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Enquanto as “boas notícias” dos “cortes nas despesas do Estado” são proteladas pelo ministro das finanças quiçá para a rentrée, estrumpfemos entretanto de coisas sérias: só há dias realizei a estranha opção do rebatismo dos Estrumpfes para o publico português, os celebrizados gnomos azuis do ilustrador Belga Peyo, como um facto consumado. Tratou-se, segundo consta, duma miserável exigência imperialista dos produtores do filme que ontem estreou para a garotada. O problema é que não se trata apenas de mudar radicalmente o nome duns personagens, é toda uma linguagem com verbos, substantivo e tudo o mais, que é literalemente deitada ao lixo. O meu filho de quatro anos que está numa excitação por causa da campanha publicitária, já me informou com sobranceria, que “eles agora são os Smurfes, pai”. Uma estocada no meu coração, um precoce mas profundo buraco no nosso inevitável generation gap (tenho idade para ser avô dele).
Como não sou jornalista, não devo fidelidades a nenhuma distribuidora de cinema e e não recebi nenhum press release, estrumpfarei coerentemente a chamar Estrumpfes àquelas adoráveis criaturinhas que não resistem aos presentes explosivos do Estrumpfe Brincalhão que lhes estrumpfam na cara de quatro em quatro páginas.
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O álbum "A Flauta dos Seis Estrumpfes" de 1958 da série "Johan et Pirlouit" foi um dos livros que mais vezes reli na minha remota infância. Fascinava-me e revia-me naquele simpático e elegante cavaleiro, de olhos fundos com o seu leal e disparatado pajem montado num bode. É nesse ambiente mágico medieval que aparecem pela 1ª vez os pequenos gnomos azuis de collants e capuz brancos, ainda num traço oval distante da forma com que se viriam a impor em aventuras autónomas. Claro que toda a obra está esgotadíssima, valorizada nos alfarrabistas, e tudo o que eu possa argumentar sobre a verdade dos Estrumpfes, do Grão Estrumpfe, do Estrumpfe brincalhão, da amorosa Estrumpfina, dos inesquecíveis álbuns “Os Estrumpfes Negros” e “O ovo dos Estrumpfes” ninguém cá em casa vai acreditar. Certo, certo, é que vou levar as crianças ao cinema um dia destes, mas quanto ao nome deles decido-me pela desobediência civil. Mesmo que isso me custe desdém e incompreensão. Definitivamente burro velho não Estrumpfa línguas.