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João Távora

Continuidade e tradição como garantia de progresso

A tradição e a cultura (língua e obras) são os alicerces duma nação corporizada por um povo que a herda, administra e projecta para o futuro. O príncipe, como primus inter pares, encarna os desejos e expectativas da comunidade que representa e de que procede. Estamos no domínio da metapolítica que nos concede superar uma concepção meramente administrativa ou aritmética da coisa pública. E repare-se como não ficamos obrigatoriamente amarrados a uma simples questão de fé: para os não crentes numa ordem transcendente, a questão pode ser perspectivada no âmbito da simbologia, dimensão fundamental para a sustentação de um tácito contrato comunitário, a encarnação de uma realidade abstracta, a que se confere assim a harmonia necessária à adesão emotiva.

No que diz respeito à perspectiva estritamente política, nunca é de mais relembrar que a chefia hereditária do Estado, que maioritariamente subsiste legitimada pela história nos países europeus mais desenvolvidos, é um factor de equilíbrio e de religação nacional, último reduto da unidade identitária e dos valores perenes do ideal comum, sempre ameaçados pela mecânica democrática, cujo exercício por natureza exacerba a luta faccionária, compele à desagregação e à descrença por via da erosão de uma conflitualidade permanente, através da rivalidade e conflito entre partidos, grupos de interesses, económicos, profissionais ou estéticos.

É pois motivo de júbilo para os portugueses assinalar-se a maioridade de S.A.R. o senhor D. Afonso, príncipe da Beira, digno representante, com seu pai, de toda a nação portuguesa. As celebrações iniciam-se hoje dia 25 de Março com uma missa de acção de graças na Igreja da Encarnação (ao Chiado). Trata-se da comemoração da promessa da continuidade na direcção dos nossos filhos e netos, duma noção de pátria que é acima de tudo espaço, tempo e uma alma enorme de 900 anos.

 

Publicado originalmente no jornal i

Um enorme sorriso de Deus

 

Foi na discrição com que habitualmente acontecem os milagres mais decisivos das vidas das pessoas, que se deu este episódio na sexta-feira passada, na plataforma da estação de Entrecampos, a poucos minutos da chegada do comboio Fertagus das 10:30 - Sarita, cabo-verdiana de 23 anos estudante residente na margem sul, assiste aterrorizada à queda na linha de um carrinho com um bebé lá dentro, inadvertidamente empurrado pelo irmão de quatro anos, enquanto a mãe de ambos, alheada, lutava com a máquina de venda de bebidas. Perante uma estação quase deserta, a cerca de quatro minutos da chegada do comboio, Sarita encheu-se de coragem e precipitou-se para a linha, de onde conseguiu a custo resgatar o bebé. Mas a jovem não ganhou para o susto, tanto mais que só após várias tentativas e socorrida por um passageiro entretanto chegado se conseguiu elevar para a plataforma, pondo-se a salvo a poucos segundos da chegada do comboio. 
Sem parangonas nos jornais, medalha de mérito ou outro reconhecimento que não seja o dos que testemunharam este pavoroso susto, ou quem a conhecendo bem, ouviu da sua boca trémula pela emoção o milagre por si vivido, esta jovem junta-se ao clube dos grandes heróis, que nos fazem sentir orgulho da nossa divina natureza. Com um enorme sorriso de Deus. 

 

