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João Távora

Votar no Domingo

Sem ter a veleidade de pensar que influencio o voto de quem quer que seja, considero importante assumir nesta hora que, apesar da minha desilusão do modo como a coligação PSD/CDS resgatou o País duma situação falência - grosso modo através do aumento dos impostos, uma fórmula que pouco se diferenciaria do método socialista - por ser incapaz de beneficiar o infractor e tendo em conta que o que está em causa é a qualidade de candidatos e o grupo em que eles se irão inserir no Parlamento Europeu, no dia 25 irei votar na coligação Aliança Portugal. Não sendo eu um partidário da federalização europeia, reconhecendo também o prejuízo e a submissão a que nos obrigou a adopção do Euro, sou obrigado a admitir que a inversão dessa estratégia, por nossa exclusiva recriação e na actual conjuntura, nos conduziria a uma funesta tragédia. 
De resto, não é sem alguma amargura que vos digo sem papas na língua que a forma como os portugueses encaram as eleições no próximo domingo é reflexo do exacto atributo que leva uns quantos maduros a aplaudir à porta do tribunal um assassino porque escapou à polícia durante um mês. É dessa total inversão dos valores que urge resgatar Portugal.

Do ódio

No outro dia em conversa com a minha filha de 13 anos tentava contrariar a sua ingenuidade maniqueísta explicando-lhe a complexidade das múltiplas interacções de mais ou menos legítimos interesses e motivações que tantas vezes conduzem o ser humano à mais cruel violência e à guerra fratricida. Na altura ainda não tinha visto este vídeo lançado pelos Mão Morta de Adolfo Luxúria Cabral que vem corroborar a ideia da minha filha: é verdade que o ódio circula livremente da forma mais primária, personificada em seres de trevas, à espreita da possibilidade de se manifestar em forma de enorme tragédia. Não sei se isto é legal ou ilegal, mas do que estou certo é que não é poesia nem arte, é apenas um exemplo de patológico exibicionismo e pura malvadez.  

O Observador e o Expresso

Estas últimas semanas foram agitadas no universo da imprensa portuguesa que, como no resto do mundo desenvolvido evidencia uma tão prolongada quanto funesta inadaptação a um novo modelo de consumo de informação emergente da Internet. O anúncio do lançamento do projecto Observador, um jornal de linha editorial definida, integrando um corpo redactorial com nomes consagrados do jornalismo e da opinião como David Dinis, José Manuel Fernandes, Helena Matos, João Cândido da Silva, ou o historiador Rui Ramos, terá acelerado o processo de renovação no projecto digital do jornal Expresso que perante isso se antecipou não só com o lançamento de um inédito vespertino online, mas, last but not the least, ostentando grandes melhorias na navegabilidade, arrumação e adaptabilidade gráfica aos diferentes suportes electrónicos móveis. 
Assim, ao atrevimento do Observador, publicação que se assume como um projecto jornalístico online de conteúdos inteiramente abertos e interactivos com o leitor e as redes sociais, corresponde uma não menos audaciosa aposta do Expresso num modelo de sinal contrário, de acesso pago e num formato de leitura horizontal, reproduzindo uma experiência de leitura à maneira do papel. Munidos que estão, ambos os projectos, de um equipa editorial de grande qualidade, têm pela frente um difícil desafio de afirmação, se não perante os respectivos públicos, certamente pelos anunciantes e patrocinadores único garante da sua viabilidade a longo prazo. Nesse sentido custa-me a entender o modelo algo conservador assumido pelo Expresso, em confonto assumido com o incontornável poder disseminador das redes sociais e plataformas de auto-edição, e também pela assunção de um estranho formato de “vespertino” com horário de publicação à hora certa (às 18:00) claramente contranatura numa plataforma cujo potencial é a actualização contínua de conteúdos em tempo real. Ou seja, este modelo de negócio dá ideia da contrariedade que representa para o velho e institucional jornal Expresso o esforço de adaptação à era da democracia digital que afinal se suporta na agilidade dos meios e na interactividade com o leitor. No entanto estou em crer que é esse distintivo “aristocrático” que lhe vale um público certo, as elites regimentais, quadros médios e superiores do Estado, das grandes corporações e empresas que à volta dele gravitam: o jornal de Balsemão afirmou-se após o 25 de Abril como a bíblia do establishment da esquerda social-democrata e politicamente correcta cujo espaço afinal todos os outros generalistas lhe disputam. 
Sob essa perspectiva é que o Observador nos surge como uma verdadeira pedrada no charco, um autêntico atrevimento: mesmo munido da melhor tecnologia, reunida uma bem calibrada equipa, um projecto editorial criado de raiz para a Internet, financiamento transparente e linha política sem equívocos; mesmo exibindo tudo isso e bons conteúdos num desenho elegante e ergonómico, tendo em conta um público habituado a exigir qualidade à borla e um mercado publicitário desajustado, é de esperar para o projecto de José Manuel Fernandes um duro caminho de pedras. 

 

PS.

Muito inteligente a fórmula escolhida para a “newsletter” de O Observador: duas vezes por dia em texto normal, sem poluição visual, entra na caixa do correio como se tratasse de uma mensagem particular, aborda os principais temas publicados nas últimas horas numa linguagem informal e assinada pelo redactor de serviço.

 

Publicado originlmente aqui

E depois do adeus?

