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João Távora

Perigosas seduções

(...) Acenam os traidores iberistas com o dinheiro, o "bem-estar" e outras tentadoras ofertas de riqueza sem esforço, pensando tolamente que os espanhóis pagariam o atraso, a desorganização e o chupismo proverbial das nossas elites desmioladas. A dar-se a união, essa seria duplamente penalizadora. Os vestígios da soberania passariam de Lisboa para Madrid, a elite portuguesa reduzir-se-ia a elite regional, sem capacidade para agir em conglomerado na defesa das suas parentelas, clientelas e conhecido tráfico de influências. Por outro lado, o Estado central tudo faria para reconstruir a memória colectiva, fragmentando-a em localismos exóticos em constante luta. (...)

Ler tudo: Miguel Castelo Branco - Combustões

Uma escrita feliz

Nalguns comentários aos meus modestos escritos mais “intimistas” aqui no Corta-Fitas, fui encontrando reacções adversas à minha “irritante” escrita “feliz”. Essas críticas acusavam-me de uma visão parcial, ou enviesadamente superficial da realidade. Uns comentários apaguei, outros não; mas até julgo entender bem essa má vontade: a herança do velho pessimismo romântico gerou uma ditadura estética, muito difícil de contornar. A descrença, o sarcasmo e a ironia são motes totalitários dos quais poucos autores escaparam com vida. De facto, “dizer bem” nos dias que correm é difícil, não vende. E no fundo podemos sempre desconstruir uma atitude nobre, um bom sentimento, decompô-lo em partes mesquinhas de modo a não comprometer os parâmetros. No outro extremo, a aberração, o grotesco, garante o sucesso do espectáculo, e relativiza a mediocridade estabelecida.
Em minha defesa, salva-me a mediania da minha escrita, a despretensão da minha existência. Ironicamente, as minhas obvias limitações literárias libertam-me de quaisquer desses deveres ou compromissos estéticos: uso a escrita por motivos profissionais, e estou nos blogues por mero divertimento.
Influenciável, durante a minha prolongada adolescência, empenhadamente alimentei a descrença e a melancolia. Mergulhado nos neuróticos fluidos rosados dos anos 70, durante muito tempo não dispensava a choraminguice de Roger Waters, os murmúrios alucinados de Lou Reed, os selváticos esgares de Patty Smith, ou uma triste balada de Nick Cave. Isso é que era cool. O Homem era mau, a guerra fria condenara-nos a todos, e a culpa era toda do pai. E o fim do mundo era já amanhã, facto que desde logo resolvia tudo. Entretanto ia bebendo da mais negra literatura, de génios como Capote, Camus, Steinbeck ou Malraux até quase perder o pé naquela escuridão. Não havia revolução, não havia resolução, antes uma natureza sem sentido. Existencialmente irrequieto, um dia deixei-me ir ao fundo do meu umbigo - o sítio mais desinteressante do universo. Quando voltei, muito mais tarde, cheguei diferente.
Porque não temos que ser obrigatoriamente infelizes. E porque a depressão é uma luxuosa patologia burguesa. O maior dos egoísmos, um enorme enfado.
Hoje, não tenho grande pachorra para o narcísico pessimismo militante. Tal e qual como a oposta euforia, ambas são perspectivas extremas da realidade, no mínimo inverosímeis. Entendo muito bem o potencial romanesco dum carácter misantropo, amargurado, bipolar. É a adrenalina de caminhar no arame, sobre o vazio, sempre pleno... de angustiadas emoções. Bem jogado, com algum charme, pode ser bom para o engate, um manancial de sedução. Assim se construíram muitos mitos e venerados ídolos do século XX. E depois, o pessoal acasala melhor enroscado, assim, cúmplice contra o mundo, românticas vitimas dos outros... sempre “dos outros”, num opaco limbo irreal.
De facto, a minha vida não produz um romance, não tem heróis ou moinhos de vento. Responsável pelas minhas escolhas, vivo numa família grande e agitada, filhos e enteados, que me fazem a vida negra ou me encantam até aos píncaros. É uma vida normal, um empenhado projecto de compromissos e fidelidade, premissas hoje tão mal vistas e pouco excitantes. Mas este é já um amor quase antigo, construído de rituais e de quotidiano, tantas vezes monótono e feito de acontecimentos singelos. Com os miúdos, os tachos, os sogros, a mobília... e tantos ruídos já tão familiares. Como quando o pequenote, de olhos esbugalhados, se encontra a primeira vez com o mar a seus pés. Ou quando, ensonado a meio da noite, encontro o olhar pisco e sereno do meu amor, sentado ali com o bebé ao colo... seguro. Imagens bonitas onde tudo ganha outro sentido. Um significado ainda maior. Estados de Graça que eu gosto de registar, para nunca esquecer.
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Um agradecimento especial ao Jorge Lima, ele sabe porquê.

