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João Távora

A crise de Bruno de Carvalho

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Apesar do seu carisma eminentemente populista, factor a que o meu feitio mais reflexivo adere com dificuldade, desde que foi eleito sempre concedi o meu apoio ao presidente do Sporting Bruno de Carvalho, cujo mandato em algumas ocasiões e em muitos aspectos me veio a surpreender pela positiva. Quanto à novela com o treinador Marco Silva que ele provocou há dias, (ele conhecerá como poucos as "regras de funcionamento" do jornalismo desportivo que temos) o desastre comunicacional extravasa quanto a mim tudo o que seria possível imaginar. Se me parece legítimo que um presidente dum clube coloque publicamente pressão no seu treinador, o modo como o fez definitivamente não terá sido o melhor. Se é um facto que conseguiu colocar a marca Sporting no top of Mind durante a época natalícia - em que não há jogos - não se vislumbra qualquer ganho efectivo com isso, em face a um discurso que claramente descontrolado se descredibilizou. É um facto que Bruno de Carvalho é mestre numa retórica bombástica, que apesar de transparecer um perigoso improviso, muitas vezes teve o mérito de unir as hostes em volta do emblema. Ora acontece que este modelo contém muitos riscos, se não submetido a uma disciplinada gestão dos tempos de silêncio que bem administrados valorizam as intervenções do presidente. Dá ideia que Bruno de Carvalho não tem (ou não permite) que alguém o aconselhe friamente na gestão da sua imagem e discurso que, para gáudio dos nossos adversários, se tornou por estes dias apenas num confrangedor ruído. Além disso, deste modo o presidente do Sporting coloca a cabeça no cepo, pois a sua narrativa atrevida e continuamente ribombante só é sustentável com vitórias. Que paradoxalmente exigem serenidade no balneário e estabilidade para o projecto. 

 

Publicado originalmente aqui

Importância

A nossa importância é do tamanho do buraco que quisermos cavar para nos enterrarmos. Bom era que aprendêssemos pelo menos a rir de nós próprios, coisa que pode ser manifestamente pouco se não soubermos confiar: a Grandeza está fora de nós.

Em Calhando...

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Lembro-me bem, Filipe: vinha eu ontem de Alvalade a digerir o melão do empate com o Moreirense enquanto pelo relato da telefonia escutava os comentadores de serviço a tecer rasgados elogios à equipa azul e branca, que já falhara várias ocasiões de golo, na exacta medida em que depreciavam a postura constrangida do Benfica, esmagados que estavam com a autoridade dos donos da casa. Até que o Lima marcou o primeiro golo, julgo que pouco depois da meia hora de jogo. “Olha-me a sorte dos lampiões… calhou!” Foi o que eu pensei. Confesso que não vi o resto do jogo, que esta coisa de um pai de família quando chega a casa tem outras prioridades e contrapartidas a prestar, principalmente quando passou a tarde de Domingo precisamente na bola. 

Vem isto a propósito do estranho e súbito veredicto repetido mil vezes pelas sumidades da bola que enxameiam os canais por cabo e os jornais da especialidade ou nem por isso, que a malta consome na ânsia de prolongar o gozo da vitória ou encontrar bodes expiatórios que amenizem a depressão da derrota:  a vitória do Carnide reflectia afinal uma exibição brilhante e uma extraordinária estratégia por parte de Jorge Jesus
Ora acontece que, tão certo quanto Jorge Jesus ser um bom treinador, os resultados futebol dependem em grande medida do factor “calhar”, que os portugueses tão bem exprimem com o “em calhando”. Acontece que "em calhando" uma ou duas bolas na trave, um montículo de relva que desvia a bola, podem custar três pontos. Não, não é só do campo inclinado pelo árbitro vendido, da capacidade de liderança do treinador, da qualidade táctica e técnica de um mais ou menos harmonioso conjunto de jogadores que depende um resultado da bola. Em calhando num dia mau ou num dia feliz, perde-se ou ganha-se um jogo, essa é que é essa! Com a regra do “em calhando” perdem-se campeonatos e despedem-se treinadores. A regra do "em calhando" é preponderante e obviamente não é a única com influência no resultado, mas é precisamente essa que dá magia ao futebol: o Benfica ontem jogou pouco, mas calhou ganhar - ficaram felizes os lampiões, não há quem os ature. E a segunda parte do Sporting seria suficiente para a vitória... mas não calhou. De resto, caro Filipe, se não sabes ficas a saber que esta regra é verdade cientifica, excepto com os chatos dos alemães.

