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João Távora

Ongoing para o abismo

 

Pelo que me foi dado observar ontem da audição ao ministro dos Assuntos Parlamentares na assembleia, parece-me que um envolvimento com consequências criminais ou políticas de Miguel Relvas na salganhada das “secretas” não passa de um  wishful thinking daqueles que tiram dividendos do facto: a oposição por razões óbvias, e os lóbis ameaçados pela privatização da RTP ou pela reforma administrativa do País.

Certo é que Passos Coelho ao ter segurado o seu amigo comprou um conflito com o Publico e com o Grupo Impresa, fardo no entanto bem menos pesado do que o de Cavaco Silva que, apesar de tudo e “sem ler jornais”, ganhou duas maiorias absolutas e dois mandatos presidenciais.  

De resto, desta guerra fratricida entre Pinto Balsemão e Nuno Vasconcellos que promete tudo levar à frente menos o essencial – a nossa inimputável cultura de promiscuidade e nepotismo sustendada há quase duzentos anos pelas maçonarias – não antevejo nada de útil ao País que, para aqueles que não repararam, continua em iminente risco de falência. 

Contra-revolução II

 

A auto-estima, atributo louvado pela máquina do consumo e um dos mitos da modernidade, é na maior parte das vezes confundido com a eufórica ilusão de auto-suficiência. Paradoxalmente, a sensação mais próxima da auto-estima procede uma atitude de abnegação. Paradoxalmente o amor-próprio procede o realismo de não nos levarmos muito a sério: o umbigo, quando não tende a um ávido buraco negro, é um local obscuro e entediante. Ao contrário do que a cultura adolescentocrática nos impinge, o pote de ouro está na superação do eu, na descoberta do “outro”, enfim na genuína entrega à “relação”. Daí que a parte que nos compete, é dar, não é ter.

A cidade sem crianças

 

Até estranhei ontem ao final da tarde ao ver um punhado de divertidas raparigas, talvez entre os 9 e os onze anos, trajando farda de colégio a atravessar o jardim em frente ao meu escritório. Isto é coisa rara por estes dias, em que o contacto dos miúdos com a rua, com a cidade, é feito do asséptico e seguro habitáculo do automóvel dos pais, pelo menos até à idade do liceu. A verdade é que actualmente também não há muitas crianças, aspecto que é decisivo para o seu desaparecimento da paisagem urbana.
Muita gente surpreende-se quando conto que antigamente eu e a maioria dos meus colegas a partir dos oito ou nove anos íamos e vínhamos da escola pelo nosso pé. Era aos magotes que a miudagem se juntava gradualmente no caminho das aulas, ou se dispersava ao final da tarde pelos trajectos para suas casas. Claro que às vezes chegávamos mais tarde por conta duns minutos a jogar aos pontapés numa lata velha, ou embasbacados numa montra de brinquedos. Claro que uma ou outra vez tivemo-nos de esconder dos miúdos do Casal Ventoso. 
De resto o pretenso aumento de inseguraça da modernidade, não passa de uma ilusão promovida pelo excesso de informação. Os dias que corriam há 50 anos tinham os seus perigos (eu lembro-me bem de algumas aflições por que passei). Mas as famílias tinham mais filhos, e não se podiam dar ao luxo duma paranóia securitária. Sem dúvida a contracepção trouxe uma radical mudança de mentalidades, e estamos a construir uma sociedade de "filhos únicos", com o que isso tem de bom e de perverso. 

Os tempos hoje mudaram em muitos aspectos para melhor. Mas do que eu estou certo é de que uma cidade sem crianças nas ruas é um muito mau sinal. 

 

Imagem daqui

Acomodados à infelicidade

Os portugueses são dos povos menos satisfeitos com a vida, é o que se lê neste relatório da OCDE que avalia o bem-estar em 36 países europeus, apoiando-se em indicadores como a Saúde, a Educação, Trabalho, ou a própria “satisfação de vida” ponto em que rasamos o fundo da tabela. 