O problema é que o sucesso do resgate português deixou um rasto de destruição no que restava da reputação do regime e das suas instituições. E para ganhar um balão de oxigénio o regime necessita da imolação dum cordeiro, leia-se dos executantes do programa da Troika: o pouco provável descalabro da Aliança Portugal nas eleições europeias. Um fenómeno explicável pelo o vazio estético e mediocridade intelectual que reflectem os movimentos e protagonistas alternativos, que não conseguem aproveitar a fragilidade das instituições e do modelo partidário agonizante. É do seu interior que, numa despudorada cacofonia esquizofrénica, surgem as vozes das desgastadas elites que por mais que estrebuchem não conseguem emergir da lama – Capuchos, Marcelos e quejandos - mais do mesmo como é fácil concluir. Dado como certo, é a crise moral que emergiu do ajustamento financeiro que se apresenta como uma oportunidade de remissão. Para uma profunda reforma do regime, que tarda. 

O que é o amor, afinal?

 Casamento - Foto Instagram minha

 

Sobre o Amor romântico sei dizer pouco: ao fim de quase 50 anos de leituras, os testemunhos dos poetas deixam-me sem palavras. Sobre o casamento acho que já sei alguma coisa. Que ninguém está tão pouco casado quanto um par de noivos à saída da Igreja - falta ainda tudo. Que é construção, é civilização, e por isso não é relativo aos apetites de cada individuo.  Sei que o amor ajuda, mas precisa resistir às suas próprias sombras. Que é racionalidade, arte e projecto: eu estou aqui e quero chegar ali, àquela finalidade àquele final feliz. O Criar os filhos, sim. Dar-lhes educação. Construir uma casa. Partilhar um legado, ajudá-los a crescer, moldar-lhes as almas com boas memórias. Ter uma companhia, uma testemunha privilegiada de cada passo da existência de cada um. Alguém com quem escrever uma história. Alguém a quem ler histórias. Alguém com quem dormimos. E que dizer extraordinária cumplicidade de adormecer ao lado de alguém? Pode isso ser banal? 
Tive um amigo que até aos trinta e poucos anos já tinha casado quatro vezes - não sei se verdadeiramente chegou a adormecer com alguma delas. Na altura testemunhei a sincera paixão e entusiasmo com que ele seduzia a quinta noiva, de quem como é óbvio, dois anos depois se estava a divorciar – a pobre ficou um destroço. Era obrigatório casar? Não. Suspeito que o Amor romântico é egoísta, é auto-contentamento e ganâncioso, tem pouco a ver com Casamento que é fazer família. Suspeito que perder uma tarde de Sábado com a mulher na Baixa à procura de um candeeiro ideal para montar naquele canto da sala para onde parece ter sido projectado de propósito, vale tanto ou mais quanto uma noite num hotel romântico. Desconfio que a biblioteca que marido e mulher constroem, tem o dom duma bênção divina – não separe o homem aquilo que Deus uniu. Assim como o grupo de catequese de casais que religiosamente os dois frequentam todos os meses, há anos e anos a fio, e onde resiste um viúvo com uma cadeira de lembranças e saudade ao seu lado. Suspeito que muita gente achará esta perspectiva muito romântica. Que afinal me refiro ao Amor. Que isto não é possível sem amor. Ora, se tudo o que refiro não são histórias de amor, o amor não existe.

Conchita Wurst

 

Tempos houve que a mulher portuguesa vestida de preto com bigode e pelos no queixo representava o atraso civilizacional do nosso País. Era por essa obscura época que todos os anos numa noite de Maio Portugal inteiro suspendia a respiração em frente ao televisor para assistir ao Festival da Eurovisão, na esperança que o seu representante a bater-se com a Europa elegante não ficasse em último lugar - diga-se de passagem que a Simone de Oliveira nem ía nada mal.

Ironia do destino - após décadas de globalização pop, cinema americano e publicidade a cremes franceses, terem metamorfoseado a lusa fácies feminina nas mais cândidas carinhas-larocas - vinda da sofisticada e melómana Áustria uma figura feminina, Conchita Wurst, arrebata a Europa das cantigas e ganha o Festival Eurovisão, exibindo uma densa pilosidade facial, capaz de provocar inveja ao nosso Pedro barroso. Nunca mais acertamos. 

 

Da abenegação

Há só uma coisa que perturba mais o sossego ao homem do que a desgraça do próximo: o sucesso do seu vizinho. É irónico (eu diria trágico, até) como quase sempre é mais difícil a empatia no confronto com a alegria do outro do que perante as suas tormentas e infortúnios. Enquanto as últimas colocam-nos numa situação de hegemonia, o seu contrário pode significar uma ameaça a qualquer frágil auto-estima. Qual a influência deste paradigma para a felicidade dos homens em sociedade é que é o busílis da questão. Em termos práticos é da maior conveniência que o sofrimento alheio não nos deixe nunca indiferentes ou até nos repugne, o que nem sempre acontece. Mas quantas bem-intencionadas causas ou empreendimentos acabam comprometidas com uma mediocridade que nivele protagonismos e reprima os êxitos individuais. Ou seja, também não é de subestimar a importância do são convívio dos indivíduos com o sucesso uns dos outros para a harmonia e desenvolvimento social. 

Alegoria

Um produto como um detergente da louça pode dar-nos uma lição de vida: lançado com forte poder abrasivo e cheiro a limão só não economiza a espuma que extravasa. Depois, aparece em cores pastel, aromas exóticos, propriedades dermatológicas e... deixa de lavar pratos.

 

Não podemos ser todos artistas


O problema é que o igualitarismo se dá mal com o Belo que inevitavelmente hierarquiza a criação do Homem, na Arte que resulta da expressão da sua ligação ao Divino. Ora acontece que, para além de a modernidade ter expulsado o Divino, a beleza carece inspiração, erudição e perseverança - conjunto de qualidades muito pouco democraticamente distribuídas. Só isso justifica a vulgaridade que salta todos os dias aos nossos olhos, agride os nossos ouvidos, e impunemente se propaga pelas nossas cidades.

 

Foto minha - "O Grande Clip" da rotunda da Galiza (Estoril)