapartidário. Sempre oriundo duma facção ideológica que disputa o poder, a legitimidade de uma maioria absoluta de votos expressos, alguns deles contrariados, concede ao Presidente a competição com a Assembleia da República pela autoridade para interferir ou até formar um Governo, e em última análise, a sua demissão através da dissolução do Parlamento. Perante este panorama, resta-nos rezar para que o vencedor, não sendo “apartidário”, por mais pressionado que vier a ser pelas piores circunstâncias possíveis e imagináveis, se consiga afirmar como um elemento estabilizador e construtivo. Algo que seria muito mais fácil em Monarquia.

 

Publicado originalmente no Diário Económico

Subvenções aos ex-políticos: da indignação à acção

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Curioso como afinal interpretação dos Juízes do Tribunal Constitucional da sacrossanta Constituição da República Portuguesa, a vaca sagrada da esquerda política, declara inconstitucional a norma que suspendia as subvenções aos pobres ex-políticos com rendimentos familiares acima de 2000 euros. Dado que para o caso, à excepção de Maria de Belém que subscreveu (à socapa) o pedido de fiscalização ao TC, pouco interessa o que pensam os candidatos a presidente da republica sobre a matéria – sobre a qual na verdade o cargo a que concorrem não possui poderes - será interessante saber se os partidos políticos representados no parlamento tiram daí as consequências e se organizam dois terços dos deputados para fazer passar uma nova lei poupando mais de 10 milhões de euros ao erário público que certamente serão vitais para politicas de socorro aos mais desfavorecidos.

Pontapé... na bola!

Pela parte que me toca, agradecido a Bruno de Carvalho pela tenacidade e inteligência que transparece da sua gestão do Sporting, acho que a ordinarice é dispensável - não advirão daí melhores resultados por isso. Já quanto às virgens ofendidas que por aí andam a rasgar as vestes nas redes sociais, desconfio que não nunca só nunca puseram um pé num estádio, como nunca saíram debaixo das saias da mamã.

Presidenciais

Felizes são os ingleses, os espanhóis, os belgas, os suecos, os holandeses, os dinamarqueses que têm a sorte de não terem de aturar esta coisa sinistra das "presidenciais". E depois há os outros, como alemães e os italianos, que fazem a coisa no recato do parlamento. Menos mau.

Na crista da onda

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As 15 alterações na avaliação dos alunos em 16 anos são um indicador preocupante da falta de uma verdadeira estratégia para o ensino em Portugal, que tenha em conta as nossas especificidades históricas e sociológicas.

É curioso como, pelo menos desde o 5 de Outubro de 1910, o Portugal revolucionário persegue e importa fanaticamente toda a sorte de modas moderninhas com que vem consolidando a sua posição nos últimos lugares entre os países europeus em matéria de desenvolvimento. 

Se, pelo país fora, os portugueses desconfiam de tanta reversão e súbita prosperidade, a criançada anda radiante com a sanha redentora das esquerdas unidas em matéria de exames. Os mais pequenos até acreditam que um dia se vão libertar da repressão da matemática e eu compreendo porquê. Afinal, a aritmética é a base ideológica da austeridade e as contas de multiplicar a ferramenta preferida do capitalismo. Depois, o resultado exacto e indiscutível de uma conta de diminuir pode significar uma violência traumática para o inocente infante.
De resto, o anúncio do fim dos exames do sexto ano, que António Costa afirmara no parlamento serem para manter, contrariam o seu adágio preferido que ainda lhe vai ser cobrado com língua de palmo: “Palavra dada, palavra honrada”.

 

Publicado originalmente no Diário Económico

Bowie não morreu

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David Bowie foi um músico genial que soube como poucos trabalhar a sua imagem, como um ícone sempre recriado nas formas mais surpreendentes. Suspeito que desta vez terá exagerado um pouco, ao deixar-se morrer assim decrépito para o lançamento do seu disco Black Star (dizem que “desconcertante” - ainda não o conheço) de onde sobressai este inquietante tema chamado "Lazarus" que em poucos dias já tem milhões e milhões de audições. Bowie já se ergueu dos mortos e dá-nos música, as estrelas ressuscitam todos os dias - foi só show business.

