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João Távora

Irresistíveis tentações

 

A propósito do que aqui refere o nosso Vasco Rosa, gostava de vos deixar alguns exemplos de deliciosos produtos típicos que resistem à normalização do gosto e do consumo: o melhor pão alentejano que conheço, sempre fervente acabadinho de sair do forno, é na localidade das Brunheiras, num caminho terra batida transversal à estrada para Lagos, a 2 quilómetros de Milfontes. Na direção do centro desta antiga vila piscatória, do lado esquerdo da rua principal, encontra-se um minimercado, o “Pão e Companhia”, onde se fabrica uma preciosidade gastronómica, uns biscoitos em argola chamados “popias”, especialidade que se aconselha na modalidade “caiadas”, que são pinceladas com uma finíssima camada de açúcar. Finalmente, entre a Barbacã e a Igreja Matriz, provam-se verdadeiras preciosidades de doçaria na pastelaria “A Colmeia”, que se distinguem pelo esmero no fabrico e qualidade da matéria-prima: folhados com doce de ovos, queijinhos de amêndoa e, o melhor de tudo, os suspiros, que são a nossa perdição.

Mas se é evidente a ameaça que paira sobre estes produtos artesanais feitos em pequenas quantidades a preços que se batem com os dos croissants “industriais” (veja-se em Milfontes o estrondoso sucesso da “Mabi” onde são servidos aos milhares a escorrer manteiga, com mistelas de chocolate ou doce de ovos), casos há de imaginativas soluções de industrialização de artigos nacionais. É o que a cadeia portuguesa de restauração h3 (aquela hamburgueria que não espalma os bifes picados) fez às alheiras, transformando-as em deliciosas bolinhas crocantes, servidas com grelos, ovo estrelado, arroz e batatas fritas às rodelas: a relação qualidade /preço deste novo prato é excelente. 

A ignorância instrumental

 

Não é propriamente inédito, broncos com uma licenciatura sempre os houve. Como dizia o meu sogro, médico pneumologista em Sintra, foi com incredulidade que no seu tempo testemunhou alguns terem terminado cursos superiores.
O fenómeno da massificação artificial da instrução implementada nas últimas décadas acabou por ser a forma mais eficaz de acabar definitivamente com qualquer veleidade sobre o mérito ou nobreza da academia.
Definitivamente não era este o sonho daqueles nossos antepassados que idealizaram uma sociedade mais equitativa e livre, justamente porque moldada pela democratização do conhecimento e da erudição. Acontece que o capricho igualitário produziu hordas de inscientes e inúteis licenciados em cursos que sabe Deus para que servem. Revoltados, alguns serão sempre úteis para aderirem a demagógicas quimeras revolucionárias. Sem as mais básicas noções da História do seu país, aritmética ou ortografia. Mas o que me parece mais grave nem é isso: é a constatação de que esta ludibriada geração, através dos modelos de mediocridade pop que lhe são fornecidos pelos Media, jamais terá oportunidade de reconhecer essa sua fatídica circunstância.

Domingo

Leitura do Primeiro Livro dos Reis


Naqueles dias, o Senhor apareceu em sonhos a Salomão durante a noite e disse-lhe: «Pede o que quiseres». Salomão respondeu: «Senhor, meu Deus, Vós fizestes reinar o vosso servo em lugar do meu pai David e eu sou muito novo e não sei como proceder. Este vosso servo está no meio do povo escolhido, um povo imenso, inumerável, que não se pode contar nem calcular. Dai, portanto, ao vosso servo um coração inteligente, para governar o vosso povo, para saber distinguir o bem do mal; pois, quem poderia governar este vosso povo tão numeroso?». Agradou ao Senhor esta súplica de Salomão e disse-lhe: «Porque foi este o teu pedido, e já que não pediste longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sabedoria para praticar a justiça, vou satisfazer o teu desejo. Dou-te um coração sábio e esclarecido, como nunca houve antes de ti nem haverá depois de ti».

