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João Távora

A grande mascarada e um apelo

 

O Partido Republicano em Portugal nunca apresentou um programa, nem verdadeiramente tem um programa. Mais ainda, nem o pode ter: porque todas as reformas que, como Partido Republicano, lhe cumpriria reclamar já foram realizadas pelo liberalismo monárquico. (…) A república não pode deixar de inquietar o espírito de todos os patriotas.

 

Eça de Queirós, «Novos Factores da Política Portuguesa»,
Revista de Portugal, Volume II, Abril de 1890, 

 

 

Não deveriam significar qualquer surpresa as efabuladas evocações que se difundiram e publicaram nos últimos dias a propósito dos festejos do Centenário da República que este fim-de-semana com pompa arrancaram no Porto. Estas constituíram um generoso tempo de antena atribuído ao ancilosado regime pela Comunicação Social que afinal dele julga que depende e presta vassalagem. O que se lamenta profundamente é que a Comissão das Comemorações de Santos Silva e Fernanda Rollo, em conluio com a generalidade desses OCS, em desrespeito pela pluralidade de pontos de vista e liberdade de expressão da qual se consideram exclusivos senhorios, promovam um discurso mentiroso ou idealizado sobre os republicanos da revolução do 5 de Outubro e a história dos últimos cem anos. Isto é fazer pouco da inteligência dos portugueses que conseguem desmontar a mascarada: branquear desta forma impune um dos períodos mais negros da nossa história, que emerge na sequência dum tenebroso duplo assassinato (o regicídio), em que um conjunto de terroristas e radicais se apoderaram durante dezasseis anos dos destinos de Portugal. Nem Fernando Rosas, apesar da sua militância política, tem lata para disfarçar assim as mais salientes nódoas do regime nascido em 1910. 

Nas múltiplas entrevistas recentemente concedidas pelas televisões e rádios a um qualquer porta-voz da comissão das festas, quando o pivot, por ignorância, inércia ou cumplicidade, prescinde do sua função critica ou de contraditório, tal constitui indubitavelmente um atentado aos mais basilares princípios democráticos. Quererem impingir-nos sem mais nem menos, que Portugal por causa da sua República é mais livre e desenvolvido do que países como a Bélgica, a Inglaterra, a Holanda ou a Suécia, é uma tremenda embustice que carece ser denunciada. Ignorar que a União Soviética, a China, a Alemanha nazi ou Cuba, foram ou são tão republicanas quanto os governos de Afonso Costa ou Salazar à sua época, no mínimo deveria ser motivo de escândalo. Proclamar que foi a revolução do Partido Republicano Português que trouxe a igualdade dos cidadãos perante a lei, o voto universal, ou a liberdade de imprensa, além de constituir uma prova de colossal ignorância, significa o desprezo pela profunda revolução liberal ocorrida durante o século XIX em Portugal, e um vilipendio a todos os seus protagonistas das mais diversas facções políticas; de então Almeida Garrett, Sá da Bandeira, José Estêvão, Fontes Pereira de Melo ou Ramalho Ortigão. E isso, nenhum jornalista de boa fé deveria jamais ignorar. 

É deste modo em nome da liberdade e do direito ao contraditório, que se apela a uma urgente mudança de perspectiva e atitude por parte dos OCS, chamando os críticos da Iª república, monárquicos ou republicanos, ao palanque das celebrações. Porque desprezar a História e comprometer um livre debate sobre a república em nome da propaganda, compromete em primeiro lugar a nação que todos somos. Todos.

 

 

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Sensibilidades e bom senso

 

 

Sem intenção de desvalorizar uma séria discussão sobre o confronto entre as tecnologias de informação e a vigilância electrónica com os limites da privacidade dos indivíduos, parece-me algo exagerado o alerta hoje emitido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (e quem não tem direito uma bela comissão?) a propósito do Dia Europeu da Protecção de Dados que é hoje. 

