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João Távora

Da banalização do mal ou um estranho síndrome de estocolmo

Estou cansado que me chamem, mesmo em entrelinhas, bárbaro e retrógrado, numa indisfarçada campanha maniqueísta da nomenklatura dominante. É nesse sentido, com alguma impaciência que encontro no Expresso de hoje a notícia assinada por um tal Angel Luís de La Calle sobre o projecto da nova lei do aborto colocado em discussão pelo governo espanhol, que pleno de preconceitos, pré-juízos e moralismo se revela um autêntico artigo de opinião, onde numa selecção de recortes da imprensa internacional favorável à livre interrupção da gravidez, assevera por exemplo esta pérola de propaganda sectária “vai ser a única promessa cumprida do programa de governo com que Mariano Rajoy arrebatou o poder aos socialistas nas eleições de 2011”. Um bitaite que sem qualquer sustentação ou contraditório vale o que vale, isto é, nada. 

Tenho a confessar que admiro a coragem da direita espanhola na assunção dos princípios que defende  e com os quais se apresenta a eleições. Estou convencido que com alguns ajustamentos a nova lei poderá ser equilibrada e justa. É que eu, como milhões de portugueses e espanhóis tenho muitas dúvidas que os direitos de uma mulher se sobreponham à de um outro Ser, em formação é certo, mas já em si único e irrepetível. Como milhões de europeus, tenho profundas dúvidas de que o aborto como recurso anticoncepcional sancionado pela Lei constitua qualquer coisa minimamente parecida com “progresso civilizacional”.
Mas em tudo se vai lendo na imprensa nacional a respeito desta inédita iniciativa legislativa do PP espanhol, o que mais me espanta é a total ausência das vozes contra a corrente, que parecem ter adormecido algures em conformadas vigílias de terços e rosários. Isso é definitivamente pouco: temos muito que aprender com nuestros hermanos.

Coon songs

Designa-se como "Coon Songs" um género musical cómico popularizado nos Estados Unidos da América nas últimas décadas do século XIX e caído em desuso no princípio do século XX, quando o seu pendor racista começou a ser malvisto. Extraídos dos espectáculos de Music Hall eram temas interpretados por artistas brancos pintados de preto, imitando o dialecto dos negros em que se explorava os seus estereótipos (ignorância, indolência ou até desonestidade), em caricaturas por vezes cruéis um pouco como as que são utilizadas nas anedotas de alentejanos em Portugal, sobre os portugueses no Brasil ou sobre os irlandeses na Inglaterra. As "Coon Songs" tinham o objectivo de ser engraçadas e quase sempre usavam os ritmos sincopados do ragtime, género originário das comunidades musicais Afro-Americanas que antecede o Jazz. 

"Bake dat chicken pie" que partilho aqui em baixo é uma canção de Arthur Collins & Byron Harlan um dueto cómico popularizado entre 1903 e 1926 através dos palcos e da indústria fonográfica que emergia à época sob o formato de cilindros para fonógrafos e discos para gramofones. Para além de muitos standards de ragtime, o duo Collins & Harlan celebrizou-se com a interpretação deste género musical e são reconhecidamente dos grandes iniciadores daquilo a que hoje chamamos "música pop", difundida em curtas gravações de dois ou três minutos de êxitos consensuais. 

Muitos destes temas foram recuperados dos antigos suportes e digitalizados no Youtube, onde a ressalva “for historical purposes only” é um curioso sinal dos tempos.  

 

A revolução do Papa Francisco

 

Brasão do Papa Francisco

 

O Papa Francisco ter sido eleito a personalidade do ano pela revista Time é um facto que me enche de profunda alegria e que aproveito para aqui partilhar umas linhas sobre o fenómeno de popularidade que vem marcando os primeiros meses do seu pontificado. Estou em crer que a principal característica com que o Príncipe da Igreja de forma surpreendente vem encantando o mundo cristão e não cristão é, para além da óptica “política” da sua proveniência de fora da Europa, a afectividade e alegria que a sua comunicação transmite, tanto mais que esta Igreja Católica (universal) é a mesma de sempre com os seus sólidos dogmas e princípios, assim como as fragilidades que comporta uma realização de dois mil anos, de inspiração divina mas profundamente humana. Ou seja, o fenómeno procede não tanto da substância mas de questões de forma, prisma com que, para o bem e para o mal, sempre se produzem resultados mais imediatos em termos de popularidade: o Papa tem um carisma especial, com o qual vem fazendo passar uma mensagem de esperança nestes tempos de férrea crise. 
Nesse sentido há uma singela e comovente história que circula nos meios católicos que reflecte bem não só a boa índole do Papa Francisco mas que também servirá porventura para a gestão de expectativas daqueles que julgam encontrar uma revolução em cada seu gesto. Sendo as residências de Jorge Bergoglio e Joseph Ratzinger vizinhas no Vaticano é do conhecimento público que os dois Papas se encontram com alguma regularidade e que certamente trocarão impressões sobre as mais variados assuntos. Ora, conta-se que uma certa manhã na Casa de Santa Marta verificando-se um inopinado atraso de Sua Santidade para o pequeno-almoço, em vão o procurava o seu Staff por todos os recantos e proximidades do edifício num crescendo de preocupação. Eis senão que o Papa Francisco surge apressado para retomar a sua refeição matinal e o incidente explica-se: tinha ido levar ao mosteiro Mater Ecclesiae nos jardins do Vaticano, a Bento XVI, os célebres croissants da Casa de Santa Marta que lhe estavam destinados. Ao que consta, ainda quentes. Esta é a revolução inspirada em Cristo que afinal hoje como há dois mil anos os Cristãos estão desafiados a realizar dentro de si. Para o Outro. 

