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João Távora

Um "post" intimista

De madrugada, acordei espontaneamente, alerta. Pode ser a qualquer hora, estará tudo a postos? Sou o primeiro a levantar-me, e percorro a casa, morna e sonâmbula. Ouvem-se respirares desalinhados da minha gente. Aninhados ainda, dormem um sono profundo, ingénuo e inocente. Pela grande janela da cozinha observo o dia que se abre, em tons rosados, todo transparente, implacável. Daqui por mais umas horas, estará cada um, miúdos e graúdos, nas escolas ou trabalhos, uma vez mais empenhados nas suas vidas, nos seus pequenos mundos, pequenas lutas e demais seduções ou conquistas.
Entretanto, é aqui em casa que uma pequena revolução se prepara. Encontramos a cada canto uma parafernália diversa que nos anuncia para breve um pequeno Natal. O berço, pintado de céu azul e nuvens brancas, está ali a um canto do nosso quarto. Há mais agitação, risos e nervos, pois. A mais pequena pede mais atenção. A mala está pronta. O telefone toca constante, a família e os amigos querem saber. Ao jantar, a mãe, que já cede à emoção, pede-nos subliminarmente que preparemos os nossos corações. Entre mais uma almôndega e mais puré, os mais velhos aparentam confiança, imunes. Coisa de adolescentes. O facto é que um pequeno e absoluto rei está a chegar. Que tudo baralha e dará de novo. Graças a Deus.

Manhã sombria


Ao contrário do Dr. Marques Mendes, que está preocupado com os softwares informáticos utilizados pelo governo da nação, o nosso 1º sabe o que quer e as armas que tem. Encontramo-lo na página 5 do Diário de Notícias de ontem, de braços abertos, acolhedores e piedosos, meio sorriso todo maternal numa fotografia inocente. Entre as páginas de insistentes e arrepiantes reportagens sobre o bas-fond do criminoso aborto clandestino, o Eng. Pinto de Sousa comoveu-me por uma vez, maternalmente pregando aos jovens um futuro de progresso social com o aborto comercial, livre e apoiado. Higiénico. O seu empenho no redentor e salvífico referendo à liberalização do aborto é admirável, nada é mais importante para a nação, nos dias que passam. Hoje, no DN temos o Dr. Costa, a tempo e corpo inteiro, entre mais ilegais consultórios de morte estrategicamente denunciados. Nada mais.
O trilho está traçado, basta passar os olhos diariamente nos jornais do costume. Assim, estamos bem entregues à propaganda do regime. O grande irmão que fala a uma só voz projecta-se nos “Meios” chamados de “referência”, num coro uníssono do pensamento oficial. Que definham caducos, quais inúteis caixas de ressonância do poder. A nós, restam-nos os blogues, o trabalho gratuito, a cidadania e a coerência. Principalmente depois de 11 de Fevereiro. Para que não fiquem os nossos filhos e os nossos netos definitivamente entregues ao fado de uma civilização materialista, niilista e decadente.

Foto daqui
Texto publicado também ali

Mais Genesis


Falta pouco mais que um mês e já faço a contagem decrescente para assistir na Aula Magna à recriação de dois históricos espectáculos dos Genesis, Foxtrot (1973) e Selling England by the Pound (1974) feita pelos Musical Box. Tenho os bilhetes bem escolhidos e bem guardados para os dois concertos, nos dias 1 e 2 de Março, quando me irei reencontrar em delírio com umas centenas de doentes "Genesianos" da era Gabriel. Alguns membros desta “irmandade” de fãs, inevitavelmente já os conheço há muito. Será uma vez mais tempo de uma comovida comunhão, revisitando a melhor banda musical dos anos 70. Tempo para cantarmos sílaba a sílaba aqueles loucos e incompreensíveis versos de Gabriel, e acompanharmos emocionadamente as guitarras de Steve Hackett e Mike Rutherfordo, o piano e o órgão de Tony Banks, e a bateria de Phil Collins. Pessoalmente anseio pela hora em que vou ver pela primeira vez na vida a actuação em palco do célebre tema Supper’s Ready, uma peça épica de 19 minutos na qual, segundo reza a história, Peter Gabriel depois de vestir a pele do Narciso (na foto), terminando, qual anjo branco, elevado aos céus cantando os versos finais, retirados do Livro do Apocalipse: Theres an angel standing in the sun, and hes crying with a loud voice, This is the supper of the mighty one, Lord of lords, King of kings,Has returned to lead his children home, To take them to the new jerusalém!!!
Os Musical Box, são uma banda de tributo canadiana, liderada por Denis Gagné e Serge Morissette que, respeitando os mais pequenos detalhes cénicos e a composição complexa e pouco dada a improvisos da banda original, foram "aprovados" e por diversas vezes elogiados pelos elementos da lendária banda. Há uns anos, quando os Musical Box actuaram em Bristol, receberam um espectador muito especial: o próprio músico, cantor e compositor Peter Gabriel que levou os seus filhos para que testemunhassem um pouco da sua própria história!
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PS: Os Genesis que por aí vão andar este ano numa propagandeada tournée são de outra onda. A onda POP do Phil Collins. Isso tem a sua graça mas não gosto tanto, nem tem nada a ver com a música que atrás refiro. Esses "Genesis" bem podiam ter adoptado outro nome, por respeito ao grupo fundador e à sua histórica obra.

