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João Távora

Cenas da vida doméstica

 

Já é natural, nestes maravilhosos tempos modernos os pequenitos comerem à mesa da sala de jantar, com a complacência dos pais, caridade dos irmãos e algum consentido chavascal à volta do seu lugar. São os danos colaterais da gestão da “aprendizagem” e “socialização”. Em minha casa há alguns anos que uma conversa séria à mesa não dura mais do que o tempo duma música pop.
Isto tudo a propósito do meu filhote pequeno, que tem pelo na venta, mas não tem a lateralidade definida, e que só recentemente começou a fazer correspondência entre número e quantidade e vem demostrando progressos na estruturação temporal (vem tudo no relatório do colégio – um mimo). Para já sabe que está de férias, e que isso quer dizer que não vai à escola.
Por tudo isto o meu espanto foi enorme um dia destes quando o seu ego colossal interrompeu a conversa ao jantar para me declarar literal e peremptoriamente que “precisava de dinheiro”. Ficámos todos atónitos e eu estive quase para lhe responder à séria que “eu também”; mas o miúdo não me deu tempo com uma pronta justificação: “É para pagar aulas de Inglês”.
Ainda hoje não sei onde ele foi buscar tão assisada ideia, mas desconfio que foi a uma série de desenhos animados.

O despertar da choldra

 

Mais estranho do que o teor da denúncia de Helena Roseta há dias na SIC notícias sobre uma alegada proposta do Secretário de Estado de Durão, Miguel Relvas, para um negócio de formação para arquitectos (de que ao tempo a vereadora era bastonária da respectiva ordem) na condição de a acção ser fornecida por uma empresa de Passos Coelho, é o facto da senhora só agora levantar a lebre. Mesmo tendo recusado o acordo, a omissão deste caso durante todos estes anos revelam a estranha naturalidade com que a classe política instalada lida com estas metodologias mafiosas.

Todos conhecemos os obscuros métodos e como se movem os vorazes interesses dentro dos partidos do arco do poder, matéria pouco edificante e que apesar de corroer o regime a partir do seu âmago, por imaturidade democrática não tem estatuto de escândalo. Manobras e negociatas que fariam corar os caciques dos partidos do rotativismo liberal. Estranhamente à arquitecta que tão ciosa da sua ética e independência usa sandálias e balandrau, o assunto demorou oito anos a causar sensação. Vá-se lá entender porquê...

Europa federal à força?

 

 

É um discurso vulgarizado aquele que dá hoje à pena o jornalista André Macedo, pessoa de responsabilidade, director do jornal online Dinheiro Vivo num comentário ao Diário de Notícias:  Se vencer a Nova Democracia será mais do mesmo - um horror para os gregos, uma pesadelo para os outros europeus - embora a Zona Euro ganhe tempo para tentar aquilo que ninguém discutiu até hoje: uma Europa federal, integrada, com um parlamento representativo e fiscalizador de (hélas!), um Governo supranacional. Já sei: seria um espécie de casamento forçado, um casamento de caçadeira. E então?

E então? Hipotecar formalmente um pouco mais da soberania Nacional por um prato de lentilhas e uma caçadeira encostada à nuca é o preço da saída da crise? Além de claramente definidos os limites dessa "união política", a colocar-se, ela terá imperetrivelmente de ser sufragada. Caso contrário será mais um passo firme para adensar a salganhada que constitui esta desgraçada Europa desenhada à revelia dos povos nos gabinetes de Bruxelas por sociólogos, ex-hippies, trotskistas e comunistas arrependidos. Chamem-me lírico ou idealista, mas pela parte que me toca não aceito a hipoteca de nem mais um milímetro da minha Nação, uma extraordinária invenção que nem oitocentos anos de História conseguiram implodir. 

 

Declaração de interesses: sou dos que terei mais dificuldade a sobreviver à queda do euro - não possuo heranças, bens imóveis nem contas off-shore. Na minha casa, governa-se uma família de seis almas, um dia de cada vez, sem “ordenados” ou “empregos”, apenas à custa muita tenacidade a angariar trabalho para uma micro empresa sobrevivente a uma permanente extorsão fiscal. 

