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João Távora

O Poder da Arte

  

 

Desde a primeira hora “muito cá de casa”, Kate Bush é principalmente uma poetiza e compositora de raro talento, e a sua música uma sublime panaceia para almas sensíveis e sofisticadas. Quem relacionar esta artista britânica apenas com os seus sucessos de teenager nos anos setenta, como Wuthering Heights ou Babooshka certamente não entenderá do que falo.
Trinta anos depois, com o recém-publicado 50 Words for Snow, Kate Bush faz-se ouvir quase em surdina na serenidade de composições maturadas, com poucas referências pop, mais perto das referências eruditas e do Jazz. Neste disco, construído sob constante presença do elemento neve, somos embalados para uma assombrosa intimidade, sussurrada ao nosso coração, composto por longos recitais de palavras e sons que lentamente entranham até à exaltação, uma mansa euforia.
Gravado com um núcleo de músicos que incluem Danny Thompson e Steve Gadd e com as participações vocais de Bertie (filho de Kate), Elton John e Stephen Fry, 50 Words for Snow vem na corrente de composições anteriores como This Woman’s Work ou A Coral Room, sábios caminhos que só a “antiguidade” e um raro talento podem proporcionar e que, culminam em temas sublimes como Among Angels ou Misty.

Deixarmo-nos "cativar” pela música de Kate Bush, na acepção dada por Saint-Exupéry, é um privilégio exclusivo de “quem a viu e de quem a vê” de mente e coração abertos, neste atravessar de quase trinta longos anos: afinal aquela menina "gazela" de vestidos e danças exóticas sempre foi muito mais do que isso… e tal só poderá ter escapado àqueles que passaram ao lado de temas premonitórios como The Man with the Child in His Eyes ou And Dream of Sheep

50 Words for Snow é o meu disco de 2011, que em contraciclo com estes duros dias lhes incutirá um indelével cunho de beleza. É este o poder da Arte, é esse o poder do Espírito.

Votos de feliz Ano Novo.

Um gato às direitas!

 

 

 

Confesso que não esperava tanto do Gato das Botas, que é porventura a única coisa que se aproveita da inenarrável sequela de Shrek, da DreamWorks Animation, cujo filme conseguiu pôr a minha filhota (muito crente na beleza, em príncipes e princesas, e pouco em arrotos e alarvidades) a chorar de desconsolo, e cujo “catálogo” balança entre o puro mau gosto e a macaqueação da concorrência Disney e Pixar em estilo suburbano. 

Com um guião divertido, a trama decorre numa Espanha seiscentista numa inteligente miscelânea do conto original de João Pé de feijão e a galinha dos ovos de ouro (aqui uma gansa…) e o  Humpty Dumpty da lengalenga à mistura. Tudo isto sem o cinismo que marca a série Shrek: o gatinho é um indómito cavalheiro com um sensível coração latino, e acaba por protagonizar uma inaudita acção de charme, redimindo um pouco a imagem dos simpáticos bichanos, injustamente mal-amados por tanta gente e tradicionalmente tão malquistos nos desenhos animados. Nestas férias de Natal, o Gato das Botas é definitivamente uma boa escolha para passear a criançada a ressacar das Festas. Boa onda!

Uma estação tola com pretensões

 

Tem algo de visceralmente religioso e infantilmente devoto esta profusão de balanços que todos os anos os média dedicam aos acontecimentos do ano que termina. Não há blog, noticiário televisivo ou radiofónico, jornal de mais ou menos "referência" que por estes dias não provisione os seus crentes com toneladas de crónicas, sínteses, fotografias e notícias requentadas, numa fanática revisão e fecho de contas de tragédias, frases bombásticas, escândalos de vária ordem, como se, entre o dia 31 de Dezembro e o 1º de Janeiro existisse uma barreira física, um restart, para a ilusão duma ressurreição colectiva. Felizmente no próximo Domingo todos seremos os mesmos de Sábado, na continuidade do tempo e no espaço um dia mais velhos... uns quantos talvez com a boca a saber a papel de música, mais ressacados e confusos que habitualmente. O fim-do-ano não é mais do que uma estação tola com pretensões. É que afinal, a não ser que a natureza nos surpreenda com a sua indómita fúria em qualquer quadrante do globo, se há data em que nenhuma ruptura social ou política acontece, se há tempos mais conservadores e inócuos, esses são os da passagem de ano.

