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João Távora

Caras e... corações

 

Hoje no ginásio cruzei-me com uma popular figura das revistas de sociedade, daquelas que se lhe não conhece outra actividade senão isso mesmo. O que me impressionou na figura, para lá do visível empenho que punha no exercício, foi aperceber-me do duro trabalho que significa a representação constante duma personagem, do ícone, estilizado por cabeleireiros, modistas e esteticistas. Possuída por tal profissão suspeitei que por força da sobrevivência, a senhora se levanta e deita com ela, com o penteado armado, pinturas, cremes, silicones e… um sorriso de “vida boa”. Afinal a miséria e a infelicidade podem tomar tantas e estranhas formas… até a de gente feliz, para gaudio dos seus consumidores.

Uma mistificação maligna

 
Não gosto de unanimismos. Assim, foi pasmado que assisti ontem ao debate entre jornalistas na SIC Notícias sobre a inédita entrevista ao presidente da república. Um "debate" entre jornalistas tem, salvo raras excepções, o condão de exibir uma fastidiante consonância corporativa. Assim, nenhum dos convidados fez o mais pequeno esforço por disfarçar a sua antipatia "de classe" para com o personagem, sendo que os esgares de ressentimento de António José Teixeira pareceram-me até despudorados. Deste fenómeno de unanimidade, que se evidencia pelo menos desde que se começou a adivinhar a inevitável a reeleição de Cavaco, o que me aflige mesmo é a dificuldade dos jornalistas tirarem daí as devidas ilações: o modelo semipresidencialista remete-nos para uma mistificação a respeito dos poderes e isenção do cargo. Um mito benigno para os da sua facção, maligno para os seus detractores, trágico para a Nação. Ou seja, a falta de uma Chefia de Estado orgânica é bem mais grave quando o país se acerca do olho do furacão e carece como nunca dum sólido símbolo de unidade.

O duro despertar

Nas últimas décadas vivemos deslumbrados com o "ter". Vimos nas infra-estruturas da Europa rica a redenção, e subsidiados empregámos hordas de emigrantes a construir auto-estradas, viadutos, arranha-céus, escolas, universidades, hospitais, equipamentos desportivos, e bibliotecas. Enquanto isso, para júbilo dos nativos democratizou-se o crédito, o consumo, cursos e canudos. Chegados a este ponto, falidos e humilhados, ainda não somos capazes de nos olhar bem ao espelho. Ser, é bem mais difícil do que ter… mas vamos sempre a tempo.

A Europa, do mito à realidade

 

Quem vem assistindo nas últimas décadas à controversa e sinuosa construção europeia tem que reconhecer que a súbita reivindicação, perante a crise das dívidas soberanas, de implementação imediata de mecanismos de compensação financeira federais é no mínimo ingénua. Durante a bonaça "as coisas" até funcionaram. Compreende-se: a ruína é um fenómeno epidémico... e a compaixão, ao contrário, uma qualidade tão nobre quanto rara. 
A União Europeia, com as suas virtudes e defeitos, construída a partir do telhado e da propaganda de Bruxelas à revelia dos seus ignaros e mal-agradecidos indígenas, não passa ainda dum prodigioso wishful thinking. Ou seja, é intrinsecamente antidemocrática. Cobrar esse fado aos seus actuais líderes parece-me no mínimo injusto. E depois, a “desilusão”, é por natureza problema que cabe aos iludidos resolver… adequando as suas expectativas à insofismável realidade. Ou então, para ser resolvido à maneira “soviética”, uma tentação que até se entende, vinda de quem vem. 

A sinistra farsa

É curioso verificar a complacência saciada da opinião publicada perante o corte deratting da agência  Moodys à Madeira. É a mesma bovina bonomia que pactuou com o endividamento público que hoje atinge cerca de 160 mil milhões de euros, extasiada com promessas de mais aeroportos, TGVs, auto-estradas, estádios, piscinas, bibliotecas, hospitais, metros, casas de música e de coches, shoppings e condomínios, enquanto o país debandava para o litoral para comprar telemóveis e ténis "de marca". O facto é que a “cidade” que construímos, embalados na ilusão de ilimitados recursos é absolutamente insustentável. A realidade da Madeira de Alberto João Jardim, a económica e a política, tem a virtude de constituir uma benévola parábola, um generoso espelho da nossa sinistra farsa. 

