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João Távora

O fascinante cilindro de Edison

 

Da esquerda para direita, três diferentes cilindros de Edison: o primeiro é de cera virgem para dois minutos de gravação produzidos em série a partir de 1880. Com a mesma capacidade, segundo é de cera preta (mais resistente) com temas pré-gravados (Gold Moulded) foram um sucesso produzido a partir de 1903. O terceiro, patenteado em 1912, tem 4 minutos (o dobro da capacidade dos anteriores), com melhor som e mais resistente devido ao acabamento em celulóide, é adjectivado de “indestrutível”. Nesta fase, o cilindro já estava em fim de vida, pois os discos, com muito mais capacidade (dois lados) e mais fáceis de armazenar, tinham chegado para vencer.

Prazeres da vida

 

Resulta particularmente agradável aos sentidos ouvir o tema "Lotus Flower" dos Radiohead, do seu último álbum em versão analógica, composto por dois maxi-singles de 45 rpm em vinil transparente de 180 gr, com uma qualidade de impressão absolutamente admirável: com a agulha ortofon OM 5E do meu gira-discos a deslizar vibrante e quente, o resultado é um espectro musical tão dinâmico como o digital e encorpado e sólido como só a realidade o pode ser. De olhos fechados quase que posso afirmar que Thom Yorke e companheiros estão à minha frente vivinhos a tocar.
Mesmo reconhecendo a virtude ao cd ou mp3 da impossibilidade de degradação do conteúdo, tenho para mim que uma boa impressão em vinil é sempre superior a qualquer codificação digital por menor que seja a compressão, por mais disfarçados que sejam os espaços vazios. Além disso, ao contrário do que acontece com o CD, dependendo do edição ou ano de lançamento, o valor de um vinil vai aumentando progressivamente face à procura dos coleccionadores. Por exemplo, segundo um estudo da Popsike, o Álbum Branco dos Beatles (de 1968) chega hoje a atingir 24 mil euros o exemplar.
Quando apareceu o disco compacto, o meu pai refreou o meu entusiasmo afirmando que esta fórmula desumanizava a gravação. De facto, acontece que com o "analógico" as vozes e a música estão mesmo lá entranhadas na cera, no acetato ou no vinil. Sei bem disso porque fiz a experiência quando era pequeno: um dia encostei ao disco a rodar no pick-up a minha unha que espantosamente zunia reproduzindo pelo meu corpo o som da gravação.    

 

Foto: Edisom Home Phonograph Model A de 1901 - Aplicação de efeitos Instagram 

Será que aprenderemos algum dia?

 

A ameaça de revoluções e outras quimeras é maioritariamente sustentada por aqueles que vêm ameaçados os privilégios oferecidos pelo regime que agora não os consegue garantir. A História comprova que as revoluções (além de destrutivas) são sempre ortopédicas, servem para perpetuar ou acentuar os vícios que emanam organicamente da realidade cultural da comunidade. 
Aqueles que se vêm obrigados a esfalfar, a cada mês, para garantir o sustento da sua família não têm disponibilidade para esses devaneios. Mudar o mundo é lento e dá muito trabalho porque isso começa na respnsabilidade e atitude de cada um perante a vida.

Da arbitrariedade à violência é só um fósforo


Anda por aí a medrar uma perigosa tese de que as manifestações de Sábado, pela sua eloquência, obrigam à demissão do governo. Acontece que, segundo as regras constitucionais, a avaliação da prestação do governo (de qualquer um, mesmo que não seja de esquerda) é feita nas urnas por voto secreto e universal, de preferência no final da legislatura. Num país civilizado poder é instituído pelo voto, não é imposto ou destituído pela rua.

Se as regras mudaram, (eu não dei por nada), então os restantes nove milhões de cidadãos são chamados desde já a virem reclamar de sua justiça. Uma "conversa" incendiária, absolutamente lamentável, não vos parece?

Antes que lhes dê o Síndrome de Estocolmo

 

Apesar de estar convicto que a saída do beco em que nos encontramos exige muita audácia e rasgo ao executivo legitimado pelo voto há pouco mais de um ano, apesar de tendencialmente antipatizar com unanimismos, não consigo deixar de retirar as minhas ilações perante a eloquente e unívoca reacção gerada à volta da arquitectada desvalorização fiscal tão desastradamente anunciada pelo primeiro-ministro há dias. Há que encontrar uma boa alternativa.