Texto originalmente publicado aqui

Sebastião

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Tinha aprendido a amar de uma forma plausível e há muito reconhecia os limites duma efabulada felicidade que a obstinada fantasia infantil o induzira a acreditar até tarde de mais. Chegado perto dos 50 anos Sebastião tinha a existência relativamente pacificada. Relativamente porque sobejavam aqueles tortuosos minutos (ou seriam apenas segundos?), que o inquietavam naquele twilight do despertar madrugador, em que de forma violenta do profundo sono em queda livre esbarrava numa realidade vazia, sem os filtros culturais, os fetiches da consciência de si e o sentido de pertença, as certezas construídas em camadas mais ou menos firmes. Naquele ponto da madrugada morna e inconsciente abruptamente entrecortada para mais outro dia de trabalhos e contendas, por uns segundos, (talvez fossem minutos), o mundo apresentava-se-lhe assim como se fora desalmado, ósseo, feito de seres vazios, expurgados de afecto. Esses momentos de sinistra lucidez, eram afinal instrumento de reconhecida eficácia para, ainda antes de se levantar para enfrentar a jornada, friamente esclarecer sentimentos e arbitrar indecisões ou conflitos, destroços do dia anterior, quase sempre de âmbito profissional - a crueza daquela racionalidade mórbida ajudava-o a corrigir juízos e a tomar decisões. Mas o certo é que esse buraco negro se esvaía com relativa rapidez, engolido com o pequeno-almoço e definitivamente digerido pelo urgente e escaldado café da manhã. Sebastião, homem bem-aventurado, plenamente realizado e vivido, tinha naquela sua secreta vertigem, naquela visão do abismo, a consciência próxima da morte, antes de o ser. De que a vida era uma preciosa conquista diária ao nevoeiro, à obscuridade.  

 

Imagem daqui 

No chão dos factos

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 No contexto do chamado “Choque Brutal”, prestar demasiada atenção às minuciosas análises dos imaginativos editoriais jornalísticos ou dos comentadores políticos oficiosos empurra-nos inevitavelmente a todos para uma órbita longínqua da realidade política nua e crua. Ora o que acontece cá em baixo no chão dos factos é que poucas vezes o Povo português se comoveu negativamente com os crimes políticos ou protagonistas corruptos, antes pelo contrário. Contrastando com a vozearia tão persecutória quanto inconsequente que impera na praça pública - em que, reflexo de uma senha contra a autoridade, se condena recorrentemente a generalidade dos políticos à cadeia só por serem políticos - o facto é que a História nos vem demonstrando uma insensibilidade geral às transgressões ou tiranias sucessivamente perpetradas ao longo dos tempos. Sem falar da maior estátua que em Portugal é dedicada ao sanguinário Marquês de Pombal, imortalizado como grande estadista, veja-se como a república aproveitando as benesses dum regime democrático e liberal, se instala candidamente na sequência de dois abomináveis assassinatos perpetrados pelos seus partidários. Ou veja-se como Salazar se perpetua no poder década após década sem grandes incómodos e sob as graças do “seu” Povo e de como foram vitoriosas as sucessivas reeleições de políticos sentenciados como Fátimas Felgueiras e Isaltinos Morais. Ou finalmente, como um delinquente político como José Sócrates é reeleito em 2009 apesar de denunciado em flagrante delito na gestão danosa da coisa pública. Todos estes factos contrariam o mito da “sabedoria popular” cujo sentimento sempre se inclinou para o fascínio pelos maiores escroques, na expressão duma compassiva condescendência para com qualquer líder corrupto ou despótico por troca de obra feita, um pouco de pão e circo. Se bem que a "Operação Marquês" (?!) condene a narrativa do PS a uma revisão, (nomeadamente evitando carregar o discurso anticorrupção), atrevo-me a dizer que a vitimização José Sócrates como mártir, numa agenda gerida com subtileza poderá vir a revelar-se um tónico para a caminhada triunfal de António Costa às legislativas de 2015. O fenómeno Sócrates emana da essência dos portugueses que o toleraram e veneram. Essa essência não mudará de um dia para o outro e nesse sentido estou convicto que continuaremos a ter  aquilo que merecemos. Nada de bom, bem se vê.