The day after

 

Não se imagina a aflição que, no meio da euforia das festas, pode significar para um miúdo de quatro anos as rodas metidas dentro de um automóvel miniatura da loja do chinês, acidentalmente calcado, mas subitamente tornado o único, o mais importante de todos os presentes. Não se imagina o heróico e bem querido que se pode tornar um Pai que, numa delicada operação de conserto, desventra o frágil brinquedo e consegue recuperá-lo com êxito.

Apesar de tudo, amanhã será Natal*

 

 

Se considerarmos a racionalidade a prática da boa interpretação da realidade, podemos atribuir ao século xx, o do advento das repúblicas, das independências e das “igualdades”, o cognome de “O irracional”. O conhecimento e a aptidão tecnológica definitivamente não conferiram racionalidade ao ser humano: para não nos determos em demasia nos três maiores monstros do século passado, Mao Tsé-tung, José Estaline e Adolf Hitler, aos quais, por junto, se pode atribuir a responsabilidade de quase 200 milhões de vítimas, observe-se o caso do jovem norueguês Anders Breivik, que dominava técnica suficiente para fabricar as bombas que fez explodir em Oslo.

Neste início de milénio no Ocidente suportamos ainda o legado desse trágico século da irracionalidade, da massificação ideológica e do desconstrutivismo laicista, tornado vitorioso por conta dos sofisticados mecanismos de controlo social entretanto desenvolvidos: nunca foi tão simples a gestão de um moralismo de massas, o incremento da religião do Estado, atiçar ressentimentos selectivos, a popularização do consumo de narcóticos, a democratização da alarvidade, sem esquecer a promoção de tremendismos de conveniência, complexos de culpa e puritanismos de substituição. Decididamente, não são só os corpos policiais bem equipados e os ministérios da propaganda sofisticados que mantêm os rebanhos a balir unissonamente, é o caldo vigente que, num panorama de ilusória liberdade individual, impele as pessoas a agirem por imitação, seguindo os cânones eficazmente publicitados pela maioria, à revelia das elites descomprometidas e da estética erudita, relegados à irrelevância pelo índex da adolescentocracia.

De resto, bem sabemos como a utopia da “igualdade” se tornou um bezerro de ouro, e como a liberdade, o valor mais caro à humanidade, será sempre um bem precário, quando não uma vã miragem. Os filósofos, os escritores e os cientistas há muito sentenciaram um prognóstico: a contingência humana é uma incontornável limitação aos seus profundos ensejos de realização, que só o espírito pode alcançar.

Se o Natal de Cristo se desse hoje (e certamente ele se dará amanhã no coração de muitos cristãos, cada vez mais excluídos), de onde viriam os despojados pastores e vigilantes de coração puro? Quantos reis magos dos nossos dias se desprenderiam da sua zona de conforto, do seu conhecimento “científico”, deixando-se guiar pela estrela do Oriente para adorar o Menino Redentor, tão insistentemente profetizado na história pelos profetas? Onde se encontrariam, entre as hordas de “cidadãos” modernos, consumidores criteriosos, público exigente, exemplos da mais simbólica figura do presépio, os pastores, gente desperta e disponível (porque despojada), para o grande Advento da humanidade? Como escutar o silêncio da noite estrelada, essencial para atender à voz do coração, de onde brota o apelo decisivo e o cerne da salvação? Se o nascimento de Cristo acontecesse hoje, para lá dos compenetrados cientistas na NASA ou na AEE, que se limitariam a tirar as medidas ao cometa, quantos de nós atentariam à estrela luminosa apontando o caminho do Natal de Jesus, Deus redentor nascido criança numa manjedoura, que nos é permitido tratar por tu numa relação íntima de afecto profundo?

O império da racionalidade em que urge converter este novo século deverá começar a ser edificado por uma drástica concessão de espaço ao livre arbítrio do homem, único e irrepetível, como chave de um percurso de libertação e felicidade, que estará sempre a montante de quaisquer modas ou agendas ideológicas. O império da racionalidade em que urge tornar o nosso século só poderá emanar do coração dos indivíduos de razão e coração livres, através da prática de uma ecologia do homem que o liberte da poluição que tolda o seu espírito e os seus sentidos. Porque a felicidade só é concebível com pessoas inteiras e mais realizadas: um desafio a que nenhum Estado ou legislação está apto a responder.

