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João Távora

Regicídio - Em abono da verdade

Foi ontem apresentado no Palácio da Independência, ao Rossio, o Dossier Regicídio – O Processo Desaparecido, um trabalho de dois anos de investigação coordenado por Mendo Castro Henriques e com a colaboração de Maria João Medeiros, João Mendes Rosa, Jaime Regalado e Luiz Alberto Moniz Bandeira. O livro, com 348 páginas e 400 ilustrações, resulta de dois anos de investigação que tratou cerca de 1.500 documentos, alguns inéditos, 400 artigos e opúsculos, 60 livros, de arquivos públicos e particulares.
Na falta do processo instaurado na época pelo juízo de instrução criminal e convenientemente sumido depois do cinco de Outubro algures no gabinete de Afonso Costa, a obra centra-se na documentação possível dos factos ocorridos na trágica data, obviamente sem que se possam assacar conclusões cabais.
Sobre o assunto, o Juiz Desembargador Rui Rangel, a quem coube a apresentação da obra, salientou a fatídica tradição nacional da incapacidade da instituição judicial portuguesa em evitar a interferência dos poderes políticos. Como exemplo, o orador referiu, além do regicídio de 1908, o assassinato de Humberto Delgado e o caso Camarate.
Uma obra a não perder, em abono da verdade.

D. Carlos, um rei constitucional

(...) "A construção da actual democracia em Portugal foi feita não apenas contra o Estado Novo, mas também contra a I República. Dependeu de uma nova cultura política, em que se admitiu o princípio de que a validade das eleições dependia mais das instituições e procedimentos do que das "qualidades" da população. Dependeu também de se ter voltado a reconhecer novamente, como no tempo da monarquia constitucional, que a razão é algo distribuído a mais de uma opinião ou partido. Obteve-se assim um regime aberto a todos, e em que o voto de todos é a base da alternância no poder.
Os exclusivismos, porém, deixaram herdeiros frustrados. Há quem ainda não tenha percebido por que é que não é dono desta democracia, tal como o PRP foi dono da I República ou os salazaristas do Estado Novo. Eis o que representam os contestatários da comemoração de D. Carlos."
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Rui Ramos no jornal Público

Gloriosos momentos

Com uma exibição galharda (gosto desta palavra), o Sporting ontem evidenciou as fragilidades que tem sido seu apanágio esta época: um meio campo pouco versátil e um bloco defensivo lento, às vezes desconcentrado, além da falta de alternativas no banco.
Mas tivemos a sorte que nos tem faltado noutros jogos e acabámos por ganhar bem. Espero que esta vitória inspire a rapaziada para o resto da temporada, pois eu já tinha saudades de festejar estas emoções básicas. Momentos que valeram bem a gripe que se vai revelando agora em mim.

Imagem daqui.

Domingo

Primeira Epístola do apóstolo S. Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Rogo-vos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma linguagem e que não haja divisões entre vós, permanecendo bem unidos, no mesmo pensar e no mesmo agir. Eu soube, meus irmãos, pela gente de Cloé, que há divisões entre vós, que há entre vós quem diga: «Eu sou de Paulo», «eu de Apolo», «eu de Pedro», «eu de Cristo». Estará Cristo dividido? Porventura Paulo foi crucificado por vós? Foi em nome de Paulo que recebestes o Baptismo? Na verdade, Cristo não me enviou para baptizar, mas para anunciar o Evangelho; não, porém, com sabedoria de palavras, a fim de não desvirtuar a cruz de Cristo.

