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João Távora

Jornalismo de terra queimada

Como se não bastasse o ruído causado pelos interesses e ambições em natural disputa na democracia, somado às exibições de egolatria dos senadores do regime, um outro factor tende a incendiar a atmosfera de descrença e revolta que paira sobre o País: refiro-me às mentiras e meias verdades que geram escandalosas parangonas nos jornais. É o caso da notícia do Correio da Manhã, sobre a suposta compra de um automóvel de 86 mil euros pelo Ministro da Segurança Social Pedro Mota Soares, e que o mesmo teria levantado pessoalmente no Stand. Trata-se de uma rotunda falsidade com requintes de má fé: o carro arrendado através da Agência Nacional de Compras Públicas era o único disponível para entrega, tratando-se por mera coincidência daquele que foi anteriormente utilizado pelo do Ex-Secretário de Estado Carlos Zorrinho.

Entende-se que a realidade não cause grande impacto mediático, mas convém referir que, com uma redução de 30% nos consumos intermédios, o ministério da Segurança Social reduziu quase para metade o número de viaturas, tendo neste momento 11 veículos para estrita utilização em serviço, quando no anterior Governo eram 20.

Há muito que reclamo ao sentido de responsabilidade do jornalismo, como um dos mais poderosos actores da realidade politica que vivemos: por actos ou omissões, foi com a sua conivência que aqui chegámos. Ninguém está inocente. Acicatar pela mentira ou meia verdade o descredito e ressentimento popular nestes duríssimos tempos, no imediato pode render a atenção e fama a qualquer noticiário ou jornal, mas a prazo incendeia-se o País. E desse fogo ninguém sairá ileso. 

Vergonha na cara

 

Nestes inauditos tempos de História que atravessamos, não nos basta ter de aturar o bando de tudológos oficiais nas rádios e televisões a choramingar banalidades sobre as “injustiças” do sinistro ajustamento económico a que estamos condenados, temos também a má fortuna deste regime nos legar uma crescente troupe de inimputáveis presidentes e ex-presidentes da república, que do alto da sua insignificância contribuem para o ruido com trivialidades sobre o “diálogo”, o perigo do “empobrecimento”, ou a famosa “distribuição dos sacrifícios” assunto para o qual cada um parece ter a sua receita mágica. Todos eles gozam por estes dias o seu peso em prebendas e mordomias douradas pelos actos ou omissões que nos conduziram à actual ruína. 

O último a botar a boca no trombone foi o pardacento e lacrimoso Sampaio, que não perdeu a oportunidade de lançar achas para a fogueira, sublinhando que o País está “num momento muito difícil” (!) e defendendo que “é preciso reforçar os instrumentos de diálogo”(!!), concluindo num desavergonhado assomo de lata que “afinal de contas” tinha razão na frase célebre frase “há mais vida além do orçamento” (!!!). Nestes tempos de emergência nacional falta-lhes é vergonha na cara.

Enquanto isso, fora das televisões, rádios e jornais...

Pela fresca deixados os pequenos nas suas escolas aqui no Estoril, a minha mulher voltou à pressa para casa a terminar um trabalho de tradução urgente para uma conhecida farmacêutica enquanto eu dirigi-me para o meu escritório em Cascais. Na vila o comércio está em pleno, ao cimo da minha rua, constato que a EDP está aberta e à frente quatro funcionários da câmara trabalham numa vala aberta no passeio. Apesar da minha perspectiva parcial, suspeito que, tirando os militantes sindicais e alguns funcionários bafejados com "empregos" vitalícios, com mais ou menos dificuldade a vida continua. Apesar do boicote.

Espelho meu... diz-me quem fez mais cortes do que eu!

 

Apesar de bastante comum, o mais perigoso defeito dum político é a egolatria. É o que acontece com Mário Soares. Apesar dele por estes dias  gozar dum estatuto de quase inimputabilidade, é difícil atender ao seu “manifesto”, um arrazoado de moralismo oportunista cujo objectivo, para além de embaraçar a direcção do seu partido, não é mais do que boicotar a recuperação nacional, chamando a si as luzes da ribalta. Para aqueles que por qualquer razão não têm memória, convém relembrar que, quando entre 1983 e 1985 Soares liderou o chamado Governo do Bloco Central, Portugal estava à beira de uma ruptura financeira, o que implicou uma forte intervenção do FMI. Para fazermos uma ideia, inflação chegou a rondar os 30%, com uma recessão na ordem dos -1,5% em 1984. As medidas tomadas pelo governo penalizaram largos sectores da população, provocando uma grande agitação política. A incidência de uma taxa de inflação acima dos 25% durante três anos em que os aumentos médios salariais não chegavam aos 10%, funcionando como um imposto encapotado sobre o consumo, resultou então um corte significativamente mais dramático nos rendimentos da população do que o verificado nas actuais circunstâncias. 

E a verdade é que apesar dos elogios do FMI a Mário Soares,  então, as reformas na administração pública foram adiadas para as calendas e as estruturas e corporações herdadas do antigo regime continuaram intactas, absorvendo os parcos recursos económicos. Nessa época, quando os mecanismos de protecção social eram bem mais insipientes do que os de hoje, tivemos em Portugal uma autêntica onda de pobreza e indignação generalizada, com o país devidamente "incentivado" a protestar na rua, já para não falar dum significativo aumento da emigração, sobretudo para a Suíça.
Se o mais perigoso defeito na política é a egolatria, o mais perigoso defeito dum povo é a falta de memória. Mário Soares, uma vez mais, perdeu uma oportunidade de estar calado.

