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João Távora

Gostos não se discutem (crónica)

Que estranhos que somos: quando simultaneamente desesperamos na afirmação da nossa “diferença”, como nos gostamos de saber iguais aos outros, estar na “mesma onda”.

Nestas alturas, quando decorrem fenómenos de massas e de grande mediatização, como o Mundial de Futebol, levanta-se um coro de lamentos e vitupérios contra o “ruído” reinante. Os “diferentes” insurgem-se revoltados contra o desporto-rei. Um amargo desprezo vem ao de cima, inconformado, nas mais díspares e exóticas personalidades: “Eu não gosto de futebol”, afirmam arrogantemente. “Eu declaro solenemente que não vou colocar uma bandeira portuguesa na minha janela”, li algures na blogosfera. Ouvem-se os mais desconcertantes comentários, do tipo: “O meu Jorginho, graças a Deus, só gosta de râguebi”; ou “Em Junho vou emigrar para as Ilhas Selvagens, com a minha colecção de DVD' s do John Ford.”

Às tantas, sinto-me um autêntico troglodita (culpado!) por me deixar envolver com este fabuloso espectáculo que por certo vai ser o Campeonato do Mundo de Futebol FIFA 2006. É que eu vou mesmo ver os jogos que puder… Não tenho perdão!

Mesmo que no meu curriculum esteja a leitura de romances de Clarice Lispector; ser fã de João Sebastião Bach e Hemingway. E se eu disser que gosto de Dee Dee Bridgewater e Jacques Brel? Terei perdão?

Mas confesso que (ainda) não passei do 1º volume de Em Busca do Tempo Perdido. E no meio disto, se eu assumir que sou católico praticante… o rótulo é mais que certo: Serei apelidado de “miserável e vulgar alienado troglodita” que para mais não põe o miúdo no râguebi.

Mas o que eu gosto mesmo é de ir com o Francisco (o miúdo, meu cúmplice e lagarto) à bola. Um bom fim-de-semana sê-lo-á por certo se formos os dois a Alvalade ver o Sporting ganhar, fazer a “hola mexicana” e saltar, saltar, pois que – vergonha das vergonhas - “… quem não salta é lampião”. E depois chegamos roucos a casa, felizes e cansados. E ter umas bocas para “amandar” à segunda-feira no trabalho ou na escola… Enfim, arrisco os meus estados emocionais por esta causa vã, a minha tribo da bola.

Afinal eu sou um vulgar cidadão, que não consegue ouvir Jorge Peixinho e gosta das coisas “por gosto”… Que gosta de ouvir um fado pelos irmãos Leitão, que se entusiasma com os musicais do Andrew Lloyd Webber. E que se comove a ouvir Nowhere Man dos Beatles; ou o Concerto nº 2 para Piano e Orquestra de Rachmaninov - Não sei se sabem que é considerado "do mais vulgar" no meio da "nata" melómana gostar deste concerto? Assim, sem desculpas tipo “foi o primeiro que ouvi… ainda na minha tenra idade…” - Pois eu gosto mesmo do Nº 2 de Rachmaninov, sem mais.

Mas que inferno de vida têm afinal os “diferentes”, que têm de gostar de pinturas esquisitas, (em zinco e terracota sobre tela e fita magnética) … Coitados dos que gostam “do que têm de gostar”. Daqueles que sobem aos píncaros com o Concerto para Elevador e Matraca de Gunter Kaegi. O seu silencioso sofrimento…

Finalmente lamento aqueles que hoje estão nas Ilhas Desertas a reverem os seus DVDs de John Ford e não vão ver o jogo Portugal vs. Angola, como eu, com os miúdos mais à minha Maria resguardando-se das emoções a fazer “ponto cruz”.

Mas antes disso temos é que pôr a bandeira portuguesa na janela, como os nossos vizinhos que também compraram o Expresso de ontem.

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