Do futebol e o mau-feitio

 

A experiência de vida entre outras coisas rouba-nos a inocência com que olhamos o Mundo. A muita gente faz crescer amargura e desilusão, que é uma patologia própria dos iludidos. Escrevo estas palavras, imaginem, a respeito do Euro 2012. Porque detecto por aí, fora dos circuitos publicitários e mediáticos, uma envergonhada descrença e até algum azedume em relação ao Evento. Tirando o caso dos marretas militantes que sempre existiram, descontado a critica fundamentada à alienação que estes certamos sempre sancionam, percebe-se que a população portuguesa envelheceu e tem hoje dificuldade em alinhar com o circo da bola. Os seus feéricos rituais, hinos, rubricas noticiosas, debates, cromos de coleccionar, são os mesmos de sempre, mudando apenas alguns detalhes da moda e suportes tecnológicos - não se percebe a razão para atitude tão blasé.

Mas este sentimento não é transversal e não é visível na malta nova com que convivo. Incrédulos com uma crise que lhes pode mudar a vida tal como conhecem,  os miúdos roubam-me as páginas de desporto do jornal, conhecem os craques das selecções, e quando joga Portugal até saem com os amigos para as esplanadas a dar largas às emoções.
De resto hoje em dia ninguém tem razão para ficar zangado ou amuar com estes fenómenos de histeria: a verdade é que nunca como agora foi tão fácil ao comum dos mortais exilar-se num qualquer canal temático, seja de séries americanas, sobre a sexualidade do caruncho, análise económico-financeira, filmes antigos, barcos à vela ou touradas. Qualquer um pode entrincheirar-se na sua casa a ler Proust ou a Bíblia, na Igreja a rezar pela humanidade perdida, ou nos blogues a debitar comentários e opiniões. É tanta liberdade que até enjoa, e definitivamente não justifica tanto azedume pelo circo da bola. E se, por um improvável golpe das circunstâncias, Ronaldo e Ciª. chegassem às meias-finais, estou mesmo a ver que muitos desses Velhos do Restelo rapidamente se converteriam fascinados pela bola. E isso não tem mal nenhum. Mas que todos devíamos aprender com a saudável alegria de viver o futebol dos Irlandeses. Na vitória e na derrota, porque aquilo é só um jogo, e muito divertimento.  

 

Minha Nossa Senhora me dê paciência...

 

Extraordinariamente edificante foi a malabarista pop Madona ter mostrado uma mamoca num espectáculo ao vivo em Istambul, (ainda se fosse em Teerão...).  Ao que refere a notícia publicada ontem no Diário de Notícias os fãs entraram em delírio quando a senhora subiu ao palco, e a meio do espectáculo exibiu umas calças a combinar com um soutien personalizado que lhe permitiu desapertar a copa e mostrar o seu seio direito (apreciem detalhe). Os portugueses não perdem pela demora de apreciar "tamanho" (?) fenómeno, pois a tourné da conhecida malabarista de 53 anos vai passar por Coimbra no próximo dia 24. 
No colégio da minha filha de 10 anos parece que os rapazes ainda brincam a levantar as saias às meninas. A nossa adolescentocracia encarregou-se de glorificar esse estágio de infantilidade até aos tempos da reforma, sinais de democrático progresso da boçalidade colectiva.

Curta entrevista minha ao Diário de Notícias a respeito do Jubileu de Isabel II

 

 

Os britânicos estão a celebrar com festas por todo o pais o Jubileu de Diamante da Rainha Isabel II. Enquanto monárquico, partilha da alegria do povo britânico?

Eu não sou inglês, por isso não partilho a alegria dos ingleses. Mas olho com pena Porque nós, os portugueses, não tivemos a arte e a sabedoria de crescermos e progredirmos em termos de estruturas sociais e políticas de forma a podermos ter uma festa semelhante a deles. Tenho uma certa inveja de não poder ter um Jubileu como os ingleses.

Como vê o reinado de 60 anos de Isabel II?

Com grande admiração. Era desde o início um reinado condenado ao sucesso. E uma soberana com um grande dom, e a longevidade que e característica dos Estados monárquicos. É um símbolo que inspira uma imagem de união e de sobriedade do povo inglês. 0 seu reinado marca várias gerações. Fico com uma certa inveja, porque nós enquanto nação com 900 anos não fomos capazes de superar as dificuldades e hoje não temos uma monarquia.