É empírico, uma mera opinião, mas parece-me que os portugueses são infelizes porque se sentem bem assim. Entretidos com os nossos medos e ressabiamentos, desconfiamos do sucesso e da felicidade, condenamos a sua exibição. E nada tem a ver com Salazar, talvez o próprio emerja de tudo isto, assim como os vários regimes e demais frustradas engenharias a que nos vimos sujeitando na expectativa duma redenção.
Talvez porque seja lenta a libertação de séculos e séculos de fome e pobreza, ao sabor das pragas e acidentes climáticos, que nos legaram estes genes desconfiados e amargos. Da herança do cristianismo sobreveio uma prática pagã de supersticiosidade, sem relação, sem densidade. E nem esta solar luminosidade imperial nos aquece o coração cinzento. Debruçados sobre um infinito esplendoroso Oceano, este inspirou-nos a diáspora e a saudade. Ah, pois! e a culpa, a culpa, essa inconfessável culpa, que se esconde sempre nos outros e nas circunstâncias, como um canto de sereia que nos enreda para os abismos da impotência. Acomodados à infelicidade. 

 

Give The People What They Want

 

Até há bem pouco tempo eu tinha o privilégio de ir ao fim-de-semana pacatamente a fazer as compras ao supermercado do Sr. Soares dos Santos literalmente a cinquenta metros de minha casa. Esse pacífico ritual acabou-se, kaput, finito! Agora, é uma aventura para a qual somos obrigados a uma preparação mental, e a um exigente exercício de vontade para enfrentar o povoléu a disputar carrinhos e reservar o lugar na bicha da caixa e outros expedientes. O lado bom da coisa é que esta manhã poupámos cerca 40,00 ao orçamento familiar, que valeram bem os 35 minutos passados naquele estabelecimento em profunda comunhão democrática.  

Do desemprego

 

A montante do flagelo do desemprego está uma economia débil, suportada pelo trabalho desqualificado, dominada pelo Estado e por um empresariado rústico, submisso e pouco empreendedor. Esta cultura não se muda por decreto e aguentar o estado de coisas teve as consequências evidentes e custos hoje impossíveis de cobrir. Acabado o folguedo dos fundos estruturais e de convergência, hipotecado o rendimento de várias gerações em betão, alactarão e outros delírios, os resultados são o choque e o pavor. E depois não há economia que se converta pela abertura no País de três lojas de moda, dois cafés, dois restaurantes por quarteirão... e um shopping em cada bairro. 

Caprichosa realidade

São indisfarçáveis os arrepios de excitação dos cúmplices ou protagonistas da desgovernação das últimas décadas com manchetes tipo “o regresso dos indignados”. No caso é à Puerta del Sol em Madrid, mas poderiam referir-se às dezenas de campistas no Parque Eduardo VII ou a um qualquer grupelho de alienados na Praça Luís de Camões. O “cheiro a sangue” provoca uma reacção pavloviana no jornalismo tuga. Talvez seja afinal o caos a ignição da tão proclamada “Agenda do Crescimento”... nos primeiros tempos até ajuda a vender jornais.

A montante de tudo isto está o enorme equívoco que constitui para a Democracia, a proverbial insubordinação do regime à “realidade”. Como referia o historiador Rui Ramos Sábado na sua coluna do expresso (nutro infinitamente mais apreço por um analista político que consagre a sua vida à investigação da História) “a democracia não é só vontade e representação, esta não pode ser a negação da realidade”, uma perspectiva que fatalmente constitui a sua própria condenação. Acontece que "os cidadãos ocidentais foram educados na crença de que a realidade é uma construção ideológica, e que portanto, pelo singelo expediente de "fazerem ouvir a sua voz" está aos seu alcance tornar as coisas e as pessoas no que mais lhes convém." De facto, "os políticos" teimam vender promessas impossíveis para vencer eleições e foi essa lunática estratégia mais o crédito barato que nos trouxe à falência. Uma estratégia que descredibilizou o regime e hoje coloca em risco a nossa liberdade, à mercê de qualquer grupelho marginal mais aguerrido ou violento. 

De facto acabou o dinheiro fácil, o emprego por decreto e o capitalismo popular que manteve as hostes expectantes ou acomodadas. Acabaram-se as certezas e é muito provável que esta ficção chamada Europa se desmorone mais cedo do que possamos imaginar. O colapso da moeda única encarregar-se-á disso. 

Em vez de se atirar gasolina para o fogo, por estes dias deveríamos apelar aos valores mais perenes, assumindo-se reforçada a responsabilidade de defender o que se possa ainda salvar: a liberdade. Hoje o único apelo realista é ao estoicismo e sentido patriótico do cidadão. Citando uma vez mais Rui Ramos: “o rei Canuto mostrou um dia que não mandava nas ondas do mar. Os manifestantes e eleitores europeus precisam de perceber que eles também não”. Uma inevitabilidade que abrange os socialistas portugueses.