O caso da Madeira

Sou insuspeito: nunca sustentei a vulgar atitude persecutória da elite regimental contra Alberto João Jardim. Definitivamente o ressabiamento ou mero preconceito são atitudes que toldam a percepção da realidade. É por essa mesma razão que agora me parecem totalmente injustificáveis e lesivas do interesse nacional (a republica que se lixe – está falida de qualquer maneira) quaisquer indícios de fidelidade partidária que relativizem o urgente repúdio pela desvairada ocultação de dívidas da Administração Regional da Madeira nos últimos anos. Ou seja, exige-se uma demonstração pública de idoneidade política, uma afirmação de veemente repúdio por este crime de lesa-pátria. No mínimo tão reprovável quanto a delapidação financeira do País ministrada por José Sócrates em seis anos de governança ao sabor das suas clientelas e do calendário eleitoral. Quando por estes dias inauditos sacrifícios nos são assacados a todos, Pedro Passos Coelho tem uma preciosa oportunidade de se demarcar da devassidão moral em que degenerou todo o “sistema”, reforçando-se de autoridade, contendo o murmúrio da rua inquieta. 

A política como sinónimo demagogia?


Aqueles opinadores oficiosos da esquerda romântica ou "caviar", como se lhe queira chamar; com o dinossáurico Mário Soares à cabeça, que hoje reclamam o retorno da “política” ao palco da discussão europeia incorrem quanto a mim num erro grave: a descodificação do aparentemente desconexo confronto no Xadrez europeu revela um inaudito braço de ferro liderado pela chanceler alemã em ordem a pressionar urgentes ajustamentos financeiros nos países incumpridores, assunção da qual depende a sobrevivência da moeda única conforme a conhecemos. Ou seja, somos por estes dias privilegiados testemunhos dum confronto da mais alta e sofisticada po-lí-ti-ca: de um lado, a Grécia que simboliza a toleima da não concessão à “economia da realidade”; do outro, os guardiões da Europa, que arriscando ao limite a viabilidade do euro, adiam até ao último momento um salvamento in-extremis pressionando os países incumpridores. Suspeito que os apelos de Soares, Seguro e dos jornalistas regimentais se referem à reabilitação dum velho e gasto discurso a contracíclo com a realidade, mais comumente conhecido por “demagogia”. Nem mais nem menos o canto da sereia que nos trouxe a este atoleiro.  

Simples e glorioso

Li algures que uma cerveja tem as mesmas consequências na dieta do que trinta gramas de chocolate, e que como penitência bastam dez minutos de corrida, o que não é nada mau para tão aprazíveis pecados. Outro prazer que nem a Troika nos pode extorquir é esta serena luminosidade de Setembro, quando o Verão já vai quase a entornar. Espera-se que não se lembrem de cobrar imposto.

 

A histórica e colossal ressaca

 

Já devíamos estar habituados à inata ingenuidade da esquerda burocrática e cortesã, que não quer, nunca quis saber da genuína natureza de qualquer “negócio”, muito menos da sua etimologia - negotium, contração do advérbio nec (não) e o substantivo otium (ócio) = trabalho. Nesse sentido entende-se o agastamento socialista, ao constatarem a falência da quimera do capitalismo populista. Como os comunistas se tornaram inconsoláveis órfãos nos anos noventa, assim ficaram os socialistas e a lunática geração de sessenta, ao fim da primeira década de dois mil. De resto, é óbvio que “a solidariedade”, das pessoas, dos Estados, das empresas, só vem depois da riqueza. Não há, nunca houve, almoços grátis. 

Entretenimento

 

O cadáver jazia na marquesa quando a médica forense decidiu retirar-lhe o coração já inerte para pesquisa. Dito e feito: “se o assassinato foi feito com uma injecção de ar numa veia de modo a bloquear o ventrículo, este flutuará” - asseverou ela. Afundando-o num recipiente de vidro cheio de água a mulher espetou-lhe o bisturi na aurícula direita, que logo expeliu grossas bolhas de ar. Num flash-back visualizamos repetidamente através do próprio olhar da vítima, aquilo que o mais sádico psicopata não se lembraria: uma seringa é espetada na sua íris e injectada a tal bolha de ar para o vaso sanguíneo. “Foi a última visão da vítima”. Para azar do meticuloso assassino a “arma do crime” estava suja de vestígios de tinta, e as análises laboratoriais encarregam-se de o incriminar: o móbil, era o roubo de uma tremenda arma mortífera que pretendia traficar. A acção precipita-se com Horacio a chegar à pista do aeroporto a tempo de impedir o seu embarque, ao que o vilão responde com uma demonstração do funesto dispositivo, rebentando com a parte de trás do seu reluzente Hummer. Então, o nosso implacável herói sai calmamente do veículo em chamas e espeta com três balázios certeiros no coração ou na testa dos pilantras: o som seco do peito e do crânio rebentar é elucidativo: foi gravado em alta-fidelidade com efeitos surround. O episódio termina com este cenário trágico, mortos, chamas, destruição… e o nosso aprazível detective retirando os óculos escuros com souplesse, gesto que desvenda o seu olhar vago apontado para o infinito. Nós, apagámos o televisor, as luzes, e recolhemos aos acolhedores aposentos, para um sono retemperador. 

 

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