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João Távora

A Igreja e o Mundo

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Ainda que intua a bondade dos sentimentos que atravessam a alma da Maria João Marques neste artigo,  a minha proverbial prudência não permite que a ele adira sem mais. Seria muito útil para tal, que a autora nos explicitasse quais as mudanças concretas que recomendaria para fomentar essa maior inclusão na Igreja Católica. O casamento entre homossexuais? A flexibilização da indissolubilidade do casamento? Talvez a supressão do incómodo conceito de pecado e consequente falência do Perdão por perda de utilidade. De resto, para rebater o sentido dado a cada uma das passagens dos evangelhos transcritas na sua crónica eu poderia ir buscar outras quantas citações diversas no sentido da radicalidade do desafio de Jesus Cristo, desde logo a trágica parábola do homem rico “Uma coisa ainda te falta; vende tudo o que tens, distribui aos pobres, e terás um tesouro nos céus; depois vem e segue-me” (Lucas 18:22), ou a perturbante passagem em Mateus 22, 14 “Na ver­dade, muitos são os chamados, mas poucos os esco­lhidos”.  

Tenho para mim que o Sínodo dos Bispos sobre a família reunido em Roma até sábado passado constituiu uma pedrada no charco, contribuindo para uma discussão aberta da Igreja sobre assuntos candentes da cidade, ligados à revolução sexual e à liberalização dos costumes ocorrida nas últimas décadas, cultura que invade as comunidades católicas e influencia a forma como elas são percepcionadas. E eu, que também desejo uma Igreja para todos, constato que as mais das vezes aqueles que sobressaem são os fariseus. E esses infelizmente enxameiam, estando num lado e no outro das disputas.
Por tudo isso, estou convicto que a promoção do diálogo sobre estes temas contribuirá, pelo menos, para a promoção, mais do que da tolerância, da misericórdia perante as diferenças das pessoas, dos seus dons e fraquezas, o reforço de um vivo sinal de inclusão universal que é, afinal, a pedra angular da mensagem de Cristo. Se há cristãos que perscrutam os seus irmãos pelas suas tendências sexuais ou pelo facto de serem divorciados ou recasados, é algo absolutamente lamentável. E de resto estou convicto de que o papel da Igreja é demasiado nobre para que seja percepcionado como o de polícia de costumes.  

A Igreja de facto não é imutável e faz o seu caminho de encontro com Cristo na história. Mas também me parece certo que, na medida das exigências de cada cristão e dos seus talentos (mais do que gostos ou propensões), à Igreja cabe o papel de ser farol que indica a direcção da santidade, um caminho de exigência profundamente íntimo e pessoal para a salvação que é a Cruz coroada de espinhos e não de sensações extasiantes.
Apesar de tudo sou levado a concordar que hoje urge fazer prevalecer publicamente o legado misericordioso da Igreja no lugar da imagem julgadora que é levianamente percepcionada pelo mundo. Isso sem desbaratarmos o desafio de salvação com que a Igreja de Jesus Cristo sobressai na implacável cidade dos homens que, hoje como há dois mil anos, no seu bulício e exterioridade tem outra agenda e uma natural tendência para rejeitar a Cruz.

Felicidade maior

É irónico como a felicidade é construída principalmente pela forma como soubermos enfrentar as nossas derrotas e respectivas feridas. No final das contas, as alegrias e os êxitos serão pouco relevantes para o caso.

 

Indomável humanidade

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Foi com estranheza que ontem ao visitar o blogue "Tempo Contado" do escritor José Rentes de Carvalho o encontrei encerrado, ao que parece definitivamente. Durante os últimos anos ali fui encontrando pequenas reflecções e crónicas do melhor que se escreve na blogosfera, com a particularidade, por vezes desconcertante, de exibirem um absoluto desapego às estéreis espumas que enleiam os nossos dias, condicionando as prioridades e o pensamento.
Foi um pouco abaixo desse post de despedida que me deparei com o perturbador texto que para todos os efeitos constará como o último que tomou letra de forma no blogue. Sem aludir ao terrorismo organizado, este realça algumas aberrações que a humanidade teima exibir nestes supostos tempos de progresso e modernidade: a fortuna de Putin, os relógios cujo preço chegava para alimentar uma cidade inteira, o Iate do califa de Abu Dhabi avaliado em 650 milhões que contrastam com a miséria nas ruas de Bombaim em que pessoas têm de pagar a um mafioso para ter espaço para dormir no passeio público. Pois é José, milhares de anos de civilização não resolvem a alarvidade latente no ser humano. Cada homem que nasce é uma construção a partir do zero, e para o bem e para o mal a vontade do indivíduo continua a prevalecer sobre os sistemas que vamos aprimorando com tanta soberba. Não há progresso que resolva a perversão do homem e uma bomba atómica nas mãos dum depravado será uma desgraça, hoje ou daqui a mil anos, se por aqui andarmos ainda. E se temos um mundo para mudar, temo bem que a parte que nos cabe em conta e que depende do nosso estrito comportamento, se formos ambiciosos, exceda a nossa capacidade e o tempo normal de aprendizagem. De resto sou um profundo descrente em sistemas e deposito a minha preferência naqueles que oferecem espaço ao homem para se realizar e a liberdade para se redimir. Porque se não nos podemos conformar com o mal que nos mata a cada dia, não podemos deixar de exaltar os heróis que todos os dias fazem deste mundo um sítio mais decente. Foi sempre essa mensagem, mesmo que escondida em descrença, que fui elegendo no Tempo Contado, José. Obrigado e até sempre.