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João Távora

Crónica mundana

 

Sou um homem vulgar daqueles que com demasiada facilidade se maravilha com a beleza de uma mulher. Apenas o meu "estatuto" e a noção de ridículo me impedem de tropeçar enlevado com alguma carinha laroca que se cruze no meu caminho. Digo “carinha laroca” porque, ao contrário do que possa parecer, é pelo charme e beleza da sua cara que uma mulher verdadeiramente seduz. Admito que há atributos mais berrantes, mas após um impacto imediato, sem a uma verdadeira Graça, rapidamente se esvaziam (salvo seja).

Tudo isto para dizer que me desgosta o aspecto daquelas mulheres que se escondem atrás de betumes coloridos com que se entretêm feitas Paulas Regos nas filas de trânsito. Responder-me-ão que uma maquilhagem bem feita, mal se nota. Esse argumento apenas vem reforçar a minha tese: se é para não se notar, para quê mascarar?

Por influência das séries juvenis norte-americanas até a minha filha de oito anos anseia por cremes e pinturas. Ando a tentar convencê-la de que ela é uma privilegiada, que não estrague a sua pele imaculada.  

Enfim, na minha modesta opinião, uma cara bonita é uma cara bonita, com as suas marcas de expressão, com sombras e acidentes de percurso até chegar aos olhos onde só um verdadeiro brilho, reflectido por uma alma feliz, pode impressionar o mais empedernido príncipe. A mim parece-me que o resto da traquitana é mero placebo de outras maleitas, ou então um simples entretenimento para engarrafamentos de trânsito, ou atrasar um jantar ou uma cerimónia qualquer. Palavra de admirador. 

Estranhos tempos

A minha mulher foi ontem chamada à pressa ao colégio porque o nosso petiz de dois anos estava (pela enésima vez na sua curta existência) com febre e tosse. Foi encontrá-lo na “sala de isolamento” acompanhado por uma auxiliar de máscara na cara. Este cenário parece-me no mínimo cómico, oriundo dum local, um colégio infantil, que por natureza é um foco das mais variadas moléstias que frequentemente os bebés contagiam uns aos outros. Confesso que a mim parecem-me estranhas estas “distracções”, com que anafadamente nos alimentamos nos dias de hoje. 

Desapontamento cor-de-rosa

 

Num impulso nostálgico e a pensar na “cultura” das minhas criancinhas pus-me a coleccionar os DVDs da  Pantera Cor-de-Rosa de Friz Freleng que sai aos sábados com o Público. Na minha memória eu guardava o fascínio do personagem principal, a divertida banda sonora de Henry Mancini, os cenários geométricos em esquiço de cores garridas, e o sentido de humor da série delirantemente sarcástico. Não podia eu imaginar o nefasto efeito de indigestão causado pela visualização de inúmeros episódios seguidos, da repetição exaustiva do tema musical, da receita do humor sempre igual e dos os invariáveis e minimais grafismos: ao terceiro episódio, todo encanto e graça da Pantera, mesmo sendo Cor-de-rosa, esvaíra-se totalmente, e as minhas crianças olhavam para mim de soslaio insinuando uma imensa “seca”. Talvez pouco convincente, ainda lhes expliquei que antigamente era uma Graça caída dos céus, quando o canal único de televisão exibia um episódio avulso e acidental, entre um programa de agricultura e um telejornal chatíssimo sem facadas ou inconfidências da vida real. Não entenderam e voltaram insolentes para os seus computadores pessoais trocar mensagens, ficheiros mp3 e clips do youtube enfim, a interagir com o mundo. 

 

Ainda dá para recuperar uns cobres?

 

São magníficos os sinais de sucesso da campanha de vacinação contra a terrível Peste Suína que assola a nação. No maior Centro de Saúde do país em Sacavém (deve ser lindo), a sala de vacinação às 14,00hs continuava às moscas. Espera-se que o laboratório aceite devoluções das vacinas em demasia, e que de caminho aceite uma Ana Jorge como brinde: diz que agora temos meia dúzia delas no governo.

Do maniqueísmo à tentação dos despotismos

A pretensão de que os católicos ou a sua hierarquia não têm o direito de tomar públicas posições sobre questões éticas ou políticas é uma tentação profundamente tirânica, apenas materializada nas mais sanguinárias ditaduras do século XX. Simplesmente é da natureza das religiões possuírem doutrina e preocupações de  âmbito moral e social. 

De resto confesso que cada vez tenho mais dificuldade em tolerar um maniqueísmo exacerbado que prevalece numa certa sociedade portuguesa, e que uma boa parte da blogosfera espelha tão corriqueiramente. É estranho que em pleno Século XXI, à moda dum certo “Processo Revolucionário em Curso” de tão má memória, se alimentem ódios perfeitamente básicos e fratricidas esgrimidos num afã de vida ou de morte, que mata à partida qualquer discussão construtiva. Parece-me que uma controvérsia não se pode assemelhar a um duelo de onde apenas um lado pode sair com vida; isso torna-a doentia e estéril.