Da Bíblia Sagrada

Maria Clementina

Foi há muito, muito tempo por esta altura do ano que encontrámos a Maria Clementina abandonada numa ninhada de gatos. Voltávamos então para casa nós os cinco irmãos ainda pequenos, com a minha mãe, de regresso de uma tarde de brincadeira no Jardim da Estrela. A memória é vaga, mas lembro-me de que a bichana não abria os olhos, e que parecia desesperada com o seu miar débil e insistente. Apesar do aspecto raquítico foi escolhida pelo seu traje original: focinho rosado sob uma mascarilha branca, pêlo prateado com umas imaculadas luvas e botinhas brancas nas patas.
Acomodada numa caixa de sapatos, e sem parar de gemer, cedo o bicho chamou a atenção do meu pai no seu escritório. Terá sido assim, desviando a atenção da sua eterna leitura, que resmungou o seu primeiro voto de desagrado pela adopção. Voto que pairaria pesando por alguns anos sob a vida da gata e sobre a minha cabeça.
Foi à noite, connosco todos de pijama à volta da cama dos meus pais, que a minha mãe conseguiu injectar um pouco de leite com uma seringa de plástico na minúscula boquinha da gatinha. E foi nessa ocasião que nós a baptizámos de "Maria Clementina", ao que a minha mãe, com o seu peculiar sentido de humor, acrescentou o apelido "Joly Braga Santos". Este foi o polémico nome da gatinha, que tanto chocaria a nossa fiel mulher-a-dias, a Lídia, senhora de profunda religiosidade e tão ciosa do seu culto mariano.
Maria Clementina cresceu em sabedoria e graça, já que de tamanho nunca foi grande coisa. Fazia grandes e repentinas corridas pela casa fora, trepava paredes e cortinados, apanhava moscas com a patinha e rebolava enrolada na minha mão mordiscando-a com pequenos coices. Adoptei-a como minha, e com o tempo a propriedade foi-me reconhecida por todos, excepto pela própria: de sesta em sesta, saltitava de colo em colo e de noite para noite aninhava-se em diferentes camas, coisa que me deixava algo despeitado e ciumento. Mas lembro-me bem de ter assistido a várias Tardes de Cinema dominicais com a Maria Clementina ronronando aninhada nas minhas pernas cruzadas. Eu esforçava-me por legitimar a minha hegemonia e assumia o árduo trabalho de criar um felino naquele terceiro andar em Campo d’Ourique: tratava do caixote renovando a serradura e cuidava da sua alimentação, surripiando os mais apetitosos restos de comida e, sempre que se proporcionava, numa ida às compras, adicionava umas latas de Kitty Cat ao carrinho. Esses dias eram especiais, pois conquistava o coração da Maria Clementina, que enquanto eu suava a abrir a lata subia pelas minhas pernas, em sonoros roncos de prazer.
Mas o facto é que a gatinha vivia lá em casa numa semi-clandestinidade, e isso era uma sombra negra na minha vida, e penso que também dos meus irmãos. Após uma primeira rejeição pela parte do meu pai, Maria Clementina conquistou-o por um curto período, quando, graciosa e ainda bebé, fazia irresistíveis brincadeiras e jogos que só a uma besta poderiam deixar indiferente. O problema adensou-se com o tempo: a gata adquiriu o vício de arranhar os sofás, crescia e perdia o encanto. O pior era quando periodicamente era acometida por umas estranhas crises que chegavam a perdurar infindáveis dias, em que “uivava” autenticamente, arrastando-se languidamente pelo chão, indiferente às nossas zangas e chamadas “à terra”. Era o cio. Por essa altura a minha mãe caíra doente, situação que perduraria por muitos anos, e por grandes que fossem as fúrias do meu pai contra o bichano, nós as crianças nunca soubemos bem como lidar com tal situação.
Aconteceu uns anos mais tarde, quando a Maria Clementina lutava com uma feia doença na pele que o veterinário e eu não conseguíamos debelar. Foi numa tarde fria de Inverno pelas vésperas de um Natal qualquer, que aquilo que eu mais temia aconteceu. A gata, numa das suas incontidas correrias, deitou a árvore de Natal ao chão, e partiu umas peças de porcelana de que o meu pai tanto gostava. Nesse dia, quando cheguei a casa, já não ouvi a sua fúria insana que ocorrera minutos antes, só os choros reprimidos das minhas irmãs. Quanto à Maria Clementina, a bronca tinha sido a gota d’água e a sentença desta vez era irremediável.
A nossa gatinha, por ordem inabalável do meu pai, foi abandonada nesse dia na rua, ali para o lado dos Bombeiros. Ainda a vi refugiar-se assustadíssima debaixo de um carro estacionado. Era a sua primeira experiência de rua.
Durante muito tempo, confundi a pena que tinha do bicho com a pena que tive de mim. Durante muito tempo, quando passava naquela esquina da Rua Correia Teles com emoções contraditórias, procurava, incrédulo, sinais da Maria Clementina. Que afinal nunca mais deu sinal de vida.

