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João Távora

A revogação da revogação, ou a porca da política

Independentemente do crédito que me mereçam as críticas generalizadas ao modelo de avaliação dos professores, tomei como boa a notícia de ontem do chumbo do Tribunal Constitucional da sua revogação proposta por uma duvidosa coligação parlamentar, uma atitude que denuncia a ingovernabilidade deste País de lobbies, clientelas e corporações.

Tomando como factual a necessidade de implementar sistemas de avaliação de mérito também nos mais poderosos sectores do Estado, os partidos do arco da governação deveriam agradecer esta piedosa decisão do Tribunal Constitucional. A revogação da revogação irá poupar-lhes a desventura de iniciarem do zero as fatais negociações dum qualquer novo sistema de avaliação, que, se for eficaz e consequente estará condenado ao protesto pela classe que é poderosa e almeja por “viver habitualmente”, que é o supra-sumo da ambição indígena.

Sei bem como um sistema político avassalado à propaganda e à satisfação a curto prazo das diversas clientelas convida os partidos à deriva populista. Mas tendo em conta o destino de falência a que esse modelo nos trouxe, desconfio que por estes a sobriedade também colhe alguma coisa. Decididamente é com muita dificuldade que um eleitor informado e com consciência cívica fecha os olhos a estes dislates da mais descarada demagogia.

Sexagenário desaparecido

 

É notícia na edição impressa do Público de hoje que a PJ e a GNR resgataram uma sexagenária sequestrada em casa pela filha no concelho de Bragança. E proque esta coisa dos sexagenários mal tratados começa-me a preocupar, proponho que desde já estas eficientes equipas  também investiguem o paradeiro do ministro Teixeira dos Santos, que além de desaparecido das listas do PS ao parlamento, não dá sinais de vida há algum tempo, causando preocupação a todos quantos se habituaram à sua rotineira presença na imprensa, rádio e telejornais. Pela minha parte sugiro às autoridades que iniciem as buscas em S. Bento, justamente nos mesmos armários onde se encontram escondidos os famosos esqueletos.

A afronta

Cá no burgo as excitações e rivalidades da bola já não se limitam aos duelos domésticos entre Sporting Benfica e Porto. Fruto da implacável globalização, por estes dias tivemos meio país empolgado com os sucessivos recontros entre o Real de Madrid e o Barcelona. O assunto é capa de jornais, tema de crónicas e análises, de discussão no café e conversa de rua. Ontem à noite num conhecido Centro Comercial, magotes de pessoas nas esplanadas dos restaurantes e em frente às montras das lojas de electrodomésticos seguiam o desafio entre os rivais espanhóis. Jamais os Filipes almejaram a tanto, e até eu tenho opinião sobre o fenómeno:  é verdade que o Barcelona tem o melhor futebol que alguma vez foi visto, é uma máquina de precisão de passes e toques de bola, que vem em vagas sucessivas de ataques articulados, com dois e três jogadores a chegar quase à pequena área adversária num desdém total pelos adversários que desesperam impotentes de olhos trocados. Mesmo antes da expulsão de Pepe (estava-se mesmo a ver no que ia dar tanto voluntarismo) o jogo parecia de 11 contra 9, que essa é a maneira do Barcelona estar em campo, mesmo quando perde por feitiçaria ou obra do diabo. O Barça é a prova de que não é só com dinheiro que se constrói uma equipa de futebol. Que a perfeição é quase possível…  mas é uma afronta e dá cabo do negócio. 

Por falar em catatuas...

No mais recente filme de animação de Carlos Saldanha, Rio (que não desmerece os créditos alcançados pela divertida saga Idade do Gelo), há um extraordinário personagem, um "pintas" contrabandista de animais exóticos temido e respeitado no morro por… pagar metade do que promete aos biscateiros. É mais ou menos o género de respeito granjeado por José Sócrates nesta espécie de favela da Europa em que se tornou Portugal.

Uma palavra que valha mil imagens

O valor da palavra nestes tempos de aparências anda pelas ruas da amargura. Só isso justifica as intenções de voto no partido socialista perto dos 30% nas mais recentes sondagens.

Houve tempos em que a palavra dada pesava na consciência do homem comum. Então, a desonra dum incumprimento na sua expressão extrema era duramente cobrada em primeiro lugar pela consciência do próprio. Aldrabões, cínicos e hipócritas sempre os houve, mas eram excepção à regra, que a moral era regulada por sólidos valores. Hoje a palavra foi banalizada e já não veicula o individuo, vale pouco. Tudo se descarta, a mentira é tolerada, aceite como normalidade, do mundo empresarial à política e até nas relações pessoais. A cultura relativista do individualismo, tudo dessacralizou e promove uma extensa gradação de meias verdades e meias mentiras, um jogo de sombras e subjectividades que desfiguram o conteúdo em favor da forma, duma "narrativa” ou duma “ilusão eficiente” que seduza o patego.