Como e que e a relação da Rainha com Portugal? Lembra-se da visita de Isabel II?

Creio que foi a primeira transmissão em directo da RTP, foi um acontecimento marcante em Portugal. Isabel II e o símbolo de um País que sempre foi nosso parceiro.

Parte da popularidade da monarquia no· Reino Unido deve-se a imagem de Isabel II. Acha que Carlos vai conseguir manter a instituição popular quando a Rainha morrer?

Claro que sim. Há reinados diferentes uns dos outros e é verdade que a Rainha tem um dom especial, mas o suporte da monarquia também passa em parte pela aculturação a um novo símbolo nacional. É um sentimento republicano querer escolher o Chefe do Estado. É bom um monarca ter um certo carisma, mas não é isso que suporta a monarquia. Suceder a Rainha Isabel II que, quer pelo seu carisma, quer pela longevidade do seu reinado, deixara uma indelével marca de classe na História será sempre uma tarefa muito ingrata. Um pouco como o que veio a acontecer a Eduardo VII, sucessor da rainha Vitória. Nada que no entanto o tempo não resolva, num processo porventura mais retardado de assimilação, de adopção afectiva, ao novo soberano por parte dos britânicos.

Como casamento de William e Kate, os príncipes transformaram-se quase em estrelas de cinema. Isso significa que a monarquia esta agora na moda?

Eu tenho 50 anos e passei uma coisa semelhante como casamento do príncipe coma Diana, em 1981. São cerimónias, rituais, que criam uma expectativa inerente à instituição real. Acaba por ser um momento de fortalecimento do próprio país, ainda mais se for numa altura difícil.

Em Espanha, o Rei Juan Carlos esteve recentemente no centro de uma polémica, com a sua caçada de elefantes em África…

É um mau momento da monarquia espanhola, mas o próprio regime tem os seus mecanismos de regeneração. E acho que Espanha tem problemas muito mais graves. A monarquia espanhola passa por uma crise de prestígio por Causa de uma acção irreflectida do Rei, mas isso não põe em causa o regime.

Alegações Finais,

Entrevista Susana salvador – Diário de Notícias 5 Junho 2012

Uma Pátria para lá do futebol

 

Confesso que me incomoda um pouco a campanha de histerismo criada à volta da Selecção Nacional na contagem decrescente para o Europeu de Futebol. Mais do que na expectativa indígena face ao certame, este barulho tem origem na necessidade imperiosa de compensar os patrocinadores do investimento publicitário investido e tal não era possível sem a adesão incondicional da comunicação social de massas.
Nesse sentido pouco me comovem os veementes e apelos de adesão a esse artificial sentimento de “nacionalismo” verde-rubro. Em pleno processo de enfraquecimento dos valores identitários e atomização social, reabilitar a Pátria para conveniências mercantilistas do jogo da bola é brincar com coisas sérias. Mais a mais sob o significativo risco de não passarmos de uma participação medíocre. Sim; o futebol é um jogo, com o que isso implica de fortuito e emocional. O patriotismo indispensável aos desafios que a Nação enfrenta, jamais poderá ser equívoco, mas sustentado em fundamentos consistentes, que só uma coesa comunidade de homens e mulheres conhecedores e livres garante. Coisa que não temos.
Por tudo isto, pareceu-me de uma assinalável salubridade a derrota ontem da selecção com os turcos, partida que não tive o desprazer de assistir. Um balde de água fria que coloca as coisas nas devidas proporções.
De facto, urge levantar o esplendor de Portugal, inspirar a alma lusitana, coisa que duvido aconteça nos relvados da Polónia e da Ucrânia. Mas se nessa roleta de sortes e azares o destino nos levar às finais, certo é que o meu coração não resistirá a bater acelerado e em uníssono com o País… mesmo que pelo sonho duma fugaz vitória.

 

PS.: Durante os doze meses de ano, faça sol ou chuva, da janela da minha casa e no fundo do meu coração a bandeira nacional que me inspira está sempre desfraldada. Não é verde e encarnada.