O regime em queda livre

Isto agora não interessa nada, mas aqui entre nós, a vertigem dos apaniguados do regime tornou-se delirante. Foi o que se viu com os despudorados festejos do Partido, que apesar dos dois terços de abstenção em Lisboa festejou a vitória do Dr. Costa com uma manifestação encenada por uns quaisquer figurantes recrutados noutras paragens. Sem verdade, sem vergonha. A credibilidade é nula, e o desprezo do país pelas instituições medra, medra... como o egoísmo e a irresponsabilidade. O exemplo vem de cima.
Por mim, também não festejo este lento e progressivo desmantelamento dos mitos da República, que de caminho vulgariza valores fundamentais como os da Liberdade e da Democracia. O meu ardente desejo é que a politica se centre em ideais e nos valores da ética e do serviço à Pátria. Esta é a única maneira de relançar da auto-estima nacional, e calar os Saramagos, mercenários e outros “devoristas” da nossa praça. A prazo essa é a única fórmula eficaz de preservação da nossa estimada liberdade. Portugal anseia por Heróis, para que a história nunca acabe. E os partidos na oposição têm por certo mais uma oportunidade.

A democracia e o mercado

Discordo profundamente desta perspectiva liberal de que a prática da cidadania se insere numa mera lógica de “oferta e procura” estimulada (ou não) pelos políticos da circunstância. Por tudo o que se joga, estes não podem ser comparados à “companhia de teatro" que não consegue seduzir os espectadores à sua plateia, como refere Pedro Lomba na sua crónica de hoje no Diário de Notícias.

6 coisas que me chatearam nestas autárquicas

1 Abstenção. O Tuga não quer mesmo “saber”, a não ser que venha para a rambóia na cámineta do partido com as despesas pagas, "a mais" ao garrafão. Houve quem levianamente rezasse ao S. Pedro para que nos levasse o Sol, o que, como se viu, não serviu de nada. É o “sistema” posto em causa e uma brecha no regime.
2 – A eleição de Sá Fernandes, o socialista de esquerda (!). O anti-sistema a mamar do “sistema”.
3O PSD e o seu Negrão. Foi o que se viu, a noite das facas longas é já daqui a pouco. Uma telenovela a não perder, nos meses que se seguem.
4 CDS. Um partido inteiro a meter água, esvaído de ideias... e de pessoas. E aqueles cartazes que eram um susto!
5 – Um país cor-de-rosa. Com a da direita em autofagia, e uma mãozinha do 5º poder, a jacobinada vai tomando conta do "sistema". O problema é que o “sistema” já tresanda...
6 – Ver a bandeira portuguesa da monarquia arrastada nas mãos dum imbecil, como se este símbolo nacional fosse um mero franchising para obtenção de resultados... pessoais.

Domingo

Evangelho segundo São Lucas, 10-25-37

Naquele tempo, levantou-se um doutor da lei e perguntou a Jesus para O experimentar: «Mestre,que hei-de fazer para receber como herança a vida eterna?» Jesus disse-lhe: «Que está escrito na lei? Como lês tu?» Ele respondeu: «Amarás o Senhor teu Deuscom todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo». Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem. Faz isso e viverás». Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: «E quem é o meu próximo?»
Jesus, tomando a palavra, disse: «Um homem descia de Jerusalém para Jericóe caiu nas mãos dos salteadores. Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-noe foram-se embora, deixando-o meio morto. Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar,viu-o e passou adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas,deu-as ao estalajadeiro e disse: ‘Trata bem dele; e o que gastares a maiseu to pagarei quando voltar’.
Qual destes três te parece ter sido o próximodaquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?» O doutor da lei respondeu: «O que teve compaixão dele». Disse-lhe Jesus: «Então vai e faz o mesmo».

Da Bíblia Sagrada

Qualquer dia vai tudo para a fogueira

Tem chamada de capa no DN de hoje: O álbum Tintim no Congo foi proscrito das prateleiras de livros infantis em Inglaterra. Acusada de racista, pela Comissão pela Igualdade Racial da Grã-Bretanha (CRE), esta história de BD infantil, desenhada nos anos 30 por Hergé, reflecte um discurso estético e politico da época. Na sua trama algo ingénua e de traços ainda primários, encontramos a realidade e os mitos de uma África profunda e atrasada (face aos cânones ocidentais). Talvez afinal Cocô, o leal amiguinho africano, também seja um sinal de submissão civilizacional. No cúmulo do tão genial quanto absurdo guião, quando os chimpanzés raptam o Milou, Tintim acorre matando com uma carabina um exemplar, para vestir-lhe a pele e deste modo imiscuir-se no seio da comunidade assim resgatando o seu fiel amigo. Um delírio. Esta sequência (que no mínimo é uma imundície), entusiasmou várias gerações de tolas criancinhas e prazenteiros adultos... racistas e desrespeitadores da natureza.
Parece-me é que este puritanismo politicamente correcto, a prazo, compromete profundamente a nossa liberdade. Esta nova e omnipresente inquisição é patética e preocupante.
Afinal, quando folheamos o Tintim no Congo com gozo, devemo-nos envergonhar de quê? Do passado e da nossa história? Ou antes das guerras fratricidas, das fomes, da escravizante degradação humana que grassa hoje no continente africano livre e independente... diante do olhar cruelmente insensibilizado, quase indiferente, do ocidental opulento, modernaço e moralista?