Há neste surpreendente seu “episódio” um certo paralelo com o de Nicholas Ray que nos últimos dias da sua doença encena a sua própria morte para Wim Wenders filmar. Alguém se lembra? A morte feita expressão do próprio artista: um invulgar desplante para com o mais temível poder que o homem enfrenta, às vezes sozinho. Uma arrogância que nos liberta - como se fossemos nós os redimidos – um legado, como se fora uma prece dum homem livre, completo. 

Curioso como não se lhe conhece qualquer discurso proselitista relacionado com as arrojadas máscaras e representações visuais por si envergadas ao longo da sua carreira. Na mesma linha em que em tempos afirmou-se arrasando desavergonhadamente todas as convenções, chega aos seus últimos dias assumindo a imagem dum cavalheiro de fato e gravata, com que suplanta o império da banalização do arrojo de que foi percursor.

Mas para mim o mais importante em Bowie sempre foi a sua genialidade musical e poética. Raro foi um álbum seu a que eu tenha aderido de forma incondicional, tantos caminhos experimentou. Apenas com Low não tenho reservas. Do seu legado fico com umas quantas canções soltas, pérolas desemparelhadas, temas que cultivo como se fossem feitas para mim. Como diz Miguel Esteves Cardoso, o que ele tem de mais genial foi ter conseguido ser único de formas distintas para diferentes pessoas. O meu Bowie não é o Bowie de mais ninguém; ele cantava-me ao ouvido sonoridades sombrias, arritmias dissonantes e melodias assombradas. Bowie não morreu, estou a ouvi-lo agora.

 

Um zero ao centro

marcelo-rebelo-de-sousa07_770x433_acf_cropped.jpgComo monárquico objector de consciência no que a este circo das presidenciais diz respeito, era minha intenção não meter a colher no caldo que se entorna por estes dias a cada dia. Mas acontece que aquilo a que assisti  ontem acidentalmente na SIC notícias, a prestação de Marcelo Rebelo de Sousa no frente a frente com Marisa Matias, pareceu-me mau demais para ser verdade - e não consigo evitar umas palavras. Ora veja-se como o professor, com o fito de evitar o conflito, conseguiu ultrapassar a adversária pela esquerda: começou por descartar-se higienicamente das suas ideias e do combate por si protagonizado em tempos contra o aborto livre, anuiu à reposição da isenção de taxa moderadora do governo PSD-CDS de que quase pediu desculpa por ter-se afirmado favorável há uns meses, e foi incapaz de se distanciar da lei Isabel Moreira sobre adopção de crianças por casais do mesmo sexo. Finalmente, não deixou de se lamentar, como se de um troféu se tratasse, da falta de apoio dos partidos "da direita" que ele mesmo faz questão de se afastar como da peste.

Ora acontece que a eleição de um presidente da república se procede não só através da avaliação do caracter do candidato, mas por força da adesão às suas convicções e ideias, que Marcelo faz por desvanecer e anular, numa tentativa desesperada de agradar a toda a gente. Acontece que o aspecto distintivo dum presidente da república enquanto instituição é a de ser sufragada pelo voto em função de um conjunto de ideias e não de outras suas opostas, aspecto tanto mais decisivo quanto o facto do nosso sistema semi-presidencialista impor um determinado conjunto de faculdades de interferência nos restantes poderes, legislativo e executivo, ao Chefe de Estado.
Marcelo equivoca-se redondamente pretendendo pairar acima da política em que sempre participou como protagonista ou comentador, e quanto a mim seria sábio que assumisse as suas posições e a sua história. Porque se assim não for, não faz qualquer diferença tê-lo e Belém. Os portugueses podem perdoar tudo a um político mas tenho dúvidas que desculpem a cobardia.

 

P.S.: O âmbito da acção política dos monárquicos insere-se precisamente na questão do modelo Chefia de Estado. Quando esse tema é o fulcro das próximas eleições, os monárquicos podem e devem imiscuir-se no debate.