 

Um Santo Natal a todos.

 

* Originalmente publicado a 24 Dez 2011 no Jornali i

O Natal, o vazio e a tralha dos imensos carnavais

Admitindo que os efeitos festivos das decorações natalícias nas ruas da cidade, podem contribuir para o Espírito que a quadra encerra, confesso que não sou seu incondicional aficionado, antes pelo contrário. Em plena crise financeira, a sua notória ausência não me incomoda: o mais das vezes, o seu efeito ostentatório resulta na tendência para a adulteração da festa do nascimento de Jesus, como mais uma pândega do calendário pagão.

Lisboa tem este ano, sob os auspícios do Zé “que faz falta”, dos esfregões 3M, da Câmara Municipal e mais 150.000 euros, em vez das habituais iluminações, sete “instalações” foram concebidas por “verdadeiros artistas da modernidade" para assinalar a quadra, de que afinal nenhum lhe conhece o sentido. Não consta que nalguma ”instalação” se encontre uma única menção ao nascimento de Jesus: na Praça do Chile são molhos de chapéus-de-chuva iluminados, junto ao Parque Eduardo VII exibe-se um conjunto de repugnantes gaiolas em forma de árvores de Natal entulhadas de lixo “para reciclar”. Nos ajardinamentos centrais da Rotunda foram espetados uma série de “sinais de trânsito” reflectores que anunciam a “Lapónia”, o “Bacalhau”, a “Neve”, o “Peru”, o “Pai Natal” e toda a vasta gama de iconografia mundana referente às festas. Este absurdo puritanismo laicista está também patente num anúncio da TV ao jogo da lotaria em que o apresentador enumera uma séride de tradições do Natal português evitando olimpicamente referências a Jesus ou ao presépio, mas mencionando uma inexistente “Noite do Galo”, como alusão disfarçada à Missa do Galo.
Através da abordagem mediática e demais tralha publicitária que invade as nossas casas através da imprensa, rádio e televisões, constatamos a tenacidade do regime tornar o Natal uma festa pagã. Afonso Costa por estes dias se não ardesse no Inferno, chocalharia veemente os seus ossos exultando no caixão: todas as festas perfilhadas pelo todo-poderoso Estado Laico, se vão assemelhando cada vez mais, a uma série de variantes do Carnaval: sejam elas protagonizadas pelo Pai Natal, por simples foguetório e embriaguez, por brasileiras desnudadas a tiritar de frio, coelhinhos de chocolate ou até sardinhas assadas. O motivo e finalidade comum é a simples alienação num tanto quanto possível desregrado folguedo.

~o~

Voltando ao essencial, não desisto de apregoar que, ultrapassada a perspectiva infantil, o Natal não é magia mas dum Milagre que se trata… a diferença é profunda e o fenómeno não requer luminárias ou artifícios. Porque esse incomensurável Milagre de Deus encarnado no humilde Menino acontece no coração das pessoas. Um Menino Jesus que Se nos entrega para derrotar a nossa soberba com o seu Amor, chegando desta forma tão próximo de nós que “podemos tratá-lO por tu e manter com Ele uma relação íntima de afecto profundo, como fazemos com um recém-nascido*”. 
É a preparação para este Natal, na intimidade do Presépio em que cada um de nós possui a graça de participar a 25 de Dezembro, que me concede a mim uma profunda paz e a sensação mais parecida com felicidade que conheço e que se me exige dar testemunho.
Porque a felicidade é incompatível com o egoísmo e o júbilo impele-nos a partilhá-la, entristece-me que a república laica tenha expulsado o Menino Jesus desta magnânima festa, e a sua mensagem seja tão militantemente censurada. Finalmente, urge perguntar: quem ganha com tudo isto, quem fica de facto a perder? 

 

* Bento XVI 

Ao menino não nascido

 

A 28 de outubro de 2011, foi inaugurado na Eslováquia, o monumento ao menino não nascido, obra de um jovem escultor daquele país. O monumento expressa não só o pesar e arrependimento das mães que abortaram, mas também o perdão e o amor do menino por nascer para com a sua mãe.

A cerimónia de inauguração contou com a presença do ministro da Saúde do País. A ideia de construir um monumento aos bebés por nascer veio de grupo de mulheres jovens mães muito conscientes do valor de toda a vida humana e do mal que se inflige também à saúde da mulher.