 

Da Bíblia Sagrada

Uma conspiração e o Anticiclone dos Açores

 

Desde há três semanas, quando decidimos alugar um toldo estrategicamente junto ao mar na praia da Poça para preenchimento das intermináveis férias dos miúdos, que aqui em S. João do Estoril somos todos vítimas dum maquiavélico boicote meteorológico: para lá do sol que anda meio amuado quiçá com a crise económica, por estas bandas vem imperando uma ventania desaustinada. A nortada que nesta época aqui na zona só se estranha pela invulgar brutalidade, verga as árvores, derruba-lhes ramagens, projeta pró chão os caixotes de lixo que por aí fica a voar em imprevisíveis espirais e rodopios, chicoteado por um assobio enervante que ao final da tarde até chega a assustar.
Sabemos agora pelo DN que a culpa é (de quem havia de ser?), do Anticiclone dos Açores, que em vez de se ter deslocado para o noroeste da Galiza como é habitual nesta altura, se vem quedando junto das ilhas que lhe dão o nome. Não sendo o caso imputável ao inenarrável Carlos César, desconfio que tudo isto afinal não passa duma cabala das perversas agências de rating que desde que nos descobriram no mapa só existem para nos lixar.
De Milfontes, onde a família se refugiará em breve, já nos avisaram para reforçar os agasalhos, o que diga-se de passagem não me parece grave dado que não é um casaco de malha que prejudica o gosto duma bela dourada fresca ou dumas amêijoas à Bulhão Pato com uma imperial bem fresquinha. 

Levantar a cabeça

O problema dos portugueses não está na incapacidade de grandes feitos e gestos nobres, está na falta de feitos médios, por gente média. Para sermos mesmo grandes falta-nos massa crítica na intervenção média, na cidadania média, na iniciativa empresarial média. Não é só devido às "gerações de fome" que pesam no nosso ADN que em pleno século XXI Portugal se mantém endemicamente pobre. É também porque temos a mania das grandezas, contradição em que tropeçamos todos dias para nos rendermos à inércia da maledicência de café.
Um dia destes, numa reunião dum grupo político em que milito com alguns amigos, eu disse um lugar-comum ao qual deveríamos porventura dar mais atenção: para cumprirmos o nosso ideal não é obrigatório sermos todos Deputados, Ministros ou Secretários de Estado. O espaço intermédio de atuação é imenso. Assim como para (nos) salvarmos (d)a economia portuguesa, não podemos ser todos grandes empresários ou executivos de topo. O que falta ao português médio é deixar-se de lamúrias e meter mãos à obra, com coragem, arte e engenho. Porque uma crise é por natureza o fim de qualquer coisa e o início de uma nova, que por definição comporta sempre oportunidades inexploradas. 

O (des) acordo ortográfico

Um texto meu aqui em baixo, provávelmente sem interesse nenhum, sugere um comentário anónimo em que alguém se insurge contra a grafia utilizada, segundo o novo acordo ortográfico. Logo a seguir outro acorre ao mesmo tema, desta vez reclamando com a coerência de critérios. 

De facto pulula por aí uma KGB da ortografia que amiúde castiga implacavelmente qualquer deslize alheio. Claro que nunca ninguém viu a estes moralistas da língua algo publicado com um mínimo de relevância ou criatividade. Percebe-se: eles são apenas os “siguranças” escrita, agentes secretos que ocupam o seu desgastado neurónio na vigilância ortográfica e na punição dos prevaricadores. Como é evidente maior parte destes comentários injuriosos não são publicados, seguem diretos para o lixo.

Finalmente quanto ao "acordo" em si não tenho uma posição definitiva. Tendo acompanhado com interesse alguma discussão, não me sinto habilitado a sustentar qualquer dos partidos. Reconheço a inconveniência de algumas palavras perderem literalmente o sentido, e confesso que chateiam-me as regras mudadas a meio do (meu) jogo (vida) e a previsível inabilidade de interiorizar a nova grafia, mas tenho o assunto como facto consumado. De resto, Causas perdidas já me bato por muitas, inspiradas em Valores fundamentais que cultivo como decisivos para um Mundo mais respirável. Decididamente o (des) acordo ortográfico não é uma delas.