Num momento em que o nosso País se confronta com uma das mais humilhantes crises da sua história, talvez seja tempo de inverter esse paradigma. Quero crer que muitos incrédulos portugueses confrontados com mais um acto eleitoral e respectivo folclore, rendidos à inevitabilidade da factura que lhes irá ser cobrada, anseiam por pouco barulho, alguma sobriedade e referências aos mais perenes valores da nossa civilização.

Nesse sentido, quero manifestar aqui o meu desejo de que a direcção do CDS, num rigoroso respeito pelo seu ideário, saiba interpretar esses sinais como uma oportunidade de afirmação clara do seu património ideológico; conservador, personalista e cristão. Se é um facto que um duríssimo programa económico nos está predestinado pelas necessárias contrapartidas ao resgate da nossa dívida, sobra-nos como partido pugnar pelos nossos valores humanistas, tão ferozmente agredidos pelas duas últimas fracturantes legislaturas.

Espero que a campanha eleitoral do CDS se pugne por um excepcional sentido de responsabilidade, jamais cedendo ao populismo ou ao relativismo demagogo que trouxe o nosso país até à presente tragédia. Por uma vez na história da nossa democracia, exije-se aos partidos a sóbria humildade de não prometerem aos eleitores menos do que uma verdade inteira: a nossa terapêutica e redenção como comunidade passa inevitavelmente por um espinhoso caminho de escassez e sacrifício. A bandeira para tal desígnio só pode ser Portugal e os seus valores fundacionais, mais nenhuma.

Um conto imoral

Era uma vez um homem pequeno e magrinho, mal tratado pelos anos e privações, de pele curtida pelo sol e pelo mar, que parava todos os dias à porta da tasca daquela rua, de palito na boca e olhar nostálgico, na expectava de algum frete que lhe rendesse uns copos que inflamassem uma boa noite de cavaqueira. Chamava-se Portugal e consta que tinha envergonhadas origens fidalgas, e que em tempos vivera histórias e aventuras de pasmar.
Em frente à tasca, ficava uma magnífica mansão, onde morava uma esbelta senhora chamada Europa que ele há muito observava e seguia de esguelha, num mal disfarçado enlevo. Atraia-o o seu porte elegante e sofisticado que o enchia de arrebatado e secreto desejo.
Certo dia quando a Senhora elegante chegava a casa dumas proveitosas compras, baixando os óculos escuros para o nariz observou mais demoradamente no outro lado da rua o homem de aparência tisica, encostado à parede da tasca, aspirando uma beata sôfrega. Foi nesta sequência que o motorista, após receber indicações da senhora, se dirigiu ao velho jarreta com um cartão, que o convocava para uma visita à bela mansão, naquele mesmo dia à hora do chá. 

Não teve mais sossego nesse dia: foi numa inaudita excitação que se dirigiu ao seu quarto miserável, numas águas-furtadas ali perto, para fazer a barba de 5 dias, com uma lâmina velha, uma fatia de sabão azul e um caco de espelho. Foi com o coração palpitante que Portugal mudou a camisa rota, esfregou as axilas, penteou os poucos cabelos que lhe restavam, pôs uma gravata ruça e um casaco escuro que herdara dum tio emigrante. Às cinco da tarde, quase a desfalecer de emoção, não sem antes passar o pente uma última vez na cabeça, tocou a campainha daquela porta intimidante, cuja sombra projectada para o interior conhecia de cor cada milímetro, de tantos anos de contemplação e cobiça. Mandado aguardar uns submissos instantes no grandioso hall da entrada, a criadagem conduziu-o de seguida a um faustoso quarto com banhos fumegantes, onde foi submetido a uma profunda operação higiénica com fundos comunitários. Foram-lhe depois entregues roupas limpas e uns sofisticados artefactos que ele não conhecia a utilidade, mas que rebrilhavam de novos e davam estilo.
Foi assim catita e bem cheiroso, tão subsidiado que até parecia um assessor ministerial, que o pobretana compareceu no salão onde a Senhora Europa, o recebeu com um misto de apreço e curiosidade mórbida. Em vez de o convidar a sentar, pediu-lhe que permanecesse ali mesmo, àquela distância, e puxando duma sineta de imediato respondeu um mordomo, a quem foi ordenado chamar a criançada ao salão. Imediatamente se ouviu um crescendo de passos descompassados, e duma desordenada correria logo o grupo se dispôs em composta formatura no ângulo oposto à decrepita criatura. Pareceu-lhe reconhecer alguns daqueles infantes cujo movimento observava há longos anos a entrar ou sair daquela grande casa, sempre crescendo bem nutridos e saudáveis, alguns até com aparência desportista. Aquela ali, esbelta e loura, de ar trocista chamava-se Finlândia, aqueloutra vaidosa e sedutora devia ser a França. Uma outra, mais encorpada, de cabelo ralo e com ar austero era certamente a tal Alemanha…
Foi então a Senhora Europa se levantou e agradecendo presença de Portugal para aquela solene ocasião, dirigiu-se autoritária às outras nações: “atentai minhas filhas, que é assim, decrepitas e inúteis, que ireis ficar se não cumprirdes o pacto de estabilidade!” De seguida ofereceu-lhe dois cigarros e dispensou o velho tísico, não sem que antes ele devolvesse o casaco de lã fina e os sapatos de pelica.