* Titulo roubado ao meu homónimo e correligionário João Afonso Machado 

Até parece que estão a gozar

É irónico como no dia a seguir a Cavaco Silva ter proclamado que um consenso entre as forças politicas teria repercussões na redução dos juros da dívida, surja um manifesto assinado por 70 “notáveis”, que junta gente como o trotskista Francisco Louçã a Manuela Ferreira Leite, ou Freitas do Amaral a Carvalho da Silva, num coro unânime a apelar à restruturação da dívida “mesmo a contragosto da Alemanha”, o mesmo é dizer “a contragosto dos nossos credores”. Parece gozação.
Curioso é que este apelo, feito a dois meses do final do severo programa de resgate que os portugueses vêm cumprindo com língua de palmo, provenha desta improvável salganhada de personalidades, como são o ex-ministro das Obras Públicas "pai das SCUT" (que se pagavam a si mesmas) João Cravinho, um ministro da economia de António Guterres, Luís Braga da Cruz; um ministro das finanças do governo de Santana Lopes, Bagão Félix; ou Ferro Rodrigues também ele ex ministro das Obras Públicas de Guterres, gente que tem em comum uma quota de responsabilidade pelos sucessivos falhanços nas propaladas "políticas de crescimento" que nos trouxeram a este vexatório destino.
Creio ser inevitável que os nossos credores (os alemães e os outros) um dia se disponham a negociar com o governo português uma reestruturação da dívida. Mas não será certamente agora e muito menos “a contragosto”. Porque a primeira condição será a de que se finalize o programa de ajustamento; e a segunda, que as forças políticas responsáveis pela sempre adiada reforma do Estado e pela não menos dolorosa mudança do modelo de desenvolvimento, mostrem que têm juízo. Pelo presente panorama, não se augura nada de bom.  

All you need is love?

Antes de mais deixem-me que vos diga que nutro um bastante cepticismo nas tão propaladas políticas de incentivo à natalidade. Como o comprovam as estatísticas nos restantes países europeus, não creio que a solução para o inverno demográfico resida em mais ou menos substanciais apoios fiscais ou outras medidas de discriminação positiva para os casais com mais filhos. Para além de intrinsecamente justos, não produzem significativas alterações a uma realidade com tão profundas raízes culturais.
Irónico é como a “revolução demográfica” (enorme aumento da natalidade e longevidade) ocorrida na Europa entre os Séc. XVIII e XIX com origem no desenvolvimento da agricultura, numa melhor alimentação e nos avanços da medicina, tenham confluído no desenvolvimento socioeconómico e científico que por sua vez proporcionaram nos anos sessenta do século passado a descoberta da pilula contraceptiva. Esse prodígio da ciência vem resultar numa travagem a fundo no baby boom do pós-guerra e é, no final de contas, a génese da crise demográfica com que nos debatemos por estes dias e se confunde com a decadência do nosso modelo de sociedade. Paralelamente, este fenómeno é o culminar dum longo e continuado processo de emancipação feminina, em que a mulher vê finalmente a sua sexualidade “liberta” do cativeiro da maternidade, do estatuto de mãe, que nos nossos tempos perde progressivamente prestígio, adquirindo até uma conotação negativa entre as elites dominantes. Ora o problema é que, com a água do banho, literalmente despejou-se o bebé pela janela fora da nossa civilização. 
É por essa via que nos vemos chegados ao modelo cultural marcadamente estéril da actualidade, da cosmopolita e próspera família monoparental e do filho único, integrado numa cultura hedonista e securitária em que qualquer prenúncio de imprevisibilidade é ameaça, e nesse sentido vai ganhando contornos eugenistas. Somos todos mais felizes?
Perante o atrás descrito, estou convicto a solução da crise demográfica exige uma revolução, no sentido etimológico de retorno ao ponto de partida: aos valores que recuperem os ancestrais modelos de organização familiar e a consequente devolução do prestígio da maternidade como realização do Amor pleno, inteiro. A defesa duma ecologia que devolva o apreço pelos sinais da natureza, mas desta vez humana, dos seus ciclos e impulsos biológicos, naturais e legítimos; enfim que exalte a dignidade e honorabilidade de uma família grande em generosidade. A resolução do problema demográfico está afinal na reabilitação do… Amor.  
Estas linhas não servem para fazer qualquer juízo sobre os princípios ou circunstâncias que presidem as escolhas de cada indivíduo ou casal – se assim fosse elas constituíam em certa medida um exercício de autocrítica. Por certo que o facto de ter muitos, poucos ou nenhuns filhos não qualifica à partida uma mulher ou um casal. Mas nestes nossos tempos ninguém deveria sentir-se melindrado por se propagandear, bem-dizer e abençoar as famílias grandes…