Sobre o caso de Torres Novas

Da barulheira gerada pelo caso da tutela menina de Torres Novas advém pelo menos uma lição: em quase tudo na nossa vida, as respostas maniqueístas revelam leituras emocionais, básicas ou superficiais de onde incorre invariavelmente o profundo erro. Tudo era mais fácil se uma das personagens desta contenda fosse definitivamente perversa e maldosa. Tudo era mais fácil se a razão não estivesse algures no meio de tantos intrincados equívocos. E isso deixa a entusiástica plateia nacional frustradamente perplexa, e desamparada, falha que foi a bengala das certezas.
Ao estado a que as coisas chegaram, o mais difícil é afinal o mais urgente: cumprir os interesses da menina, promovendo-se a sua sã convivência com a família adoptiva e paralelamente a sua gradual aproximação ao pai legítimo, relação sem a qual a criança dificilmente crescerá de forma saudável. A menina é definitivamente o elo mais fraco, o ser mais frágil de todo este macabro folhetim. Tem o seu destino ao sabor de duvidosos altruísmos e de uma fatídica burocracia.

Hoje é sobre jornalistas IV

Agora que a procissão sai do adro a caminho do referendo, gostava de suplicar aos quatro ventos e ao quinto poder, a todos os seus agentes, um esforço suplementar de ISENÇÃO.
Ao contrário do que nos querem fazer querer as sumidades empoleiradas do politicamente correcto, há duas respostas possíveis à pergunta do dia 11 de Fevereiro. Há o SIM e há o NÃO. Ao contrário do que nos fazem querer os arautos da nova e rasteira inquisição, não há uma resposta BOA e uma resposta MÁ. Não há uma facção de HONESTOS, e outra de HIPÓCRITAS. Os INTELIGENTES e os ESTÚPIDOS, os CULTOS e IGNORANTES.
Admiro e valorizo de sobremaneira a profissão de jornalista. Antes de tudo esta pode e deve ser um nobre serviço. Mas se os profissionais que escolhem e editam as notícias, as fotografias, as manchetes e os protagonistas, não superarem EMPENHADAMENTE os seus preconceitos, estão a perverter a democracia, a trair a res pública, e a promover a BATOTA neste referendo. E com batota, sem jogo limpo, ninguém ganha, perdemos todos, perde Portugal.

A quem possa interessar

As bolas azuis e brancas colocadas nas árvores da Avenida da Liberdade como decoração de Natal permanecem hoje, dia 23 de Janeiro, pendentes nos ramos, apenas mais pálidas e desfiadas. Estará a entidade responsável à espera que aquelas chinesices caiam de maduras?

Música no Coração

De parabéns está Filipe La Féria e toda a equipa que no teatro Politeama produz a esplêndida adaptação do musical “Música no Coração” de Rodgers e Hammerstein a que tive o privilégio de assistir em família na tarde de sábado que passou. Os cenários, as vozes, as crianças, a Anabela, o Carlos Quintas (sempre igual, vista o que vestir e diga o que disser), tudo está no ponto, numa afinação e grandiosidade eloquente. Um musical de encher o olho e os ouvidos, para sairmos com o coração confortado. De realçar que o velho “calcanhar d’ Aquiles” das produções musicais no nosso país, a orquestração e a sonoplastia, pareceu-me que desta vez foi definitivamente resolvido: impecável e ao melhor nível do que é praticado em Londres – sem exagero. Lembro-me como me desiludi com a sofisticada peça “My Fair Lady” do mesmo La Féria: a orquestra em certos pontos mais vigorosos ou subtis soava uma cacofonia, um incómodo sinal do subdesenvolvimento desta indústria em Portugal.
Assim, o espectáculo desta vez encheu-me as medidas, para mais quando, comovido, me apercebi de que este tocou fundo na miudagem, mesmo nos meus dois irreverentes adolescentes.