Impressões Musicais (14)


There's a long highway in your mind
The spirit road that you must find
To get you home to peace again
Where you belong my love lost friend

(…) *

Foi um dos mais queridos presentes de Natal que recebi; afinal sou uma pessoa de gostos simples: falo do último disco de Neil Young - Chrome Dreams II. Este é um álbum em que o autor recupera algumas preciosidades avulsas sem edição oficial, e que se revela mais uma pérola deste grande poeta, compositor e cantor sem idade. Neste disco coabitam harmonicamente as duas principais facetas da carreira de Neil Young, o rock áspero tipo grunge (à boa maneira Rust Never Sleeps) ao country rock (à boa maneira de Harvest, Harvest Moon ou Comes A Time). O velho índio canadiano, que aparece com um aspecto impressionantemente envelhecido nas fotografias da capa, contraria definitivamente essa impressão pelo brilho e vigor que imprime à sua música. Com a colaboração de Ralph Molina, baterista dos Crazy Horse e pelo guitarrista Ben Keith, Chrome Dreams II resulta um trabalho soberbo e viril, porque a arte não é assexuada e porque há música no masculino. Finalmente quero destacar dois impressionantes temas: uma endiabrada celebração de rock n’ roll que é Ordinary People (vinte minutos de puro deleite), e Spirit Road, irresistível desconcertante rockalhada, que porá aos saltos o mais insensível apreciador de música popular.

* Spirit Road, Neil Young - Chrome Dreams II, 2007

Zero à esquerda

Dizem que durante o ano de 2007, enquanto a direita se auto-aniquilava metodicamente, gramávamos com mais de cinquenta horas de José Sócrates na televisão. O nosso primeiro-ministro é afinal de contas um karma nacional, um verdadeiro castigo por conta da nossa impassibilidade e insipiência. Ou não fosse verdade que um “zero à esquerda” acedeu fulminante ao poder num partido afinal com tradição e história. E que esse zero à esquerda, alcançada uma esmagadora maioria absoluta nas legislativas, vem esbanjando uma oportunidade impar de reformar o estado pelo lado que conta - o da despesa, do desperdício. Um “zero à esquerda” que malbarata a anuência tácita duma comunicação social tradicional e antropologicamente da sua cor para trabalhar patrioticamente numa regeneração estrutural do País... E que se prepara para sair pela porta pequena da história sob vaias e assobios, ódios e ressentimentos, por conta das assustadoras impopulares reformas que afinal não fez.

Abafa-te e abifa-te

O nosso João Villalobos está de molho com uma gripalhada daquelas e vai daí eu dedico-lhe esta graçola:

O Armando encontra o seu vizinho no café e diz:
- Ó Júlio, ouvi dizer que morreu a tua mãe...
- É verdade Armando, foi na semana passada - responde o Júlio com ar pesaroso.
- E então posso saber de que morreu a Sra. sua mãezinha? - Pergunta o Armando com simpatia.
- Olha, imagina que morreu com uma gripe... – responde o Júlio de olhos marejados de lágrimas.
- Oh pá! – Exclama aliviado o amigo Armando – Ainda bem que não foi nada de grave!


PS - Volta depressa que estás perdoado!

Domingo

Evangelho segundo São João 1, 29-34

Naquele tempo, João Baptista viu Jesus, que vinha ao seu encontro, e exclamou: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. É d’Ele que eu dizia: ‘Depois de mim vem um homem, que passou à minha frente, porque era antes de mim’. Eu não O conhecia, mas foi para Ele Se manifestar a Israel que eu vim baptizar na água». João deu mais este testemunho: «Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e permanecer sobre Ele. Eu não O conhecia, mas quem me enviou na baptizar na água é que me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e permanecer é que baptiza no Espírito Santo’. Ora, eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».

Da Bíblia Sagrada

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