Mas que não hajam ilusões: penhorada a soberania nacional pelo humilhante resgate financeiro assinado por Sócrates, é para mim claro que o cheque trimestral só nos será endossado se percorremos um estreito e amargo caminho de “ajustamento”. E quanto mais depressa, maelhor.
Trágico é como o mais penoso desafio alguma vez colocado a um governo da terceira república, tenha que ser cumprido sob a liderança do mais inábil primeiro-ministro de que há memória (eu não disse aldrabão). Mas mais trágico será caso esse handicap não seja colmatado com um reforçado empenho do restante (e remodelado) executivo, relançado na hercúlea missão de reformar e libertar o Estado ainda sequestrado pelas máfias e clientelas que o arruinaram. 
É neste panorama que se exige um renovado sentido patriótico ao mais experiente político do governo, o ministro de Estado Paulo Portas: que assome mais vezes das Necessidades, em má hora tornado um exilio dourado; por forma a reforçar a coesão e motivação de uma equipa governativa que não possui outra opção do que ficar na História. Por cumprir. Cumprir as promessas mesmo no limite das suas forças e resistência, assumindo o sacrifício das suas vidas, carreiras e… agendas pessoais. Quanto antes, antes que se dissemine por todos o paralisante Síndrome de Estocolmo. 
Finalmente, as imagens de centenas de milhares de portugueses a protestar nas ruas, significa um salutar sinal de salubridade dum povo sacrificado e compreensivelmente desiludido com o destino da sua História. Cuja responsabilidade ninguém, mesmo ninguém se pode eximir. 

De ressaca


Passadas as ondas de choque do anúncio de ontem pelo 1º ministro da reposição das medidas de austeridade chumbadas pelo Tribunal Constitucional no âmbito do compromisso de ajustamento financeiro, gostaria de reflectir aqui alguns pontos.
Segundo os especialistas a brutal desvalorização do valor do trabalho prenunciada (e agora reforçada), tendo em conta a competitividade da economia portuguesa é condição fundamental à nossa permanência no euro (acaso a moeda permaneça) .
A aposta numa redução da contribuição para a segurança social por parte das empresas como estimulo ao emprego é uma medida muito arriscada e como tal uma medida tão corajosa que roça a "loucura", e cujos resultados práticos apenas o tempo desvendará.
A fórmula de devolução de um mês de subsídio à função pública em duodécimos é um corajoso sinal dado à economia pelo principal empregado nacional, em favor duma gestão mais racional de tesouraria.
Finalmente o pior dos sinais ou tendência que ontem se vê confirmada: como refere aqui José Mendonça da Cruz, o facto é que as grandes reformas do Estado, das suas empresas e parcerias continuam por fazer. O voraz Estadão socialista e suas clientelas continua incólume.

O caso RTP ou o canto do cisne da televisão generalista

 

É curioso como o editorial de hoje do Público sobre o imbróglio da reforma da televisão pública, dedica todo o primeiro parágrafo a um exercício de sentimentalismo nostálgico, na recordação da velha televisão a preto e branco, a enternecedora mira técnica ou até as adoráveis avarias técnicas que se justificavam com o slide de pedido de “desculpas por esta interrupção”. Esta abordagem é indicadora como o tema se entorna tão facilmente e a discussão se embriaga num processo de total irracionalidade. Talvez em consequência disso não é de estranhar que os mesmos que nas redes sociais vituperam os vícios do regime, reclamando por uma nova ordem e transparência defendam o status quo duma RTP que desde da sua fundação assumiu o papel de guarda pretoriana dos regimes que se sucederam e que nos trouxeram por este caminho. 
Acontece que também eu prefiro um modelo de serviço público de televisão, cujas audiências suspeito dificilmente descolariam dos 3% do canal dois, inviabilizando-se assim a sua exploração comercial. Deste modo, “a minha RTP” teria que se cingir às receitas da Taxa de Audiovisual e sem mais recursos promover na sua grelha reportagens, noticiários e debates isentos; e preencher o horário nobre as melhores produções de música, teatro e cinema mundiais. Enfim, um capricho meu, uma utopia. 
Finalmente, parece-me que este debate não deveria evitar o verdadeiro busílis, que julgo esteja na origem da excitação que o assunto provoca nos principais operadores televisivos e respectivos grupos de média: o imparável declínio do actual modelo de distribuição de conteúdos, mais desastroso na televisão generalista, e a notória incapacidade deles se adaptarem às novas fórmulas de consumo. Para o bem e para o mal, a geração dos nossos filhos universitários já não se senta a ver televisão. Na internet ou nos canais temáticos, pesquisam, assinam e consomem os conteúdos, os filmes, séries e músicas que lhes apetecem a cada momento: não há mais como se lhes impingir qualquer menu pré-estabelecido, de lhes vender uma verdade. E isso é bom.

 

Publicado originalmente aqui

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