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João Távora

Homens...

 

De uma coisa eu estou certo: a defesa deste Orçamento de Estado por Vítor Gaspar tem exactamente o mesmo fundamento da  aprovação por Paulo Portas: razões patrióticas. Vistas as coisas ao contrário: este odioso Orçamento de Estado é assumidamente um infortúnio, tanto para Gaspar quanto para Portas. E como faz falta por estes dias de tormenta, quem se chegue à frente com um discurso de verdade, coerente e mobilizador - política, enfim. De resto sabemos bem quem são normalmente os primeiros a abandonar o barco adornado.

 

Foto filtro Instagram

Solo do acordeão

Medley of Buck Dance - Kimmel. Janeiro 1910

 

Como já referi noutro texto sobre a matéria, a gravação mecânica registava muito mal os graves e os agudos. Nada como uns metais vigorosamente soprados, a voz humana bem entoada... ou um bom tema acordeão para favorecer a clareza duma gravação. Curiosamente, neste registo notam-se levemente uns acordes dum instrumento de cordas que presumo ser um banjo. Se isto não algo proto-jazz, vou ali e já venho.

A urgência da cidadania

Estou inteiramente convencido de que não será possível fundar de novo uma aristocracia no mundo, mas penso que que os simples cidadãos, associando-se, podem criar no seu seio seres muito abastados, influentes e fortes, numa palavra, personalidades aristocráticas.

De Democracia na América
Alexis Tocqueville

 

Parece-me um terrível sinal de imaturidade democrática a generalizada aceitação tácita e indiferença às manhas, chapeladas, vezes demais utilizados pelas oligarquias partidárias instaladas na luta pelo poder. Um idóneo jornalista da nossa praça dizia-me impassível em conversa ontem à noite que esses procedimentos são tão habituais quanto inevitáveis, aplicados com mais ou menos maquiavélica sordidez, em todos os partidos políticos. Ora, não é estranho que a exigência de transparência democrática de um regime pare à porta de um congresso partidário, e que um salutar debate se sustenha à entrada de um Conselho Nacional, quantas vezes dominado pela estratégia da “matilha”? E que o mesmo se torne ocasião de protagonismo duns voluntariosos profissionais do tonitruante opróbrio para desacreditar o discurso dum parceiro que ponha levemente em causa a verdade oficial? Por outro lado também me ruboriza o despudor da repetitiva ostentação de mesuras ao grande líder, por tribunos que nunca noutra coisa exibiram obra ou competências. Protagonistas que ofuscam e empalidecem sérias análises e genuínas contribuições anónimas com substância e sabedoria.

Reconheço que a luta pelo “poder”, pela vertiginosa atracção que exerce o mítico objectivo, tão correntemente evoque a mais negra face dos intervenientes. E chego a admitir que já é um ganho que tanta violência se fique (quase) sempre pelas palavras.
No balanço do Conselho Nacional de ontem do CDS lembrei-me de algo que escrevi em tempos sob outro contexto: que para lutarmos pelas nossas convicções não é obrigatório sermos todos Assessores, Deputados, Vereadores, Ministros ou Secretários de Estado. Acontece que, mesmo que os aparelhos partidários não nos queiram lá, é nesse espaço intermédio de cidadania que todos somos poucos e onde fazemos mais falta. De resto, no que a mim me diz respeito, não sendo uma qualidade brilhante, acreditem que sou mesmo persistente. E livre.

Discos e riscos

Mother Fuzzy - Charlie Barnet and his Orchestra1945 

 

