Era inevitável enfrentar o problema. Desde que deixei de fumar há quase quatro anos, num também histórico 1º de Dezembro, iniciei um lento processo de expansão adiposa. Esse foi um duro período de provação e de alguma incontinência emocional, confesso. Com a tolerância à frustração nos mínimos dos mínimos, recorrentemente descompunha meio mundo (decididamente unido para me tramar), quase me divorciava e perdia o emprego. No início desse tempo de trevas, engordava só de olhar para os bolos na montra da pastelaria ou de ler a ementa do restaurante. Prescindira do prazer de fumar e chegara à plenitude dos “quarentas”. Simplesmente continuei jovialmente a gostar de Alheiras fritas, ou da bela Feijoada com pãozinho para molhar... sem esquecer uns deliciosos Ovos Moles ou um Suspiro de vez em quando. Não resistia a uma Fartura frita na feira ou a um belo Bacalhau à Braz ensopado em azeite lá da terra (nem sei qual, que eu sou de Lisboa). Ainda olhava com desprezo para todos os subprodutos
light, "zero", magro, saladas e quejandos. Seria capaz de me inspirar nisso para escrever a mais mordaz crónica sobre a proliferação gastronómica para dondocas, anorécticas e metrossexuais. "Pela boca morre o peixe", e eu às vezes também me lixo.
Até há pouco tempo, o meu organismo sempre queimava desprendidamente a mais vasta gama de gorduras e guloseimas. Mas esse tempo lá se foi, fui inchando lentamente até começar a ficar com a roupa mais justa, apertar mal o casaco e o botão do colarinho. Estes foram os emergentes e dolorosos alertas. Depois de deixar de fumar, chegara a hora de
deixar de comer.
Assim, há uns meses iniciei um exigente regime alimentar, tudo como mandam as regras. Primeiro, comecei por engolir o orgulho, o que suponho é do mais dietético que há; para logo de seguida me tornar freguês daqueles absurdos restaurantes de comida dita “saudável”. Até começar a encher o carrinho do supermercado com comida “a fingir” cheia de coraçõezinhos estilizados e silhuetas femininas na embalagem. Aqui nas Amoreiras, com total confiança na minha masculinidade, hoje circulo com surpreendente à vontade no meio das mais esbeltas ou escanzeladas figuras femininas. Todas elas fãs de queijos frescos e daquelas saladas cheias de nada e umas raspas de noz moscada. Agora também bebo aqueles sumos e sopas, mistelas indizíveis, a saber a pouco ou coisa nenhuma. Tudo isto para almoçar e ficar esganado de fome. Aliás é muito fácil comer poucas bolachas quando estas sabem a casca de árvore. E depois, já me oriento no supermercado no meio daquelas prateleiras cheias de comida Zen, "zeros" e
lights, manteiga magra (!)... ou ainda aquelas infusões de ervas e águas amargosas, livres de calorias (!) mas com fibras e a bela carnitina... a fome acessível à endinheirada freguesia!
Ao fim-de-semana, com mais tempo, uma Dourada grelhada é que marcha mesmo bem... e depois p’rali fico, oprimido, a salivar pelos Bitoques dos miúdos e a ver a minha mulher feliz (mas culpada, eu sei!) a comer um delicioso Bolo de Claras.
Agora, estou quase a atingir o meu peso ideal, estou quase a acabar com o tormento, esta louca cruzada, de que me rio para não chorar. E sinceramente acho que vou voltar a comer aquilo que me apetecer. E que, com um pouco mais de ginástica, até vou controlar as coisas!