"Naquele tempo, quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou: “Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” Jesus disse: “Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!” Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude”. Jesus olhou para ele com amor e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” Mas, quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico. Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no reino de Deus!” (…)
(Evangelho de Jesus Cristo segundo S. Marcos).
Quis o destino que eu nascesse sem quaisquer bens terrenos. Os poucos bens que possuo hoje, chegado ao auge da minha maturidade, são perecíveis ou não têm valor digno de nota. Apesar disso identifico-me dramaticamente com o homem rico retratado no desconcertante evangelho deste Domingo que passou. De resto, parece-me que apenas numa leitura simplista podemos interpretar esta “riqueza” feita dos tais bens materiais. Nesta leitura deparo-me antes com um homem cheio de dispersão (
sem religião – “re-ligação”, unidade) de tal forma comprometido com tralhas, vaidades ou efémeros fetiches, que recusou (escandalosamente) um convite, ali directo, pelo próprio Jesus palpável e visível, qual felicidade eterna sem distâncias ou intermediações.
Eu por mim, gostava de atingir a sabedoria despojada do Rei Salomão. Qual era a verdadeira riqueza do Rei Salomão? Eu por mim, sonhei com um templo, uma capela ou um pequeno espaço de oração, rectangular e minimal, e chão pleno de areia do deserto. Paredes brancas, mais nada. À frente, o altar, uma pequena Arca (fraqueza minha), símbolo inspirador do mistério do santíssimo sacramento. Arca que encerrasse verbetes com todos os nomes dos Santos nossos heróis antepassados. Lá dentro, nessa Arca fantástica, permaneceria uma vela acesa, símbolo do sopro da vida que nos foi legada por Deus criador. Seria esta uma “banda larga” na minha relação com Nosso Senhor.
Este ano tenho o privilégio de dar catequese na minha paróquia a um grupo de inquietos e rebeldes adolescentes do 9º ano do Catecismo. São miúdos sedentos de respostas a emergentes, caóticas e desconcertantes dúvidas. Julgo que os posso entender bem, já que fui o mais “ingrato” dos adolescentes. E remeto-os ao diálogo livre e à reflexão. No caminho do conhecimento de uma radical liberdade interior. No caminho exigente para a felicidade que advém da relação e da entrega. Tento transmitir este legado, um difícil desafio por certo, nestes vorazes dias.
De resto aceito a realidade de uma Igreja plural. Às vezes chocantemente plural. Não pretendo ser juiz na estética, ou inquisidor das intenções da cada crente, corrente, prática ou tendência. Fazer caminho na relação com Deus é do foro individual, e recuso a má fé, integrando-me organicamente na minha comunidade, assumindo a doutrina e dogmas da minha religião. E jamais me demitirei da transmissão de uma mensagem que para mim serve a libertação interior e a felicidade, quase sempre diferida, mas verdadeira.
Com amizade dedico este texto ao meu camarada de blog João Villalobos. Sobre o Santuário de Fátima, escreverei noutra ocasião.