Por mim não vejo no que possa comprometer um pacato cidadão ser casualmente captado por uma câmara de vigilância num local em que tal se justifique como medida de prevenção ao crime. Também não reconheço que os dispositivos de pagamento electrónico de portagens e parques de estacionamento constituam por si qualquer perigo para o condutor: ele terá sempre a opção de utilizar dinheiro vivo, que como é sabido não deixa rasto, ou até pode escolher circular por estradas secundárias. A mesma regra se aplica aos cartões Multibanco ou de Crédito: no fundo quem se sentir ameaçado pelos estratos mensais na sua caixa do correio tem sempre a opção de fazer compras com dinheiro.

De resto quando abro a minha página da Amazon anoto com agrado que eles, graças a uma bem gerida base de dados, apresentam uma “montra” à minha medida e sabem do que eu gosto, o que por vezes me poupa uns bons minutos de pesquisa. 

Sobre a tão propalada questão dos scanners dos aeroportos: garantida a inexistência de significativos riscos para a saúde, acredito que eles constituem uma solução eficaz para um embarque mais cómodo e escorreito e um voo sem desagradáveis surpresas que pudessem ter sido evitadas.  Presumo que aqueles que reclamam constituir esta tecnologia "uma inadmissível invasão da privacidade do passageiro" devem viajar pouco ou nunca. Certamente nunca passaram o vexame de ser apalpados e despidos, percorrer intermináveis bichas com os sapatos, cintos e malas abertas na mão, seja em Londres, Frankfurt ou Lisboa. A mim, com este ar de terrorista façanhudo que me caracteriza, aconteceu-me já mais do que uma vez em Londres ser conduzido nesses preparos indignos para um gabinete fechado para assistir impotente a uma minuciosa análise do meu computador. Enfim, deixemo-nos de falsos puritanismos e venha de lá o bendito scanner que eu trabalho no alto duma torre das Amoreiras e vejo os aviões ameaçadores a cada minuto de frente para a minha janela. Finalmente, este parece-me mais um daqueles temas fracturantes, cuja infindável e aborrecida discussão será facilmente ultrapassada e resolvida pelos factos que como sempre superam os argumentos... com bom senso.

 

Do preconceito à realidade

Não conheço o género, não sei a quem se dirige ou a quem se refere o António Leite Matos neste seu azedo trecho "à João Gonçalves" (enganou-me bem!). Confesso que não costumo encontrar ninguém de “perna cruzada” nas igrejas que frequento, a não ser algum dos meus filhos uns segundos antes de levar um safanão para se por em ordem e com atenção. 

De resto pergunto-me se, para embirrarmos uns com os outros, já não bastam as escolhas e convicções políticas mais ou menos profundas com que acicatamos uns aos outros. Nesse contexto qual será a importância real dos tiques e vernizes com que costumamos revestir a nossa precária condição?

Tempos perigosos houve neste país de revolucionários, em que era prudente disfarçar um nome sonante e era precavida uma pose “vulgar”. Hoje não é tanto assim, mas em vez disso vigora uma incómoda tendência de uniformização estética, simplista e segmentada por idades ou "públicos alvos". Esse igualitarismo que serve as oligarquias,  de pouco serve as pessoas: a desconcertante diversidade, a história, a complexidade esconde-se no interior do individuo e jamais deveria constituir uma ameaça para ninguém. Isto, caríssimo António é o que descobrimos para lá dos livros e dos gabinetes, para além das nossas convenientes muralhas e complexos sociais. De resto já o disse aqui uma vez: parece-me que os preconceitos só nos impedem de ver mais longe, de sermos mais livres. A verdadeira erudição nunca é preconceituosa. 