Se crescemos a vida inteira orgulhosos da ilusão de que somos senhores da nossa construção, dos nossos gostos, das escolhas, políticas, estéticas, literárias e artísticas; é sempre uma renovada surpresa o prazer quase infantil de usufruir a contingência do que nos é simplesmente oferecido. Como os artefactos encontrados no sótão dos avós, ou as descobertas numa (legítima) incursão na biblioteca de um estranho com os seus bibelots, fotografias, livros e músicas. 
Era assim no início antes de ganhar manias e armar aos cucos com critérios musicais, preconceitos literários, mais rebeldes ou conservadores. Quando eu era pequeno, pelos meus cinco ou seis anos, na altura em que o meu padrinho me ofereceu um pequeno transístor que trouxe a telefonia para a minha vida, na casa dos meus avós na Avenida da Liberdade era-me concedido o privilégio de explorar muitas dezenas de discos que eu espalhava pelo chão e escutava num gira-discos “mala” que a minha tia Isabel me deixava “tocar”, como que hipnotizado pelo indolente rodopiar do rótulo colado sobre o vinil. Isso acontecia por tardes inteiras, entre livros do Tintim e antigas encadernações da revista juvenil “Fagulha”, com muitos bonecos e historinhas que se entendiam quase sem saber ler. De resto, havia Adriano Correia de Oliveira, Rita Olivais, Jacques Brel, José Afonso, Música no Coração, My Fair Lady, Oliver Twist, France Gall, Beatles, Bee Gees, e muitos outros “singles” pop, que os discos de música clássica estavam fechados no armário. 
Estas doces memórias vêm a propósito das experiências que o Fonógrafo e a Grafonola recentemente resgatados ao esquecimento num sótão da família me vêm proporcionado. Acontece que os cilindros e os discos antigos que possuo não foram escolhidos por mim em escaparates da FNAC ou dos catálogos da Amazon. São espólios proporcionam uma acriançada experiência de descoberta e puro encantamento… Dentro deste universo de escolhas para as quais não fui tido nem achado, sobra-me o gozo de explorar esta dádiva, um património que revisito, de novo esparramado na carpete, com a indiscrição dum voyeur que embala num progressivo processo de selecção, conversão e… encantamento.
O que vos garanto é que usufruo um indizível prazer na exploração destas gravações fora de uso e sem valor comercial, para, como o coleccionador de borboletas, pacientemente as identificar, admirar e classificar, devolvendo-as à existência, mesmo num som estridente e afunilado, tal qual como soava há cem anos quando, pôr a tocar um disco de 78 rpm, incluía dar à manivela e substituir a agulha, ritual capaz de encantar um salão que por três minutos vibrava em festa. 

Nunca escondi que tenho uma veia audiófila, apenas condicionada pelo bom senso e obvias limitações financeiras. Mas a montante desses caprichos e manias sempre esteve um enorme gosto pela música, por uma eterna sinfonia ou efémera canção.

Canção portuguesa do principio do século XX

 

Uma graça, esta gravação rara, senão única. Era assim a "canção popular" portuguesa do "solidó" no início do século XX. Pelo rótulo assumo que a voz, por estranho que pareça, é duma moça chamada Assaltada, do Porto, com acompanhamento ao piano. O facto do disco ser de 76 voltas, é indicação de ser anterior a 1925 quando vingou "normalização" das 78 rpm's (rotações por minuto). 

Lisboa na enxurrada

 

Ao que consta, ontem, as intensas chuvas que caíram sobre Lisboa inundaram a rotunda do Marquês de Pombal, caso inédito não fosse a mal amanhada "engenharia" promovida por António Costa numa acção de propaganda barata cuja única consequência prática é o afunilamento do trânsito da Avenida da Liberdade e definitivo bloqueio ao acesso das pessoas à desertificada baixa pombalina.
Acontece que nos dias de hoje, para os milhares de lisboetas que foram atirados para os subúrbios por causa da especulação imobiliária e duma desgraçada lei de arrendamentos, uma viagem pontual para o centro da cidade em transportes públicos é mais oneroso que a utilização do transporte próprio. Ir a um teatro da baixa ou visitar um familiar naquela zona de Lisboa tornou-se um autêntico pesadelo para os “degredados” como eu. O mais irónico é que isso não acontece aos seus habitantes… pela pior das razões: estão em processo de absoluta extinção. Envelhecidos e abandonados em pequenas ilhas decrepitas, resta conformem-se com o isolamento. 

 

 

Foto: Nuno Castelo Branco

Uma efeméride e outras curiosidades

Foi justamente há 135 anos, a 6 de Dezembro de 1877 que Thomas Edison reproduziu publicamente a primeira gravação da voz humana, a sua própria voz,  recitando "Mary had a Little Lamb" poema infantil atribuído a Sarah Josepha Hale. Aproveito a efeméride para partilhar esta peça rara, uma das primeiras gravações em disco (só com um lado gravado), produzido a 1 de Fevereiro de 1908 (!) pela Victor Talking Machine, o popular tema "National Emblem March" executada pela banda filarmónica de Arthur Pryor's. Nada como uma marcha, onde que impera o pleno vigor dos metais, para que com as limitações técnicas da  época se obtivesse um bom resultado sonoro. 

 

 O reverso do disco 5576 Victor Talking Machine co.

