Ao longo do paredão entre o Estoril e Cascais decorre por estes dias uma cativante exposição onde se confrontam lado a lado em grandes painéis, fotografias actuais e coloridas das diversas praias e falésias com registos antigos das mesmas vistas, concebidos naturalmente a preto e branco entre 1900 e 1960. Um gosto especial para quem como eu se sente parte duma comunidade que integra, não só uma história e uma geografia, mas uma cultura transgeracional, que comporta os antepassados que conceberam a realidade que nos coube de presente. Foi assim que há dias quando regressava da praia com o meu miúdo pequeno, enlevado, consegui cativá-lo num jogo em que os dois comparávamos e procurávamos diferenças nos diversos elementos das paisagens. Aquela casa ali está igual, acolá não havia ainda uma estrada, naquela praia as rochas estão iguais, no outro lado o comboio era a vapor, ou os fatos de banho masculinos de corpo inteiro. Eis senão quando a minha criança, cuja cabecita voadora, apesar dos muitos serões com leituras das minhas referências juvenis, mal consigo interpretar, me assevera que a vida no meu tempo devia ser muito aborrecida. Encaixei com custo a inocente atoarda "esquerdista" do agora-é-que-é-bom-antigamente-era-o-obscurantismo. Sem lhe perguntar porquê, (talvez porque adivinhasse que a razão desse juízo devia ter que ver com o facto de no meu tempo não haver o Minecraft, um jogo de computador de que é fanático) o pequenote esclareceu-me que “as casas agora são muito mais modernas e giras”. Um fosso de incompreensão geracional rasgou-se profundo entre nós os dois.
De certa forma este episódio vem corroborar uma perspectiva segundo a qual, do nascimento à idade adulta se faz um percurso político, assim a modos de dizer… da esquerda para a direita. Explicando-me, há um caminho de redenção que se faz da total inconsciência de si no nascimento onde se inicia a construção de um ego insaciável e reivindicativo que, de protesto em protesto, em função de si e das suas necessidades a todos obriga à sua volta. Depois, no jardim-de-infância, com mais sofisticação, já a coisa resulta na bem conhecida teoria de que “tudo o que é meu é meu, e o que é teu é nosso”. É a fase revolucionária, da solidariedade obrigatória, da restruturação da dívida e da reivindicação permanente de direitos, e recusa terminante de deveres - enfim, o "bom selvagem" em potência. Esta crise só terá paralelo no pico da adolescência, que é por assim dizer o “meio da ponte” entre a infância e a idade adulta, uma fase perigosa em que muitos optam por estacionar definitivamente – mergulhados no seu guloso umbigo, com total desprezo pela realidade, nunca vão entender que já havia vida inteligente e sensível na terra antes ou para lá de si próprios (este é um perfil comum em boa parte dos militantes do PS e do Bloco de Esquerda, anarquistas e fumadores de cannabis). Com um desenvolvimento saudável a maioria vai assumindo a inevitabilidade do protagonismo que lhe cabe na sua vida, e que aquilo que do Mundo que está na sua mão "mudar" se circunscreve aos seus próprios comportamentos. Com o uso de um pessimismo metódico mas rejeitando sempre o cinismo - que não é mais do que o “conhecimento” descarnado de amor - cada um vai intuindo a estonteantemente complexa precariedade humana e de como ao longo da história da humanidade, para lá do desenvolvimento técnico, afinal as mudanças se deram mais na forma que no conteúdo. Finalmente a evolução natural resultará um dia no espírito do sereno e pacificado conservador, que é a encruzilhada da consciência onde certamente o meu filho e eu nos voltaremos a encontrar.