Cão que ladra não morde e se rosna tem medo

 

Nos últimos tempos não tenho comprado o Público, coisa que talvez justifique a minha surpresa ao encontrar hoje em destaque, a ¼ de página (na 3) com caracteres de corpo grande a seguinte parangona: “Amadeu Carvalho Homem historiador e republicano, dirige uma pergunta ao pretendente ao trono, a propósito da celebração de mais um aniversário da Restauração, a 1 de Dezembro”: “SE UM DIA FOSSE REI DE PORTUGAL, NÃO ACHARIA BIZARRO (NO MÍNIMO) QUE O TRATASSE POR SUA MAJESTADE?” (a vermelho no original).
Porque mantenho alguma crença na inteligência humana, custa-me acreditar que esta opção editorial não tenha um justificado enquadramento que me escapa. De resto, a mesma pergunta com que nos desafia o historiador poderia aplicar-se a outros tratamentos honoríficos ou convencionais, que mais do que um sentido estrito correspondem apenas a uma tradição protocolar: Sentir-se-á o Presidente da República mesmo “Excelente” (Excelência) e o Senhor Reitor mesmo “Magnífico”, (Vossa Magnificência)?
Finalmente como um mal nunca vem só, a imbecil questão ficará sem resposta, dado que o destinatário dela como consta na manchete introdutória é D. Duarte Nuno Duque de Bragança, que faleceu aos 69 anos há mais de 34 anos.

Pela minha parte sou levado a concluir que o destaque dado a tão boçal provocação só se justifica pela insegurança e receio que a Instituição Real por estes dias parece inspirar aos republicanos ou simplesmente a gente de limitada craveira. É sabido que a primeira razão do cão ladrar e arreganhar os dentes é o “medo”, fenómeno que deveria levar os monárquicos a ter algum orgulho na sua Causa, que afinal algum trabalho vai fazendo…

 

Também publicado aqui

A História, essa caixinha de surpresas

Um grande equívoco destes tempos provém dessa moribunda 3ª Via socialista que, sem atender à génese da crise europeia, esperneia com a desdita carência de lideranças e carismas, clamando pelo "homem providencial", um perigoso mito e recorrente erro dos desesperados. 

Duma coisa devemos estar cientes: como notou tarde de mais o imprevidente Sócrates, o mundo mudou e hoje vivemos inegáveis tempos históricos, do género parangona que constará destacada nos futuros manuais escolares. E desiludam-se os inconformados passadistas que antecipam retrocessos civilizacionais e outros tremendismos: a História não tem, nunca teve uma agenda "moral", uma sentido romanesco, assim do passado opressivo para os amanhãs que cantam. Só se desiludem os iludidos. 
Outro perigoso equívoco provém das luminárias encartadas em psicologia social e outras ciências ocultas, que consideram que o facto de o povo fazer greves e ir para a rua berrar ordenadamente contra a realidade, serve de catarse às suas angústias ou instintos revoltosos. 

Restauração da Independência?

 

 

Ao contrário dos maçons que por já por aí uivam e acirrados rosnam salivando ódio com a ameaça da extinção do 5 de Outubro, o modo conformado com que a Igreja concede na eliminação de duas importantes festas religiosas, coincide com a maneira polida característica das forças mais tradicionalistas, que também se resignam com o fim do feriado da Restauração da Independência. De facto o mundo não acabará por isso, mas o fenómeno encerra em si um terrível simbolismo: quem é que por estes dias quer saber verdadeiramente dessa coisa extravagante chamada soberania, ou ainda desse capricho da “independência”?

 

 

De resto, ontem à noite, quase setecentos portugueses entre os quais muitos jovens juntaram-se no Centro Cultural de Belém numa evocação aos heróis que há 371 anos instauraram a “Dinastia Portuguesa” da Casa de Bragança em torno do Chefe da Casa Real Portuguesa. Com a habitual leitura da mensagem de S.A.R. tratou-se duma sóbria manifestação de sentido pátrio e solidariedade olimpicamente ignorada pelos média, demasiado ocupados  com o exercício de bajulação ao decrépito regime encarnado por Mário Soares que promovia uma vernissage na sala ao lado com o lançamento do seu livro.
Porreiro pá!