Manual anti-crise (1)

É só percorrer a marginal de comboio para constatar o facto: por estes dias as praias estão cheias. São um invejável e democrático luxo português: temos quase 900 km de areia fina e mar fresquinho, ao alcance da maioria das famílias, que como se sabe abandonaram o interior e residem perto do litoral. Bastam umas sanduíches de mortadela, maçãs e um cantil de água para garantir-se divertimento prós mais pequeninos e um bom antidepressivo para os graúdos (a quem se aconselha a não comprar o jornal e rejeitar o Destak). Não imagino como os alemães em Essen ou os ingratos dos Finlandeses sobreviveriam ao purgatório que nos preparamos para enfrentar. Se calhar por isso é que eles não deixam os seus créditos em mãos alheias, mas isso é outra conversa.

Estado de sítio

A pouco menos de dois meses dum dos actos eleitorais mais decisivos da história da democracia portuguesa, parece-me importante não perdermos o foco naquilo que é essencial, já que elas correm o risco de não terem um claro vencedor, e pior que isso, com as partes incompatibilizadas, cenário que poderá descambar num colapso nacional. E o essencial, parece-me, é a discussão de propostas e de protagonistas que liderem o processo de resgate do país de tanga, é acalentar e motivar os portugueses que, a bem ou a mal, inevitavelmente pagarão a factura com muito trabalho e sacrifício.
Os protagonistas já se conhecem, as propostas ainda não. Como referia Pedro Marques Lopes ontem na SIC notícias, (num raro acesso de clarividência que eu tive a sorte de testemunhar), ao contrário do que a grande maioria dos comentadores e da imprensa garantem, o PEC 4 não constitui um programa de governo ou manifesto eleitoral. Ou seja, exige-se a todos os partidos que apresentem soluções e projectos, em detrimento da mera intriga que alimenta à vez os egos dos propagandistas e as parangonas de jornais, mas em nada contribuem para o esclarecimento dos eleitores.
Pedro Passos Coelho está hoje a provar o veneno que a sua antecessora experimentou e de que ele tanto beneficiou no seu percurso de ascensão no PSD: com as atenções sobre si, a mais insignificante fraqueza ou contradição, será explorada até ao tutano pelos média; não na proporcionalidade da sua gravidade intrínseca, mas ocupando o espaço vago para as democráticas expectativas do “mercado”, naturalmente composto também pelos seus adversários. Segundo esse critério as banais mentiras e contradições de Sócrates, valerão o mesmo que qualquer gaffe de Passos Coelho. O circo mediático subjuga a substância à forma, não há como fugir e de nada serve chorar.
No entanto, e noutros registos, os mais patriotas a partir dum dado momento são desafiados a não alimentar espúrias polémicas ou  disputas. 

Um ideal, uma renovada motivação

 

A militância monárquica jamais poderá ser encarada como uma questão binária, de tudo ou nada, dependente de resultados absolutos, deverá antes ser motivada pela afirmação, em todo um território intermédio, porta a porta, alma a alma, dos valores da pátria portuguesa reflectida na centenária Instituição Real, reserva moral dum nobre povo com direito ao futuro, para além dos novecentos anos de história.

Porque cada mente arrancada à ignorância, ou alma desperta para a dúvida, significa um pequeno mas essencial passo no caminho para um país menos decadente e inóspito.

Um cromo difícil

Compreende-se o efeito desejado pelo PSD com o recrutamento de um cromo difícil para cabeça de lista em Lisboa, para além do show off, à boa maneira das eleições no Sporting: um efeito de abrangência e pluralidade sem as maçadas duma ampla coligação proposta em tempos pelo CDS. O que se desconhece é se o eleitorado, antisistema, antipolítico, acompanha o Nobre e voluntarista candidato presidencial, cuja equívoca ascensão política exibe todas as qualidades menos a da coerência: entre a sua renegada filiação monárquica, à passagem pelo humanismo antipartidos, e a adesão “independente” ao PSD, há um esbanjar imenso de credibilidade. Na minha modesta opinião, Passos Coelho e o seu partido devem quanto antes concentrar-se num discurso patriótico de sobriedade que os distingam da camarilha que arruinou o país em seis anos de ilusionismo. 

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