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João Távora

A cultura de direita em Portugal - uma visão marginal

 

“Nos séculos de descrença é sempre de recear que os homens se entreguem constantemente ao acaso diário dos seus desejos e que renunciando  completamente a obter aquilo que só pode ser conquistado à custa de longos esforços, não venham a fundar nada de grandioso, pacífico e duradouro.”

Alexis Tocqueville

Da Democracia na América 

 

No contexto do politicamente correcto instituído, um político, um escritor, um jornalista, um músico que se assuma como católico, se não for "contestatário", por mais imaculadamente “democrático” que seja o seu curriculum, se não guardar a sua Fé para o âmbito estritamente privado (que no que concerne ao cristianismo é uma contradição de termos) tenderá a ser depreciado e ostracizado com epítetos de “ultramontano”, como se ostentasse lepra. 
Apesar de já terem morrido quase todos os católicos acossados pela 1ª republica e rendidos a Salazar, o seu fantasma permanecerá como rótulo discriminatório alimentando a fantasia dos robespierrezinhos que pastoreiam esta deslumbrante modernidade. Do mal, o menos: tolerada e desejosa de reconhecimento à Esquerda, resiste uma direita profana, liberal e cosmopolita (?), que quando confrontada com a dura realidade dos factos, salvo honrosas excepções, de cedência em cedência capitula, agarrada a umas quantas referências históricas e literárias, sem obra digna de nota nesta apagada e vil tristeza em que o País se dilui.
Como nos demonstram os excepcionais casos de tardio reconhecimento público, nesta ordem de razões um católico bom só é possível quando está morto. Entretanto quase quarenta anos depois do Cardeal Cerejeira a incontestável decadência da Nação acentua-se num plano cada vez mais inclinado – e a culpa desta vez não é nossa. 

 

 

A praxe e a tragédia do Meco

A exploração mediática da macabra tragédia do Meco ocorrida em Dezembro que ceifou a vida a seis jovens da universidade Lusófona trouxe para a ordem do dia a velha bandeira anti praxes, tradição das esquerdas academistas, que afinal não é mais que uma sua caprichosa exibição de moralismo serôdio. Se é verdade que tudo o que é tradição não é automaticamente bom, também não vislumbro uma perversão intrínseca no costume das praxes, ritual de integração grupal de comprovada eficiência com raízes profundas na Universidade de Coimbra, que como em qualquer prática humana pode degenerar em excessos – nenhum indivíduo poderá ser sujeito a tais jogos contra sua vontade. Até prova em contrário nada indica que algo parecido tenha sido a causa do fatídico evento. Finalmente, admitindo que a adolescência é um estágio algo imbecil da existência, posso-vos assegurar que de nada nos serve   proibi-la. 

Este unânime coro persecutório a que hoje assistimos pretendendo atribuir a responsabilidade da desgraça à malvadez das praxes (ou à falta de vigilância das praias o ano inteiro como a certa altura apareceu sugerido num jornal diário), incorre num erro de viciosa ingenuidade, como se o destino humano pudesse ser preventivamente manobrado por legislação. Tal como querer discutir tão lúgubre tragédia à luz da decadência do ensino universitário ou duma pretensa degenerescência das novas gerações académicas, procede dum profundo equívoco que desrespeita acima de tudo a memória das vítimas. Pretender aliviar a indignação e fugir à dor alimentando um qualquer bode expiatório é como ceder a uma superstição na linha da ancestral caça às bruxas.

 

 

O centro

A recente concessão do socialista François Hollande ao capitalismo tem um curioso paralelo no “brutal aumento de impostos“ que marcará de forma indelével a legislatura do liberal Passos Coelho: em ambos os casos a ideologia foi trucidada pela fatal realidade, a que se usa chamar "o centro”.

Trash pack, ou chafurdar no lixo

Acompanhar as novidades tecnológicas, modas e mentalidades, é pela vida fora, um duro desafio que os nossos filhos não nos poupam, instigando-nos, extremosos paizinhos, a nos manter atentos e desinstalados. Ora acontece que a mais recente moda que seduz a pequenada é para mim absolutamente espantosa: falo-vos dos Trash packs, uma interminável colecção de pequenos bonecos de borracha gelatinosa, representando toda a sorte de imundícies, dejectos e bichezas que vivem num caixote de lixo. Com olhos e boca, estas assombrosas figuras com cerca de dois centímetros são vendidos aos pares dentro de minúsculos caixotes de lixo de plástico “surpresa” que custam quase cinco euros cada. Ao que julgo perceber a moda pegou fanática em alguns meios e países, para tal contribuindo as centenas de variedades Trashies que se organizam em diferentes “gangs”, como o de comida podre, insectos, embalagens etc., disponibilizando o fabricante “edições limitadas” sendo a mais rara uma espécie que brilha no escuro. Numa consulta de internet, ficamos a saber que “a série” está difundida em jogos electrónicos, desenhos animados, cromos coleccionáveis e banda desenhada.
Na sequência da revolução juvenil “Sexo, Drogas e Rock n’ roll” encetada pela minha geração, já nos tínhamos apercebido que poucas barreiras estéticas seriam poupadas pela adolescentocracia instaurada. É assim que temos que aceitar com naturalidade que enquanto a generalidade desses que são hoje paizinhos se habituaram a consumir com gáudio tanto horror e vulgaridade, os seus filhos sejam atraídos pelo fascinante microcosmos que é um contendor de lixo orgânico. Porque não?