Pequenos portugueses

Concordo com algumas apreensões manifestadas pelo Francisco e pelo Pedro, quanto ao que emerge das votações populares para o bem sucedido "festival" Grandes Portugueses da RTP. Nunca vi o dito programa, e quando tentei há umas semanas dar o meu voto na respectiva página da rede, o sistema dava erro e as minhas intenções foram goradas. No entanto, longe de me parecer uma “parvoíce”, reconheço virtudes na iniciativa: já por diversas vezes, seja no refeitório do pessoal, aqui onde trabalho, seja no comboio ou no metro que frequento diariamente, testemunhei, vindo de modestas personagens, interessantes comentários, ironias e conversas que me surpreenderam pela oportunidade e sageza. Não nego a trágica e profunda ignorância que grassa transversalmente a todas as “classes sociais” ou "segmentos de mercado", como é uso agora designar-se. Mas que o programa Grandes Portugueses atira uma pedrada ao charco, e produz efeitos na curiosidade e atenção do português comum sobre a história que o precede, isso parece-me inegável e benévolo.
Finalmente, acredito que é decisivo para o progresso da nossa civilização que cada cidadão entenda a relação que o seu presente tem com a história, com o percurso e feitos dos seus avós, dos mais prosaicos aos mais heróicos. O que me deixa bastante apreensivo e descrente quanto ao futuro do nosso país.

As bruxas

Não há muitos anos, para mim e para a rapaziada daquela obscura época, “bruxa” era uma figura feia, malévola e às vezes assustadora. Quando eu era pequeno, chamar “bruxa” era um insulto muito eficiente para “taquinar” qualquer das minhas queridas irmãzinhas. Sim, bruxa de vassoura na mão com unhas compridas e sujas, cabelos desgrenhados, furúnculo no nariz, vestido preto e chapéu de bico. A imagem mais benevolente do género era a das parceiras Maga Patológica e Mme Mim que juntavam a todos os defeitos o facto de serem desastradas, embirrentas, feias, más e queixinhas. Pior, mais horrenda e má que a bruxa da Branca de Neve, só a terrível madrasta da Aurora (Bela Adormecida) que, de uma elegante e sombria mulher fatal se transformava num pavoroso dragão para combater o bondoso príncipe Filipe, personagem a quem eu aderia, e na minha delirante imaginação incorporava.
Agora, nestes lustrosos e esclarecidos tempos, a moda é outra. Bruxa é outra coisa completamente diferente. A minha filhota pequena mostra-me todos os dias mais e mais simpáticas bruxinhas, de que é fã devota. Na televisão, na Internet e nas revistas, estas novas bruxas são mesmo boas e giras. São as Winx, as Witch, a Sabrina… tudo intrépidas, ágeis e esbeltas adolescentes, namoradeiras heroínas, na luta contra o Mal. Cabelos ondulantes, pernas esguias, olhos insinuantes com longas pestanas, lábios fofos de botox.
E então pergunto-me: afinal, que foi feito das fadas de antigamente? Sobram umas quantas nos bailiados do Tchaikovsky e nos clássicos da Disney em promoção por altura do Natal, e pouco mais. Consta à boca fechada que essas divinas e angelicais senhoras “de bem” estão desempregadas, fora de moda, da alta-roda e da agenda infanto-juvenil. Bom… Não me parece que em desespero e abandonadas se tenham por fim exilado em algum lar ou asilo. Ou então, será que essas jovens e virginais criaturinhas mágicas, deitadas ao desprezo, se tenham feito à vida voando pelos céus e retornaram, anónimas, para novas e contemporâneas ribaltas, para novas audições e concorrendo aos novos papéis? Por que não incarnarem na pele de belas e delicadas bruxinhas, de calças de ganga e sapatos da moda… sem esquecer a velha vassoura e varinha mágica, seu velho e reutilizável adereço?
Mas com estas trocas e baldrocas, a verdade é que fica tudo um pouco confuso e mentiroso para as nossas criancinhas. Fica a faltar um boneco, a figura, a má da fita, a simbologia da Morte e do Mal na vida, que, apesar de todos os relativismos, afinal sempre existe, existiu e existirá, mesmo se representado por uma mulher.

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