Fraca gente faz fraco o pobre reino

“Estou inteiramente convencido de que não será possível fundar de novo uma aristocracia no mundo, mas penso que que os simples cidadãos, associando-se, podem criar no seu seio seres muito abastados, influentes e fortes, numa palavra, personalidades aristocráticas.” (...) 

“Uma associação política, industrial, comercial, ou até cientifica e literária, é como um cidadão instruído e poderoso cuja vontade não pode ser vergada e que não se consegue oprimir na sombra e que, ao defender os seus direitos pessoais contra a exigências do poder, salva as liberdades comuns.”


De Democracia na América

Alexis Tocqueville

 

 

O que pretendo hoje aqui é explanar-me sobre uma incómoda prespectiva da realidade, a proverbial indiferença dos portugueses pela “coisa pública”, fenómeno que considero, mais do que consequência da nossa indigência civilizacional, a principal causa do atoleiro em que de tempos a tempos o País se descobre mergulhado. É dessa realidade que emerge a classe política que temos, e que não é o objecto desta análise. Acontece que os meus compatriotas nutrem uma estranha repelência por qualquer tipo de cooperação ou associativismo, que não seja improvisado à mesa do café ou num almoço bem regado com os amigos, para descarregar a bílis sobre “os poderosos” que tomam as decisões por si. Tirando as reuniões de condóminos, o mais das vezes intermináveis e surreais disputas de egos, o indígena recusa liminarmente ir à luta em qualquer estrutura ou assembleia formalizada, que não seja do seu clube de futebol, cuja participação na melhor das hipóteses se ficará por umas assobiadelas das bancadas do Estádio.
É assim que, em consideração à sua opinião “muito própria” e que apenas a si diz respeito - da qual com dois copos de tinto ou umas imperiais facilmente se “alivia” - o português não entra em “comboios” (até porque estão quase sempre em greve). Em coerência com tudo isto, e por uma questão de princípio não faz parte do seu clube do bairro. Também porque conhece de ginjeira o presidente, que é o Manel de quem foi colega da Escola da Câmara, e que, metido naquela vida, nem quer saber da mulher que anda para aí toda esterlicada – confidenciou-lhe a esposa que tem um dedo que adivinha e que lhe garante não ser o senhor pessoa de fiar. O português a que me refiro até frequentou em tempos a paróquia, da qual se veio a afastar uns meses depois, quando se apercebeu ser tudo aquilo um antro de conspiradores e beatos, sempre na busca de protagonismo onde nem os pedintes safavam. Consta que no passado pagou quotas duma associação cultural; mas aquilo, tirando o Festival de Teatro e um ou outro inoportuno passeio ao Domingo (imagine-se!), não atava nem desatava, e para além disso a direcção era uma cambada de empertigados. Dos partidos nem falar, senão fica logo o caldo entornado: são todos iguais, ninhos de ladrões e oportunistas à nascença que têm aquilo tudo controlado para sacarem “o deles” – que “eu é que não sou parvo!”. Claro que quando a situação der para o torto e “eles” abusarem, se a coisa for bem apalavrada nas televisões, nos jornais e nos cafés, o português é bem capaz trocar o sofá pela Avenida da Liberdade para descarregar a raiva e a indignação que afinal faz tão bem às tripas e alivia a psique.
Mas chegados a estes prodigiosos tempos da tecnologia em que está tudo na mesma, o cidadão, senhor duma insondável quanto ancestral sabedoria, tem uma prenda caída dos céus e à sua medida: o computador e o Fecebook, um fim em si mesmo, através do qual as suas crenças e zangas traspõem finalmente a mesa do café. De facto, a tecnologia despertou aos cidadãos uma inaudita vontade participação em discussões, "grupos" e "petições" para todos os gostos e feitios. Tudo virtual: entre a colheita dumas couves no Farmville, a aceitação dum convite a um evento que nunca irá. Com o esforço dum dedo e três neurónios está criada a ilusão de participação cívica.
Enfim, nós os portugueses temos aquilo que merecemos. Incapazes de nos organizar e mobilizar, para a partir de dentro promovermos fortes e participadas estruturas intermédias, toda uma sorte de instituições e colectividades, que condicionem e contrapesem a acção de um Estado mastodôntico, refém de uns poucos mais atrevidos. Quase sempre os mesmos, com o à vontade que lhes confere a demissão de todos os outros, entretidos em casa a cuidar da sua vidinha… que afinal nos escapa entre os dedos. Dia após dia.