 

 

O combate como serviço

Na sequência do congresso do CDS do passado fim-de-semana em Oliveira do Bairro em que o grupo em que participo, emergiu decisivamente da sombra mediática, venho recebendo por correio electrónico ou através das redes sociais inúmeras mensagens de alento e de simpatia de quantos não se conformam em perder a esperança. Ora acontece que tais mensagens não têm qualquer efeito prático se a essa adesão não corresponder uma participação concreta na vida partidária, pois que nas actuais circunstâncias é através dos partidos que se decide o rumo político do País.
Como quem me conhece sabe, para além de monárquico, sou adepto da democracia representativa parlamentar, um sistema legislativo de decisão colegial que resulta mais racional e salvaguarda com mais eficácia o bem comum das paixões e interesses individuais ou de circunstância. Sendo certo que não existem regimes perfeitos, e perante a evidente urgência dum aperfeiçoamento do nosso, também salta à vista como essa é a desculpa de mau pagador que justifica o desinteresse de muitas pessoas na participação cívica, fruto quem sabe, duma enraizada tradição filosófica latina do “tudo ou nada” e do “não entro em comboios” se não for para ir no gabinete do maquinista.
O grande fracasso duma pessoa é a cedência à amargura, sentimento impróprio de um católico ciente da herança de Cristo que encarna. A amargura é a ausência de Fé, a corrosão lenta da alma desistente, o inferno feito vida, conformada à impotência que essa sim é a verdadeira morte. É nesse sentido que urge escutar a exortação do Papa Francisco feita há uns meses para que os cristãos se envolvam na política, considerando-a serviço, uma forma de caridade, sugerindo que o pouco empenho dos cristãos talvez seja uma causa da má reputação das organizações políticas. "É muito fácil culpar os outros", foram as suas palavras.
Porque a História não pára e é produzida por todos nós e cada um: a cada passo e direcção escolhida, dependente de cada decisão tomada por cada protagonista do seu tempo a cada momento. É entre a nossa atitude de desistência, iniciativa e participação que se decide o Portugal que hoje nos cabe em sorte. Perante as contrariedades, de nada servem amuos ou intestinas cóleras, sempre contra entidades convenientemente tão obscuras quanto abstractas e inatingíveis, que a montante do nosso penoso destino terreno vêm desde tempos imemoriais conspirando contra a instauração do céu na terra. Não, isso tudo somos mesmo nós e as nossas escolhas. Ou a ausência delas, a concessão ao malogro, a definitiva assunção da impotência perante a realidade feita amálgama, diabólica teoria da conspiração, como convém à consciência de um instalado comodista, para amargurado poder viver a vida pela televisão e nela intervir pelo Facebook, expressando enfurecidos estados d’alma.
A coisa é simples: se se tem verdadeiramente ideais e acredita que é possível fazer melhor, ou se atiram os egos e outras misérias para trás das costas e se vai à luta, seja pela a reforma do sistema político, da transparência nos negócios, pelos valores da vida e da dignidade do ser humano; ou outros com diferentes intenções o farão no nosso lugar.
Hoje como noutras eras difíceis da sua história (e onde estão as fáceis?) urge regenerar Portugal com o empenho de gente generosa que acredite que a sua contribuição faz a diferença. Gente que sem precisar de viver da política, não receie nela se envolver a combater por um modelo de sociedade respirável por todos, uma Pátria habitável para os seus filhos nela poderem viver, se possível melhor do que nós. 

Ingratidão

Os miúdos pequenos só não nos contam tudo porque não se sabem expressar. Quando crescem e aprendem, se lhes for possível não nos contam nada.

 

O Eusébio é de todos

Umas palavras sobre Eusébio, não tanto o grande homem que genialmente goleou o destino, mas o mito que nesta hora de luto o País inteiro celebra em comoção unanime. Ao contrário do que acontece com os adversários em convicções ou valores, cujo triunfo constitui sempre uma ameaça aquilo que cada lado acredita, no âmbito da competição desportiva que se rege na esfera do simbólico, este constitui um precioso elemento de valorização do opositor. Se é verdadeiro que a grandeza do Benfica nunca teria sido a mesma se não fosse Eusébio, o mesmo fenómeno sucedeu aos seus rivais, cuja dramaticidade das suas derrotas e vitórias valorizaram-se nessa medida. Veja-se o papel de engrandecimento mutuo que assumiu a rivalidade entre Vitor Damas e de Eusébio, fenómeno extensível aos dois clubes por si representados nos anos sessenta e setenta, o Benfica e o Sporting. O que seria do prestígio de cada um se não fosse o outro? Ou de como a amargura das derrotas é inversamente proporcional às alegrias nas vitórias, que por sua vez são proporcionais ao inconfessável reconhecimento do valor do adversário. Que interesse teria um desafio entre o Benfica e o Porto como o que se realizará no próximo fim-de-semana se não estivesse implícito por ambos o reconhecimento da grandeza do outro?
É nesta perspectiva que o mito de Eusébio extravasa definitivamente a camisola que circunstancialmente envergou e aprendeu a venerar: a sua passagem pelos relvados nacionais, pelas vitórias e derrotas infligidas, dignificou e promoveu os adversários tanto quanto o seu próprio clube. Por tudo isto a genialidade de Eusébio é património de todos nós. E se querem saber, suspeito que ontem o reencontro de Eusébio com Damas junto do Altíssimo tenha sido um momento de enorme júbilo, que quem sabe ainda resultará numas emocionantes jogatanas de bola, lá onde quer que estejam agora.