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João Távora

Praia

Submerso em ociosa leitura no areal ardente de sal e de sol, ao som do estalar das ondas e das vozes das crianças exaltadas em volta de um dique esfalfado que não trava a maré, assalta- me a dúvida estremeço de inquietação...

Será que a senhora das bolas de Berlim volta a passar aqui?

O inalienável direito ao entretenimento e à leviandade

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Neste artigo publicado na semana passada no jornal i sobre  abandono da religião pelos millennials (a geração que atinge a idade adulta no novo milénio, agora entre os vinte e os trinta anos), o fenómeno é justificado num destaque como tendo origem no acesso a mais informação por essas novas gerações. Sem querer contrariar aquilo que me parece ser uma evidência, o declínio da religiosidade na Europa e em Portugal, atribuo as causas disso mais à decadência do próprio Ocidente do que à proclamada "facilidade de acesso ao conhecimento", que me parece um mito - o verdadeiro "conhecimento" é por natureza difícil de aceder e equacionar. Pretender que a prática religiosa é proporcional à ignorância (ou à falta de informação) parece-me um equívoco recorrente e pouco inocente. Para tanto basta verificar como ao longo dos tempos o conhecimento conviveu pacificamente com a religiosidade de boa parte das elites culturais. Não me parece intelectualmente honesto afirmar que Santo Agostinho, Bacon, Burke, Dostoiévski, Kierkegaard, Pascal, Scruton, Galileu Galilei, C. S. Lewis, J. R. R. Tolkien ou Chesterton fossem pessoas pouco informadas. Ou que dizer do poeta Ruy Belo, da escritora Agustina Bessa Luís, ou dos recém-convertidos ao catolicismo, o encenador Luís Miguel Cintra ou a jornalista Clara Ferreira Alves? A verdade é que chegados aos nossos dias a religiosidade apresenta-se frequentemente parceira da erudição. Era Afonso Costa que afirmava acreditar que a prática religiosa se extinguiria numa geração informada"? A perda de religiosidade dos povos europeus pode ter diversas causas, mais ou menos directas, mas nenhuma estará ligada ao acrescimo de “conhecimento”. Atrevo-me a afirmar, "antes pelo contrário". Qual será afinal a origem da perda de exigência filosófica, num mais profundo questionamento existencial por parte das novas gerações? Não será o inalienável direito ao entretenimento e à leviandade? 

O horror feito belo

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O Meças, de José Rentes de Carvalho trata-se em minha opinião de uma obra de uma beleza superior, na forma encontrada – sublime, diga-se - para descrever os meandros mais obscuros da condição humana. Para mim, essa narração encontra o seu cúmulo no capítulo em que o Meças, do interior do seu predilecto Mercedes observa uma família feliz a fazer um picnic ruminando um ódio explosivo, emergente da conjugação desordenada dum cocktail de sentimentos chamados de “baixos”. Ou de como afinal o leitor “inocente” possuí a intuição natural de descodificar tamanha malvadez, e assim embalar numa inquietante tensão que se nos cola do principio ao final da novela. Há no Meças um mergulho profundo nos interstícios de uma mente perturbada, do potencial de violência que um individuo pode (não) conter. Tão plausível quanto o retrato dum café incaracterístico de província. Ou de diferentes misérias contrastantes, como o caso da figura flacidamente vulgar e cândida do filho do Meças.

E terminamos esta leitura densa com a sensação de termos assimilado um quadro próximo do perfeito, assim sendo do Belo. Há uma mestria sublime de Rentes de Carvalho na construção frásica, na utilização da palavra e da tensão que ela gera. Em que cada palavra é escolhida para a construção dum sentido próprio, uma coloração, uma textura, uma sonoridade meticulosa que nos revela cada poro que dá forma a um retrato profundamente humano da gente com que nos arriscamos cruzar nos abismos de nós próprios. Pois que se assim não fosse toda a leitura resultaria num nonsense.

Resistência monárquica - uma longa história

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Às voltas com as biografias de Gonçalo Ribeiro Telles e Henrique Barrilaro Ruas, deparo-me com este cartaz da Comissão Eleitoral Monárquica, fundada por Henrique Barrilaro Ruas na sequência da chamada "primavera marcelista", concorrente às eleições de 1969 em que terá obtido "uma votação demasiado expressiva que o regime não podia tolerar". A este movimento sucederá em 1971 a Convergência Monárquica que reunia os militantes dos vários grupos existentes (e como é difícil conciliar monárquicos!). Como curiosidade registe-se que em 1973 os organizadores do 3º Congresso da Oposição Republicana em Aveiro concederam alterar o nome do evento para Congresso da Oposição Democrática para acolher uma delegação desta organização monárquica.

Medina Carreira

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Com a morte de Medina Carreira perde-se uma voz incómoda e insubmissa, que contracorrente abordava a realidade sem paninhos quentes, discurso antagónico ao destes novos tempos dos afectos, reversões e abracinhos. O lamaçal permanece debaixo dos nossos pés, não vamos enganados e por isso nunca saberemos agradecer-lhe. Deus o tenha na Sua eterna Glória.