Deus o tenha na sua infinita misericórdia

Tenho um amigo que vivendo e trabalhando no meio dos livros, chegado à maturidade (um prodígio que infelizmente não acontece a todos e aos outros surge quase sempre tarde de mais), às tantas confrontado com uma incomensurável lista de obras-primas ainda por ler, decidiu numa sábia atitude de economia de recursos, só se dedicar àquelas que tivessem resistido mais de cem anos no escaparate da erudição humana. É também por amor à verdade que o estudo da História, ciência que tem como objecto o homem no tempo (e não a propaganda política) obriga o historiador a um considerável distanciamento temporal face ao acontecimento em análise. 

Não sendo historiador nem tendo a ambição do meu amigo, mesmo assim também eu venho tentando escapar à gigantesca vaga de panegíricos dedicados à sublimação de Nelson Mandela em intermináveis suplementos de jornal, com beatíficos editoriais, encomiásticos artigos, rubricas e programas. Toda esta ensurdecedora campanha ecoa em tudo o que é jornais, revistas, televisões e redes sociais, surge num tão ingénuo quanto inquietante unanimismo, que no mínimo deveria remeter qualquer mente emancipada para uma atitude de profunda desconfiança. Mas não. Não haverá muitas por estes dias, facto que reforça a pertinência da citação de Chesterton por Henrique Raposo “quando não acredita em Deus, o homem tende a acreditar em tudo”.
Depois, no que respeita ao racismo, uma enfermidade social que me incomoda de sobremaneira, deixem-me que partilhe aqui uma impressão minha muito pouco científica, a de que no Ocidente do século XX, para as mentes mais tacanhas, o mais decisivo papel na desconstrução do anátema contra os negros, terá sido afinal o do Jazz, no Rock n' Roll e Hollywood. O capitalismo, portanto. Devagar, demasiado devagarinho, bem sei. 

 

Presentes de Natal


No Natal, oferecer um presente a alguém - de quem nos desejamos aproximar ou simplesmente homenagear - será sempre com toda a certeza uma atitude de uma enorme dignidade. É nesta perspectiva que durante este mês promovo um desconto de 40% na compra online do meu Livro Liberdade 232, aqui:http://www.liberdade232.com/

Salvé maravilha

 

Por aqui andam diabinhos à solta
Com corninhos e rabinhos e falinhas de paraíso
Por aqui andam bruxinhas em volta
Esvoaçando cavalgando em vassourinhas sem juízo*

 

Temos que entender a força inovadora da Banda do Casaco no contexto duma época em que qualquer modo de expressão artística que não contivesse uma mensagem política (de esquerda, claro) estava votada à quase clandestinidade, à mais completa irrelevância artística. Ora é por ocasião da (tardia) reedição da sua discografia que esta mítica banda de música inclassificável (miscelânea de pop, jazz, experimental, étnica) fundada por António Pinho e Nuno Rodrigues, nas últimas semanas emerge da invisibilidade e vem granjeando um mais que merecido reconhecimento por tudo o que é jornal e revista mainstream nacional. Foi neste surpreendente projecto musical que se lançaram as sensuais vozes de Né Ladeiras e Gabriela Schaff, onde que pontificaram músicos de excepção como António Emiliano, Carlos Zíngaro, Celso Carvalho, ou até Jerry Marotta, baterista da banda de Peter Gabriel no final dos anos 70. O certo é que quem tenha nascido em Portugal nos últimos trinta anos até há uns meses simplesmente não daria conta da existência da Banda do Casaco cuja obra parecia enterrada num completo esquecimento. 

Pela minha parte estou convencido de que, assim como a grande revolução libertadora do jornalismo em Portugal despontou nos anos oitenta com o semanário "O Independente", o mesmo fenómeno que se deu na música popular na mesma década, em grande parte se deve à Banda do Casaco, cujo reportório bem merece ser conhecido e aproveitado pelas novas gerações.

 

País Porugal (António Pinho)

Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos - 1977