Fracturas sempre expostas

 

Os receios de que um Mariano Rajoy vitorioso revisse a lei do casamento homossexual foram inutilmente arremessados  pelos socialistas e demais grupelhos do nicho para a campanha das legislativas em Espanha: o Partido Popular acabou conquistando uma retumbante maioria absoluta. Pensando bem, talvez não tenha sido assim inútil, mas um serviço: apesar do tema não constar do programa eleitoral do PP, o facto dessa ameaça ter sido embandeirada pela esquerda caviar e a posição do galego recém-eleito relativa ao tema ser por demais conhecida dos debates, concede-lhe uma clara legitimidade para, a seu tempo, reexaminar o assunto. Talvez que o proverbial “sangue quente” dos espanhóis se revele, em contraste com cândido fado “deixa andar” do tuga conformado ou (ou pragmático que é como o apelidam alguns venerandos comensais do sistema).

Os fins e os meios, ou o jornalismo de sarjeta


O comentário do João Ladeiras publicado aqui em baixo, em que denuncia uma espécie de cilada “jornalística” à porta da universidade com vista a obter uma peça de vídeo para replicação viral na internet sobre a "ignorância da juventude", um tema de sucesso garantido, remete-nos para a séria questão do papel do 5º poder na sociedade mediatizada contemporânea. 
É inegável que as políticas de ensino para as estatísticas e a massificação das licenciaturas, muitas delas que não são mais que pequenos cursos técnicos ou simples artimanhas para atrasar a entrada dos jovens no mercado do desemprego, teve como resultado o trasvazar massivo da indigência cultural para o universo universitário. 
Mas tão grave quanto isso é sermos diariamente violentados por um jornalismo impune que subjuga os valores e a própria notícia, não aos factos mas ao preconceito, ao ressentimento social ou ideológico a promover, quando não simplesmente a uma lógica comercial. A salvaguarda da sacrossanta liberdade de expressão remeteu-nos para uma tendência de total impunidade: a auto-regulação é um mito, e o bom senso definitivamente não resulta em parangonas, a racionalidade é má para o negócio.  Num regime cujas instituições hipotecaram o poder pela urgência dum prato de lentilhas, o jornalismo pop que vigora completa e reafirma o mais negro diagnóstico: estamos de facto entregues à bicharada.

 

PS.:  Ao João Ladeiras reafirmo o conselho do meu colega Rui Tabosa: é nos livros que se vai buscar o Saber, e do que V. depreenderá deste caso, jamais aos jornais e muito menos às revistas que quando o abordam, se limitam a comentá-lo, sabe Deus sob que perspectiva e com que bases. Para quem não os puder adquirir nas livrarias estão disponíveis nas bibliotecas. 

Sementes de violência

 

 

Suspeito que que a mais recente campanha da Benetton relegará definitivamente a marca para um obscuro nicho comercial. Duvido desta violenta estratégia de “chocar” o mundo inteiro, com uma pesunçosa campanha pelo fim do ódio entre todos… os outros. O mundo está cheio destes moralistas pós-modernos, prontos a apedrejar os seus semelhantes, por valores que julgam abstractos,  mas que dependem em primeiro lugar de cada uma das suas próprias atitudes. Difícil, não é?

 

Lei de talião

 

A ser verdadeira a notícia publicada hoje no Correio da Manhã de que, além da eliminação acordada com a Igreja dos feriados Assunção de Maria e Corpo de Deus, o governo propõe o fim dos feriados de 5 de Outubro e do 1º de Dezembro, tal aparenta ser uma medida que visa reciprocidade, no contraponto de duas sensibilidades políticas marcadas na nossa cultura; no fundo para assim calar as hostes com uma espécie de lei de talião: nem “tradicionalistas” nem “progressistas” (e desculpem-me estes equívocos chavões) se ficam a rir. Esta solução aparentemente equitativa esconde um grave engano, já que, sendo consensual que a revolução de 5 de Outubro dividiu profundamente o país, é inegável que a restauração da independência uniu os portugueses em torno dum projecto de independência e soberania, hoje mais do que nunca ameaçado. A decisão de acabar com o dia da Restauração encerra um enorme simbolismo: quem é que por estes dias quer saber verdadeiramente dessa coisa extravagante chamada soberania, ou ainda desse capricho da “independência”.

 

P.S.: Caro Pedro, além de demonstrares uma extraordinária capacidade de antecipação no jogo político, reconheço a sagacidade do teu pensamento. No entanto passas ao lado do meu "ponto" expresso no final do post: quem é que por estes dias quer saber verdadeiramente dessa coisa extravagante chamada soberania, ou ainda desse capricho da “independência?" Essa é a minha apreensão. 

Quanto ao mais, concedo que talvez a medida não seja mau negócio esta forma de acabar finalmente com o disparate dos festejos da revolução do PRP.

Golías esmaga o bravo pequeno David

 

Desde sempre que tenho uma forte atracção por aqueles que correm em recuperação, pelos pequenos de alma grande, inconformados perdedores (só na aparência), dos Davides contra os Golías, enfim, pelo anti-herói. Por isso não podia deixar de declarar a minha admiração pela equipa Bósnia, no inconformismo dos seus jogadores, da galhardia, nervo e ambição tão bem reflectidas no olhar tenso e acutilante do seu treinador durante todo o jogo, que afinal se veio a provar previsível, sem surpresas ou leituras transcendentes. Talvez por isso, apesar de contente com a vitória não exultei no final da partida. E olhem que o resultado é enganador, pois em quase todo o jogo revelámos insegurança e estivemos ameaçados pela eliminação. Finalmente, se a nossa selecção portuguesa comprovadamente não é excepcional, pior que isso são os sinais de um presunçoso aburguesamento que lhe vem adivinhando de há uns anos para cá. 

 

Foto daqui

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