As primitivas memórias que guardo dos Verões em Milfontes fazem sentir-me velho. Nos anos sessenta, exceptuando o café da Barbacã, que tinha televisão e gelados, e talvez nalguma casa que eu ignoro, a iluminação utilizada era gerada por lamparinas de petróleo. Nessa época recordo-me de comprar rebuçados a meio tostão, e de na feira de Agosto cobiçar um reluzente bimotor Douglas em folha de flandres. É desses tempos que me lembro das infindáveis horas de sesta a que nós, crianças, éramos cruelmente condenadas todas as tardes. Eu invariavelmente suportava o castigo impaciente, de olhos esbugalhados no escuro, mas com os ouvidos nos sons da tarde mole, que se arrastava lá fora na rua a estalar de calor.
Foi nos anos sessenta que tomei consciência do mundo; quando os americanos chegavam à lua e se atravessava o rio Mira numa chata que o Sr. Joaquim Viola remava com um só remo alçado sobre a ré.
Conhecida como Princesa do Alentejo, a terra das três mentiras (não é vila, não é nova nem tem mil fontes) era principalmente uma aldeia de pescadores e tinha umas dezenas de casas à volta do forte seiscentista, e poucos eram os privilegiados forasteiros que usufruíam daquela encantadora praia, encimada por um areal imenso de altas dunas.
Todos os anos naquela pequena aldeia, durante umas semanas valentes, sentia-me incomensuravelmente feliz: com o nariz e as bochechas empastadas de Caladril, uma pomada cor-de-rosa para as queimaduras, passava todo o tempo possível dentro d’água. Diariamente, pela manhã (aqui presto devida homenagem à minha mãe, que tão perseverantemente pastoreava um rebanho de cinco rebeldes criancinhas), lá íamos todos para a praia junto do rio, que então era suficientemente espaçosa para as poucas dezenas de famílias de veraneantes que aí se encontravam todos os anos. Hoje essa praia encontra-se rasgada por uma estrada de alcatrão e o areal recuou pela erosão das marés tornando-a impraticável, pelo menos no Verão.
(Continua em baixo)