Crescei e multiplicai-vos

 

É em modo de conversa de café que me imiscuo nesta civilizada discussão entre a Maria João Marques e a Daniela Silva no blogue Insurgente sobre a virtude das famílias numerosas com origem neste artigo do Henrique Raposo. Para tal, parto duma percepção que intuo com clareza, que resulta num profundo cepticismo nas famigeradas políticas de incentivo à natalidade. Não creio que mais ou menos substanciais apoios fiscais ou outras medidas de discriminação positiva para os casais com mais filhos, para além de intrinsecamente justos, produzam significativas alterações a uma realidade com tão profundas raízes culturais. Tal como não é possível imobilizar a marcha de um longo e pesado comboio em cinquenta metros, vai demorar muito tempo a travar o inverno demográfico que vai alastrando pelo ocidente judaico-cristão. 
Irónico é como a “revolução demográfica” (enorme aumento da natalidade e longevidade) ocorrida na Europa entre os Séc. XVIII e XIX com origem no desenvolvimento da agricultura, numa melhor alimentação e nos avanços da medicina, tenham confluído no desenvolvimento socioeconómico e científico que por sua vez proporcionaram nos anos sessenta do século passado a descoberta da pilula contraceptiva. Esse prodígio da ciência vem resultar numa travagem a fundo no baby boom do pós-guerra e é, no final de contas, a génese da crise demográfica com que nos debatemos por estes dias e se confunde com a decadência do nosso modelo de sociedade. Paralelamente, este fenómeno é o culminar dum longo e continuado processo de emancipação feminina, em que a mulher vê finalmente a sua sexualidade “liberta” do cativeiro da maternidade, do estatuto de mãe, que nos nossos tempos perde progressivamente prestígio, adquirindo até uma conotação negativa entre as elites dominantes. Ora o problema é que, com a água do banho, literalmente despejou-se o bebé pela janela fora da nossa civilização.
É por essa via que nos vemos chegados ao modelo cultural marcadamente estéril da actualidade, da cosmopolita e próspera família monoparental e do filho único, integrado numa cultura hedonista e securitária em que qualquer prenúncio de imprevisibilidade é ameaça, e nesse sentido vai ganhando contornos eugenistas. Somos todos mais felizes?
Perante o atrás descrito, estou convicto que para a solução da crise demográfica urge uma revolução cultural, no seu sentido etimológico de retorno ao ponto de partida: a valores que recuperem os ancestrais modelos de organização familiar e a consequente devolução do prestígio da maternidade como realização do Amor pleno, inteiro. A defesa duma ecologia que devolva o apreço pelos sinais da natureza, mas desta vez humana, dos seus ciclos e impulsos biológicos, naturais e legítimos; enfim que exalte a dignidade e honorabilidade de uma família grande em generosidade.
Nesse sentido urge uma radical e continuada acção de Relações Públicas que contrabalance a estigma vigente, que esta pequena história é exemplo: após o nascimento do seu quinto filho uma parente minha foi abordada na maternidade pela enfermeira de serviço que ao constatar o seu histórico de maternidade, desabafou em tom de desdém qualquer coisa como “Nossa, isso é coisa de negro”.
Estas linhas não servem para fazer qualquer juízo sobre os princípios ou circunstâncias que presidem as escolhas de cada indivíduo ou casal – se assim fosse elas constituíam em certa medida um exercício de autocrítica. Por certo que o facto de ter muitos, poucos ou nenhuns filhos não qualifica à partida uma mulher ou um casal. O problema é que até a corroboração dessa neutralidade está longe de vigorar na estética vigente. Por tudo isto, nos nossos tempos são de bem-dizer e abençoar as famílias grandes, Maria João.