Sobre o novo jornal i

Ousando pôr a foice em seara alheia, opinião de leitor e assinante da primeira hora, a reestruturação do jornal i merece-me umas curtas palavras. De notar que a minha apreensão já vem de trás, com a progressiva dispensa de colunistas e analistas que se afirmavam “marca” deste ousado projeto editorial sem uma substituição equivalente. Acontece que com a transformação verificada nos últimos dias na sequência da assunção da direção de António Ribeiro Ferreira - com os seus entediantes editoriais, não só pela ambiguidade politicamente correta, mas pelo estilo “chico esperto, uma no cravo outra na ferradura” - revelou-se uma reorganização dos conteúdos que aproxima perigosamente o jornal i dum estilo clássico, igual aos seus concorrentes, sem que no mínimo tenha para isso, soit disant, “vocação”. Curioso é verificar como o Público adoptou a receita do antigo i para edição de Domingo com o protagonismo da abertura para a análise e opinião.
Considerei e afirmei-o num post em tempos, que a criação de um novo titulo diário num período de crise da imprensa tradicional constituía um ato de tremenda coragem... se não de enorme loucura. Certo é que o jornal i, com o seu estilo prático e sucinto, dando o protagonismo a uma análise e opinião “fora da caixa”, graficamente muito audaz, acabou por me conquistar. Daí até eu fazer uma assinatura foi um passo, e hoje reconheço que, no mínimo, essa opção teve o mérito de incutir nos meus miúdos adolescentes o gosto de lerem um jornal.
A fórmula apresentada dos últimos números deixa-me triste ou preocupado: o jornal i por estes dias confunde-se-me com uma fraca imitação dos seus pesados e regimentais concorrentes.  

Você sabe com quem está a falar?!!

 

Acontece que estes modernos tempos de igualitária república "democratizaram" uma casta de gente mesmo “importante”, que se reproduz como coelhos de aviário, com supostas e ocultas ligações ao poder. Há momentos testemunhei aqui na rua aquela cena clássica que já todos um dia testemunhámos, em que um palerma enfarpelado, junto ao seu carro topo de gama mal estacionado, intimida um jovem polícia com um “você sabe com quem está a falar?!”.

Presumo que esta vulgar fórmula bem portuguesa da intimidação, atravessando os tempos até aos nossos dias, tenha origem no advento dos celebres “cidadãos limpos”, do devorismo liberal, cuja cartola, casaca e polainas não chegavam para os distinguir na sua intrínseca incorruptibilidade e inopinado poderio social.

Pela minha parte, que iniciei a minha vida profissional na hotelaria, mundo em que experimentei quase todos os papéis quase sempre em contacto com público, confesso que ainda hoje me revolta visceralmente este “guião” de profunda arrogância com que se identifica um tuga endinheirado… quase sempre um pobre diabo, afinal. Se não perante a lei, certamente perante Deus.

Um fulgor de luminosidade que se extinguiu

 

Estou desolado com a notícia: Maria José Nogueira Pinto após anos de voluntariosa entrega à sua Pátria, à luta pelas suas convicções politicas, cedeu hoje na batalha vital contra um cancro que há meses visivelmente a vinha enfraquecendo. Há muitos anos grande admirador desta mulher de armas, de discurso corajoso, tão elegante quanto eloquente, considero que Maria José pertencia a uma privilegiada e rara classe de pessoas que juntam distintos predicados e talentos, tais como a graciosidade, feminilidade, inteligência e erudição, a uma extraordinária coragem e tenacidade. Feita de amor à Vida e ao seu País, e de resistência às fátuas correntes do pensamento relativista e fracturante que vem enfraquecendo a nossa Europa decadente. Luta a que se entregou com uma inaudita garra e lealdade aos princípios, até se lhe desfalecerem as últimas das suas últimas forças. 

As Causas que partilhávamos ficam definitivamente mais pobres, o parlamento perdeu uma voz sóbria, um pensamento emancipado e insubstituível. Para mim fica uma inconsolável saudade.  Que Deus a tenha em Sua infinita misericórdia e Graça. À sua família, particularmente ao Eduardo, as sentidas condolências dum grande admirador.

 

Foto Público