Ainda a Bíblia e Saramago

 

A Bíblia, sendo considerada pelos Cristãos uma obra de inspiração divina não é no seu todo dogma ou matéria de fé. Trata-se de uma “colectânea” de vários livros extraordinários, escritos em épocas diferentes, no espaço de 1.600 anos, em vários estilos e muitos deles metafóricos ou poéticos. Para os Cristãos, a Bíblia divide-se em duas partes principais: o Antigo Testamento e o Novo Testamento, que no seu conjunto descrevem, sob distintas formas e perspectivas a peregrinação do Homem no conhecimento de Deus. O que é doutrina para os cristãos está contido nos Evangelhos (Novo Testamento), os ensinamentos de Jesus Cristo que indicam o caminho da salvação e da vida eterna. 

De resto, como afirma o Luis Naves aqui em baixo, a Bíblia, mesmo que do ponto de vista meramente filosófico e literário vale como uma Obra Prima da humanidade, e a sua leitura convém ser feita seguindo algumas regras ditadas pela Hermenêutica, a ciência que trata da interpretação dos textos.

Mal comparado,  qualquer um pode, por imodéstia ou leviandade (ou mais prosaicamente por falta de ouvido) depreciar Beethoven, e aviltar a sua obra, mas tal juízo resultará certamente num disparate que só ao próprio deixará ficar mal.  

 

A revolução devorando os seus filhos

 

Faz hoje oitenta e oito anos que os ímpetos revolucionários e a instabilidade política da república produziram um dos seus mais aberrantes acontecimentos, quando, ao mesmo tempo que o assassino de sidónio Pais era libertado da cadeia eram barbaramente assassinados António Granjo, Carlos da Maia, Freitas da Silva, Machado dos Santos e Botelho de Vasconcelos, naquela que ficou conhecida pela Noite Sangrenta, com o protagonismo dum obscuro cabo Abel Olímpio o "Dente de ouro" e a sua Camioneta fantasma (na imagem).

 

Publicado também aqui

Paciencia de Jó...

José Saramago é, na minha opinião, um escritor mediano e homem amargo, zangado com a vida e com a humanidade, e prova viva da total arbitrariedade política do “prémio Nobel”. Com uma sensibilidade comercial impar, o autor move-se e manipula como poucos o espaço mediático, em especial quando lança uma nova produção: a um estalar de dedos, a grande nação jornalística lança-se-lhe submissa aos pés, para gáudio dum pequeno Portugal ressabiado, jacobino e dogmático. Só assim se entende o porquê dum país inteiro despertar a uma segunda-feira com as rádios televisões e jornais proclamando as blasfémias do escritor: contra todos os filósofos ou homens de cultura dos últimos dois mil anos, o senhor Saramago vem a descobrir e denunciar que afinal a Bíblia “é um manual de maus costumes”.

Toda a vida houve quem dissesse grandes disparates, sem que deles fosse necessário apelar ao contraditório, à razoabilidade ou ao bom senso: eram simples disparates que não saiam dalgum pasquim, de conversas de café ou de salão. A diferença nos dias de hoje é o sucesso instrumental que facilmente obtêm estas frases assassinas, acalentadas por uma comunicação social que se alimenta, não dos factos ou da informação, mas da polémica sensacionalista. Mesmo que isso reverta na desinformação de muita gente incauta ou promova os mais obscuros projectos políticos.

Bom romance dá bom cinema

 

O filme “Os Homens que Odeiam as Mulheres” de Niels Arden Oplev, o primeiro da triologia Millenium de do autor sueco Stieg Larsson (1954-2004) prova que o factor língua não conta no bom cinema, e confirma a importância de um bom argumento para o bom cinema de actores. A não perder, mesmo por quem leu a obra. 

Do anticlericalismo

A tese defendida nestas páginas * é a de que, se é certo que o melhor juiz do cristianismo é o cristão, o segundo melhor juiz será o confucionista. O pior juiz de todos é aquele que, hoje em dia mais se presta a fazer juízos: é o cristão mal formado, que se vai tornando gradualmente num agnóstico mal disposto, enredado até ao fim numa batalha cujo começo nunca entendeu, afectado até ao fim por um tédio com não sabe bem o quê, já fatigado de ouvir aquilo que nunca ouviu. Este homem não avalia o cristianismo com a calma com que o avalia um confucionista. Não é capaz de, por um esforço de imaginação, colocar a Igreja Católica a milhares de quilómetros de distância de si, suspensa em estranhos céus matinais, e de a julgar com a imparcialidade com que julga um pagode chinês. 

 

* O Homem Eterno (1926) Aletheia Editores 2009, de G. K. Chesterton, inglês poeta e filosofo, católico convertido e “optimista feito a pulso”. 

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