 

Gripe dos porcos: o epílogo em poucas linhas

 

Agora que discretamente se negoceiam as devoluções das sobras das vacinas da gripe suína, enquanto as comadres se zangam desenganadas com a "falsidade" da pandemia que afinal pariu um rato, ganha força uma gigantesca teoria da conspiração engendrada pelos suspeitos do costume. A realidade é, no entanto, muito mais complexa do que um filme de espionagem de co-produção europeia: consideremos então em primeiro lugar, que o fantasma duma epidemia é dos assuntos que mais “fascinam” o pagode, e que vende notícias como poucos outros acontecimentos... Consideremos em segundo lugar, que uma ameaça de pandemia constitui uma enorme tentação para um Estado em crise fazer benemérita figura na defesa e cuidado dos seus cidadãos, ou duma qualquer obscura Organização Internacional protagonizar uns inusitados três minutos de estrondosa fama... Se consideremos em terceiro e último lugar, que as farmacêuticas são maléficas organizações empresariais que têm em vista investigar para produzir e vender, temos então constituída a base do explosivo caldo de equívocos, vontades e "boas intenções" que degenerou nesta enorme falácia. Agora meus Senhores, bebam as vacinas com muito gelo que assim se não nota tanto o amargor. 

 

O joker de PP: a abstenção construtiva

Depois de tudo que se escreveu e ajuizou sobre o perverso protagonismo do “pequeno” CDS nas negociações para o Orçamento Geral do Estado, Paulo Portas faz uma jogada de mestre com a “abstenção construtiva” que simplesmente remete a “sentença” da aprovação para os social democratas. Estamos sem dúvida no domínio da mais alta Política, coisa que não impede as legitimas preocupações de muitos portugueses: uma vez mais adivinha-se que serão empurradas com a barriga as medidas vitais que tirem o país do pântano económico em que se está a enterrar. Eu insisto que esta é uma irresponsabilidade cuja cumplicidade infelizmente o PSD e o CDS terão dificuldade em se livrar. 

São assim os grandes amores

 

Sempre admirei a entrega em campo de Sá Pinto: com toda a alma e coração, quando não comportava problemas disciplinares, era um tónico para a restante equipa e também para os adeptos. Mais do que os seus atributos técnicos foi essa singular forma como sempre vestiu a camisola do Sporting que lhe garantiu um lugar no quadro d’ honra de Alvalade. Mas é esse mesmo perfil que o incompatibiliza com um cargo de liderança que ocupava desde há meses. Estava-se mesmo a ver e foi o que se viu: ontem o seu coração uma vez saltou-lhe incontrolável para os punhos. Se alguma razão tinha, perdeu-a toda e agora só lhe resta sair pela porta pequena, e de novo  atravessar o deserto. No final os sportinguistas sempre o perdoarão. São assim os grandes amores. 

 

Dedicado a um lampião simpático

Meu querido grande público

 

Joana Amaral Dias é tema de capa do jornal I por causa do seu livro “Maníacos da Qualidade” dedicado “ao grande público” em que recosta “algumas conturbadas figuras da história de Portugal” no seu divã para um diagnóstico retroactivo. 

Nem posso imaginar o jubilo do “grande público” com a preciosa informação clínica sobre as pancadas de ilustres defuntos que vão do Marquês de Pombal a João César Monteiro, passando por D. Afonso VI a Antero de Quental ou Fernando Pessoa. Eu por mim, não só desconfio dos psicólogos em geral, como dos trabalhos científicos para o grande público: são geralmente tão fiáveis quanto a obra historiográfica do grande intelectual Rui Tavares.  Mas desde já ficam os portugueses penhorados em saber que Joana tem consultório aberto em Lisboa, e a curiosidade mórbida com certeza também terá um tratamento. 

 

 

Curto e grosso

Numa ingrata postura de "responsabilidade", o PSD e o CDS estão como gatos em telhado de zinco quente na questão da viabilização do Orçamento de Estado. Nenhum dos dois quer ser o SPD de Sócrates (que para mal dos nossos pecados nunca será a nossa Merkel), ter esse ónus para exibir num imprevisível julgamento eleitoral que pode tornar-se realidade a qualquer momento. Os sociais democratas levam vantagem na gestão do dilema, pois a direcção a apresentar-se a votos nunca será a mesma que a que hoje negoceia com o governo. Às vezes é preciso repetir e sublinhar as evidencias: seja qual for o orçamento negociado, não comportará os cortes nas despesas indispensáveis para a economia do país manter o nariz à tona do pântano nos anos que se avizinham. Essa é que é a decisiva irresponsabilidade cuja cumplicidade infelizmente nenhum dos dois partidos escapa. 

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