A contra revolução

 

Trespassada por uma profunda crise por causa do refinamento da cultura individualista orientada para uma perspectiva niilista pela sociedade de consumo, a destruição do modelo de família judaico-cristão nas suas diversas adaptações deveria ser interpretado como um sério alerta sobre a decadência civilizacional a ocidente.

Talvez seja tarde para a inversão da vertiginosa atomização social de que somos testemunhas passivas, mas parece-me que vale a pena um sonoro alerta, na perspectiva dum movimento, de uma revolução para o resgate do conceito de família “compromisso”, muito para além da sua “fracção” nuclear.

Refiro-me à recuperação da família como emblema, marca a que aderem livremente os seus membros, a um modelo mais ou menos alargado que promove o sentido de pertença e a auto-estima, que seja, além de uma privilegiada rede de afinidades e solidariedade, um espelho de modelos, exigências e afectos, um centro de difusão de competências e vocações, com as suas lideranças naturais. Todos conhecemos apelidos e linhagens, em que um ou mais membros pelo seu mérito intelectual e profissional, vocação e coerência, vieram a tornar “marcas reconhecidas”, casos de sucesso que prevaleceram para as novas gerações.

Acontece que a família alicerçada como projecto perene, com todos os seus defeitos e potenciais arbitrariedades, constitui o mais salutar bastião do livre arbítrio do indivíduo. Falamos na defesa da liberdade. Para a sociedade, em termos latos, a família constitui o garante duma essencial diversidade estética e cultural: cada uma possuidora do seu legado de informação e património económico-cultural, afirma um insubstituível microcosmos, qual espelho e plataforma de mediação dos seus elementos com a comunidade e com o mundo, em que a liberdade é promovida no equilíbrio com a responsabilidade de uns em relação aos outros… e com a sua história. Este factor é extremamente útil para um privilegiado desenvolvimento das novas gerações. Além de tudo o mais, as estruturas familiares mais sólidas potenciam uma resistência inteligente à massificação e à submissão dos indivíduos aos mecanismos despóticos de controlo social emergentes, como as avassaladoras modas impostas pelo mercado e... pelos estados demasiado intrusivos.

É fácil entender porque é que as mais cruéis ditaduras do século xx sempre combateram os modelos tradicionais de família, que tendem a funcionar como autênticas bolhas de oxigénio numa sociedade sufocada pela pressão do controlo.

Finalmente, considero uma causa algo obscura o extremo individualismo promovido pelas correntes liberais de costumes, hoje em dia patrocinadas pela generalidade dos poderes políticos. Talvez porque sem referências sociológicas e culturais consistentes as pessoas se podem tornar mais vulneráveis, qual papel em branco fácil de ser preenchido e doutrinado por qualquer sinistro poder.

 

Ilustração: José Abrantes - direitos reservados

 

* Originalmente publicado no jornal i 

Quem paga a conta do Sr. Hollande?

 

Quaisquer eleições que decorram nos países mais influentes da geopolítica europeia deverão constituir motivo de interesse noticioso e análise doméstica. Mesmo assim, a repercussão mediática das eleições francesas pareceu-me desmesurada, por vezes intrusiva até. Tal como o voto em promessas impossíveis, a vontade dos nossos jornalistas e analistas não chega para que alterar a dura realidade de uma Europa em profunda crise.

A blasfémia de Soares dos Santos

 

O caso das promoções do Pingo Doce teve o mérito de denunciar a crendice mal disfarçada da cultura puritana de esquerda, o pensamento dominante com que somos amestrados há quarenta anos nesta madrasa laicista. Se não se tivesse dado o caso dos saldos de Soares dos Santos terem sido agendados para um dos seus principais dias de culto, o “Dia do Trabalhador”, simplesmente não teria havido escândalo, ampliado pelos neo-fariseus e suas virgens ofendidas que rasgam as vestes indignadas com tamanha blasfémia. Esses moralistas tratam-se afinal dos mesmos idolatras que dominam os Media onde usam vulgarizar a troça e a caricatura gratuita dos rituais, heróis e dogmas cristãos, com recomendações de tolerância e sentido de humor a nós, que nos querem acossados e de volta às catacumbas. Não lhes daremos esse gosto. 

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